31 de janeiro de 2004

O compadre alentejano da Dra Manuela Leite

O compadre para o conselho de administração. Para ajudar à reforma!Vivendo no Porto devoto ao Alentejo a admiração dos horizontes que vão para lá da vista. Gosto das terras, das pessoas e das cantigas. Não há, portanto, nada de pejorativo na figura simpática do compadre que, como garantia, se deve exigir alentejano. Como o pão!

Como do Brasil se diz ser o país do carnaval, este é o país da gargalhada. É tempo perdido produzir programas humorísticos para a televisão como agora, por decreto, o ministro Sarmento impôs àquilo a que chama sociedade civil. Não vale a pena subsidiar os filmes cómicos do jovem cineasta Manoel de Oliveira, mesmo que possam sair vencedores do festival de Cannes. É apenas para benefício das empresas de celulose a edição de suplementos de jornais e de revistas que supostamente pretendam fazer rir. O riso está em toda a parte, a todas as horas. O português, mesmo quando chora, chora por não conseguir conter a gargalhada.

A indústria do riso é, por isso, uma indústria em recessão. Não tem de que se queixar: acompanha todo o resto no uso excitante da tanga. Compreende-se, também por isso, que o Sr Herman José tenha gasto uma fortuna em despesas de investigação para descobrir uma alternativa que lhe garantisse a renovação do contrato com a SIC e lhe desse dinheiro para barcos, automóveis e charutos. E optou por apresentar programas que não têm graça nenhuma em que os convidados são sempre os mesmos e se apresentam periodicamente, por escala, como as farmácias de serviço.

E senão reparem! Foi criado o Centro Hospitalar de Lisboa que incorpora os hospitais de S. José, Capuchos e Desterro. Seguindo uma filosofia de gestão a que, em mirandês, alguém chamou "small is beautiful", o governo junta. Para tornar mais pequeno. Depois precisa de nomear dirigentes, sem recurso a coisa nenhuma, apenas à sua vontade, não está vinculado a nada, muito menos ao eleitorado. Socorre-se de um jovem reformado da função pública, - só está reformado há três anos! - o médico Manuel Guimarães da Rocha, e indigita-o para presidente do conselho de administração. Mas então o país já se não contenta com a ignomínia do trabalho infantil? Precisa ainda do trabalho senil? Mais do que isso, é legal, é legítimo, é ético, é deontologicamente correcto, é moral recrutar um reformado de 68 anos de idade, a precisar de sopas, descanso e dos programas de turismo senior do Inatel e forçá-lo a trabalhar de novo? Mesmo que o cargo lhe componha o orçamento familiar e lhe garanta mais uns cobres para que ofereça mais umas pastilhas elásticas aos netos? Parece, racionalmente, que não!

Perdão, peço desculpa, afinal parece racionalmente que sim! Se eu tivesse informação privilegiada fazia como o filho do Sousa Cintra: aproveitava para arrecadar uns milhões e depois oferecia um veículo todo o terreno de topo de gama aos bombeiros. Para ir à caça aos fins de semana. Sim, eu! O comandante, se quisesse, podia ir dar uma volta comigo. Mas tive-a apenas agora, quando nada me adianta! Este reformado começou por ser contestado por se alegar que a sua nomeação era política. De estranhar, porque é coisa rara entre nós. O que nos faz rir duplamente, a nomeação e a política. Mas afinal não há razão. O Dr Guimarães da Rocha foi forçado ao trabalho, depois de estar a gozar a sua merecida reforma, por razões meramente familiares e de amizade. É compadre da Dra Manuela Leite. Mas não sei se é ou não alentejano, o que também é indiferente!

As conferências para a fina flor do entulho

Porto: as conferências dos 30 anos do 25 de AbrilInexplicavelmente o Dr Rio tomou uma aitude. Depois de ter ido, por duas vezes, inaugurar os acessos ao novo estádio do Dragão enquanto o Sr Pinto da Costa os agradecia ao governo, resolveu promover no Porto um ciclo de conferências sobre o 30 anos do 25 de Abril. Para, segundo declarou, modificar a imagem de um Porto zangado.

O acto em si não é de desespero, é de puro esbanjamento. Estando a câmara falida não se compreende que passe a vida a empenhar-se ainda mais em festas de que a construção civil nada aproveita. A iluminação das ruas, pelo Natal, foi o que se viu. Era tal a luminosidade que em Santa Catarina tinha que se levar a mão a proteger os olhos sempre que um passante acendia o isqueiro para pegar fogo ao cigarro. Para acalmar a turba montaram-se postos itinerantes da polícia e dos bombeiros que, alegremente, foram trocando entre si saudações da época e presentes das lojas dos trezentos. Mas que, mesmo assim, na noite da consoada foram comer o bacalhau para casa.

Como se isso não tivesse bastado, promoveu-se a passagem de ano na Praça da Liberdade. Mais uma vez, para benefício dos lucros da EDP, com muita luz, roulottes de bifanas e de farturas, selhas de cerveja e refrigerantes, sem necessidade de pedras de gelo para refrescar porque estava frio. Contratou-se uma música qualquer, depois do Rui Reininho ter declinado o convite porque já se deixou de actuações assim, para o pé descalço. Com o tempo de lua nova e a noite escura, o Sr Pedro Abrunhosa não conseguiu adquirir óculos que lhe mostrassem o caminho, e não chegou a tempo. E, em noite de festa, estão todas as lojas fechadas na cidade de Penafiel, regressou a casa e ficou ao borralho a ver televisão.

A música entrou pela madrugada dentro, até altas horas. O relógio da câmara, que fora acertado à saída dos funcionários, marcava já meia noite e quinze minutos quando a orquestra deu o derradeiros acordes. No primeiro dia útil do ano as discotecas da cidade correram aos paços do concelho a apresentar reclamações iradas contra a concorrência desleal e nocturna que o Dr Rio persistia em fazer-lhes. Foi preciso que o engenheiro Rui Sá cofiasse a barba e puxasse dos galões para acabarem todos no Embaixador a tomar o café a meio da manhã.

Agora um ciclo de conferências, ainda por cima no edifício da alfândega, que fica fora de mão e em local húmido, mesmo à beira rio. E a lista de conferencistas convidados, longa e de qualidade, como os lagostins das marisqueiras de Matosinhos. Que de certeza se não contentam em comer um hamburguer na Imperial - quem havia de dizer que a Imperial ia acabar naquilo! - e descer a pé até ao rio, a remoê-lo. Devem exigir jantar na Cooperativa dos Pedreiros e serão certamente satisfeitos, desde que não desviem o olhar curioso para as ruínas daquilo que foi a casa da D Guilhermina Suggia. Sendo já longe, haverá automóveis dignos para os transportar. Confortáveis, para que não arrotem e vomitem o creme queimado no trajecto.

Mas coisa de referência, até o Sr Carlos Castro estava à porta para espreitar as toilletes. Muito bem acompanhado, por sinal. Creio é que depois também não seguiu para a conferência e preferiu subir ao quarto, para relaxar. O sucesso transpirou e o engenheiro Nuno Cardoso sentiu como grande afronta não ter sido convidado. Nem para o jantar, nem para a plateia. E garantiu que esta, onde se viram sentados quatro assistentes, teria o dobro só à conta da concelhia a que preside. A organização desmontou-lhe a vaidade e a irritação em três tempos: a entrada era livre, tivesse aparecido.

Desmancha prazeres, veio uma organização com nome de dois quilómetros e descrição adicional de mais três, lamentar que não tivesse sido permitida a entrada de público. O município desculpou-se com a lotação da sala e a falta de lugares vagos. A tal comissão instaladora da interassociações - que não se instalou coisa nenhuma, está visto! - acusou "estas comemorações de ficarem assim limitadas a uma elite, excluindo-se a participação popular".

E, assim sendo, as conferências são de facto destinadas à elite que o Dr Rio entende como tal. Para elas, pelos vistos, é apenas convidada a fina flor do entulho da sociedade tripeira. Olé!

30 de janeiro de 2004

A ministra da justiça é inimputável?

A ministra da justiça é inimputável?No parlamento português, onde nada se passa, verificou-se hoje um desaforo que ameaça virar tragédia. Cumprindo a sua agenda mensal foi o primeiro ministro visitar aquele asilo de reformados, a encorajá-los por causa da carestia de vida e a prometer-lhes o céu assim que a chuva cesse e as nuvens cinzentas se dissipem.

Discursos atabalhoados e inúteis a que, invariavelmente, o árbitro que preside à mesa foi pondo termo dizendo: "o seu tempo acabou, faz favor de terminar senhor deputado". Foi havendo de tudo, desde aplausos de pé, a pateadas e a urros de agravo às mulheres e às mães dos oradores.

A maioria que apoia o governo não precisou sequer de ver dúvidas esclarecidas e não contestou nada. É fervorosamente crente e temente a Deus e entende, como lhe ensinou o catecismo, que Deus não se discute. Acredita-se!

O Dr Ferro, mesmo assim e parece que pela primeira vez, pôs algumas dificuldades ao primeiro ministro, que vacilou. Mas o Dr Ferro tem o discurso atropelado de espectador do estádio de Alvalade, quando exaltado discorda das decisões do árbitro. Ganha em vigor emocional e desconexo o que perde em clarividência.

O Dr Carvalhas tem as ideias arrumadas e o discurso racional e sóbrio. Mas é demasiado monocórdico, proclama verdades que ninguém refuta mas que todos ignoram. Cumpre o seu papel, sai para o camarim, quase não ouve aplausos. Acusando-o sempre de usar uma cassete o primeiro ministro responde-lhe usando outra. Como num combate de boxe, passou-se mais um assalto em que não houve vencedor. Nem aos pontos.

O Dr Louça questionou o primeiro ministro pelo apoio expresso que, no parlamento, não garantiu à ministra da justiça. Que há dois ou três dias se desdobrou em explicações pelo país fora, à hora do Big Brother, a contar histórias da carochinha em que ninguém - nem ela! - acredita. E, desatino, sugeriu ou inquiriu sobre a sua inimputabilidade. As galerias tolheram-se de frio, as bancadas da maioria espumaram de raiva. A ministra, até agora, não me apercebi que tivesse dito nada. As bancadas da oposição ruborizaram, beberam água, já conseguiram conter a gargalhada.

Ofendida e mal paga, a bancada do partido da ministra anunciou que iria processar o herege do Dr Louçã e que o convidava, se não fosse cobarde, a solicitar o levantamento da imunidade parlamentar que o protege, para responder em tribunal. A gargalhada voltou a soltar-se à bancada minoritária da oposição, e parece que ainda continua. O Dr Louça classificou de garotice o anúncio e ficou à espera do desafio varão, para o duelo. É sexta-feira e seguem todos para o fim de semana, em S. Martinho do Porto, apesar da qualidade perdida de que nos conta, sapiente, o Dr Prado Coelho. Amanhã a bola e o Sporting - Porto vão fazer esquecer tudo. Independentemente do resultado e de se saber se a ministra é imputável ou não!

Ser português é cada vez mais difícil

Ser português, hoje, não é uma condição. É uma fatalidade, é uma ignomínia. É sobretudo um risco permanente. Nem se acredita como foi possível ao país percorrer, aos solavancos e por caminhos travessos, quase novecentos anos de história e chegar aqui. Nada adianta ao cidadão ficar em casa, para se resguardar. É assaltado na cama, se preciso for. Pela pouca vergonha do discurso e pela mão ligeira da ministra das finanças.

O país perdeu o dinheiro, a capacidade de se endividar, o orgulho e a vergonha. Nem os nacionalistas fervorosos acham que vale a pena replantar as estátuas do Dr Salazar e recuperar o hino da mocidade portuguesa com novo arranjo musical. O país é um jogador compulsivo que perdeu tudo, incluindo os brasões e os aneis que confiadamente depositou nas casas de prego. E que persistentemente se apresenta em cada noite à porta do casino, a tentar que o porteiro o deixe entrar.

O país não está de tanga, está nu. Mas sem ser rei nenhum, é um simples plebeu, um sem abrigo abandonado na rua aos rigores do inverno e à violência dos empresários da noite. De tanga está o governo e a classe política, vazia e idiota, que se queixa de ganhar mal e de viajar pouco. Que já não vê o próprio umbigo sem o auxílio do espelho de aumento.

O estado já não é um ladrão, é uma quadrilha. Em que o chefe apenas manda quando não está nem ausente nem de costas. Porque se isso acontecer é traído pelo submisso primeiro ajudante que o substitui, mesmo sem mandato. E sem pedir licença.

O presidente da república vai acabar o segundo mandato e ser posto na rua como qualquer jovem licenciado a exercer funções de caixa num supermercado, ao fim de dois contratos de trabalho a termo certo. De nada adianta que tenha o discurso consensual e o raciocínio cartesiano. E do mesmo lhe servirá que a família tenha investido na sua educação anglo-saxónica, tenha aprendido inglês e saiba piano. Vai seguramente ser canonizado como o foi Santo António, mas depois de ter passado à história. Antes disso limitou-se a falar para orelhas moucas cujos donos assobiaram para o lado.

A classe política deixou de estar associada fosse ao que fosse de que o país pudesse orgulhar-se. E no entanto proclama o orgulho nacional a que passou a chamar auto-estima e vai ao futebol. Congela os ordenados aos trabalhadores e aumenta os seus. Promove o desemprego para ainda hoje poder apregoar que o combate. Deixou de ser uma educada graçola de salão para passar a ser uma ordinária anedota da vida.

A economia só existe nos manuais e estes são de autores estrangeiros e não têm quem os traduza. Os seus agentes, apóstolos convictos da ignorância e da vaidade, usam expressões estrangeiras sem saberem português. Deixaram de ir aos cinemas mas, mesmo em casa, não são capazes de ler as legendas dos filmes que passam na tevê cabo. Qualificam-se a si próprios de gestores, fixam-se elevados ordenados, atribuem-se automóveis importados de alta cilindrada. São adeptos do sexo sem constrangimentos mas não usam preservativo. Nem vêem os programas do Dr Júlio Machado Vaz.

Os trabalhadores, naturalmente, só existem para trabalhar. A continuar assim acabarão a fazê-lo de sol a sol e sem intervalo para a sesta. Como escravos. Numa selva em que os macacos verdadeiros, de rabo comprido, estão em vias de extinção e apenas são protegidos em gaiolas, no jardim zoológico. Enquanto o patronato em alvoroço reclama do salário mínimo muito elevado e da inutilidade das contribuições para a segurança social. E vai à socapa recrutando imigrantes de proveniência indefinida, a trabalharem pela sopa e a pernoitarem nas soleiras das portas.

O desporto é mais do que nunca uma inantíngivel escola de virtudes, com toda a estrutura do futebol profissional à cabeça. Em que o presidente da liga publicamente declara, aos berros, que ele é o exemplo sem mácula para que o país se deve voltar. Pensando, estúpido, que fala a sério. E fala, porque o país todo é uma fralda descartável que o bébé usou para tudo, sem o controlo a que os adultos ainda se obrigam.

A cultura quase só tem acolhimento no estrangeiro. Um escritor português para ser galardoado com o prémio Nobel, tem que de ter fixado residência em Espanha. E que ter sido afrontado por um qualquer governante que um tribunal veio a julgar como ladrão. Os outros, todos os outros, abstêem-se, não querem saber, não visitam as feiras do livro, não comparecem aos serões de poesia na Fundação Eugénio de Andrade.

O conhecimento português, invariavelmente, encontra-se emigrado. Só vem a férias uma vez por ano, e por pouco tempo. Internamente o conhecimento concentrou-se, é atributo de uma só pessoa, e mesmo assim é preciso que seja ela a proclamá-lo. Para além da adesão à União Europeia, da inclusão no grupo do euro e dos constantes atropelos às normas do pacto de estabilidade e crescimento, o saber reside no senhor Vasco Pulido Valente. Só ele sabe, só ele diz, só ele tem opinião. E só ele a reduz a escrito, de forma escorreita e sem erros de ortografia. Como se fosse uma cartilha. Como pode um tal país deixar de ser uma degenerescência?

Mãos ao ar!

Mais do que a notícia, o riso assaltou-me logo que vi as imagens passarem na televisão. Por timidez, quis conter-me. Tratava-se da segunda figura da hierarquia do Estado, mesmo em privado deveria ser respeitada. Pelo menos antigamente. Agora o Daniel publica-a e, em título, proclama: cercado pelo pecado!

É uma graça! Mas pode sugerir outras. Para que exibe cada uma das senhoras um dístico a dizer "aborto"? Para pessoalmente se identificar? Para identificarem o sorridente cercado, rendido, de mãos no ar? Para se identificarem com alguém ou alguma coisa? Os dísticos, obviamente, não eram necessários. A não ser pelo rídiculo, pelo bizarro e pela anedota!

29 de janeiro de 2004

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso

Greg Dyke, ex-director geral da BBC. Demitiu-se!Ontem foi divulgado o relatório Hutton que deixou mais tranquilo Tony Blair sobre a questão do Iraque e sobre a sua promessa de se demitir do cargo que desempenha, caso aí lhe viessem a ser atribuídas quaisquer responsabilidades. A comunicação social passou a utilizar vocábulos como "absolvido" e "ilibado", creio que por simples descuido e não intencionalmente ou por ignorância do seu significado objectivo.

Mal ou bem, todavia, nem sequer é isso que interessa muito. Interessam as consequências que, de imediato, os responsáveis da BBC, particularmente visados no documento, daí extraíram. Demitindo-se sem que lho tivessem exigido e sem que os editoriais do Sr José Manuel Fernandes tivessem já sido lidos em Downing Street.

Neste país de Pacheco a Dra Celeste Cardona desdobrava-se em peregrinações. À Assembleia da República, onde lhe exigiram que fosse. Às televisões, onde pensou meter no bolso a curta atenção dos telespectadores. Teve um desempenho perfeitamente burlesco. Em nenhum lado convenceu nenhum deputado, nenhum cego acreditou na sinceridade da expressão que não viu, nenhum surdo levou a sério as palavras que não ouviu.

Questionada sobre alhos, politicamente respondeu bugalhos. Sobre as possibilidades de se demitir em consequência das trapalhadas que a tiveram por fulcro, respondeu que seria ministra emquanto o Dr Barroso assim o entendesse. Como se lhe perguntassem as horas e respondesse que estamos em Janeiro.

Não são precisas muitas palavras, até porque se não pretende comentar aquilo que não carece de nenhuma explicação para que se entenda. Apenas se salienta a forma de estar. Da Dra Celeste Cardona não! Do director geral da BBC, Greg Dyke.

Os portugueses pelam-se pela estatística

D. Afonso Henriques pelava-se por dar porrada aos mourosNo início da nacionalidade os portugueses, que eram poucos, pelavam-se por perseguir os mouros, atirá-los dos cavalos abaixo, encher-lhes os corpinhos de nódoas negras. Com D. Afonso Henriques à frente, envergando uma armadura adequadaà moda e à estação do ano, destruiam-lhes as searas, invadiam-lhes as cidades, assaltavam-lhes as fortalezas. Lendas há - e não podem ser mais do que lendas! - que dizem que depois, no espólio da refrega, lhes ficavam com as mulheres e com as filhas. Para as converterem. Tudo sempre à cachaporrada!

Mais recentemente o professor Freitas do Amaral, farto do direito e do sistemático insucesso dos alunos cábulas, dedicou-se à literatura. Como poderia ter-se dedicado, como muita gente, à pesca. Escreveu peças de teatro e biografias, entre elas a de D. Afonso Henriques. Aligeirou-lhe, felizmente, o peso da armadura, o ginete do temperamento e a violência da espadeirada. Afinal D. Afonso não fora assim tão bruto como a tradição e a escola nos fizeram acreditar. Estudara em bons colégios do ensino privado, tivera boas amas, - em todas as acepções! - fora assíduo no catecismo, era um diplomata. Negociava sempre, antes de se decidir pela porrada. De uma forma muito mais racional do que aquela que observaram os vietnamitas em relação aos americanos. De facto Ho Chi Min encheu-os primeiro de porrada e só depois disso, cheios de hematomas, com pernas partidas e apoiando-se em canadianas, os sentou a uma mesa, em Paris, para negociar.

As coisas mudaram, para que ficassem mais na mesma. Os portugueses hoje, que são mais do que eram, pelam-se por futebol, por televisão e por estatística. Estas predilecções levaram à falência dos clubes, dos cinemas e do sistema estatístico nacional. Os clubes já estavam falidos, quase ninguém deu por nada, muito menos se preocupou fosse com o que fosse. Metendo a cabeça na areia, como avestruzes de meias altas, os clubes empenharam-se freneticamente na construção de estádios, a fingir de ricos. Os cinemas encerraram, transformaram-se em bingos, encerraram de novo, alguns converteram-se em locais de culto da igreja universal do reino de Deus e do seu bispo Macedo. A estatística que já era complicada, falsa e inútil foi invadida por determinações comunitárias e cada cidadão passou a receber, mensalmente, dois questionários de resposta obrigatória. Com cujo preenchimento perde o equivalente a quatro dias de trabalho, descontando os intervalos para o almoço e para as idas ao café.

Os portugueses adoram a estatísticaMas o país converteu-se à estatística, adora a estatística, ama a estatística e não consegue fazer nada sem recurso a ela. Os políticos que não sabem a tabuada dos quatro, mesmo os presidentes das juntas de freguesia, não prescindem da estatística. Anotam quantos cigarros fumam por dia, quantos cafés tomam, quantos eleitores evitam nos curtos trajectos que fazem a pé, quantas horas faltam para o fim de semana. Os treinadores de futebol não as dispensam, a não ser o Sr José Mourinho cuja cabeça, dizem, regista e tem memória de tudo. Os outros sabem os jogadores que têm por escalão etário, os minutos que cada um deles jogou, as vezes que foi ao dentista, o número de vezes que teve a ousadia de fazer caretas ao árbitro.

Mas a estatística usa-se como muleta e não serve para nada. Ainda hoje os jornais revelam que os alunos do nono ano de escolaridade tiveram médias negativas a Português e a Matemática. Como se ninguém soubesse, toda a gente abre a boca de espanto e mostra ameaçadores incisivos cavalares. Exploram-se os resultados: as raparigas são menos más a português, os rapazes a matemática. Os ricos têm as melhores notas, os pobres as piores, como a maior parte das coisas na vida. A situação é preocupante, o país pensante engendra soluções sem mais perda de tempo, desenha manifestos de intenções. E vai-se ficar por aí, pelos apelos de mãos à obra e pelas intenções. É o país do mãos à obra e das intenções, mas nunca sai disso. Nem se atira à obra nem se aventura para além das intenções, mesmo que o povo diga que o inferno está cheio delas. E das boas! Para o ano a cena vai repetir-se, com este ministro ou com outro. Vão invocar-se hábitos gregos e desgraças nigerianas, comparar resultados, ver que tudo vai como dantes. Vai repetir-se o espanto e a exibição do corta-palha, com os incisivos menos ameaçadores porque já cederão à cárie e ao mau hálito.

28 de janeiro de 2004

O alegre ministério da justiça e do riso

A nova ministra da justiça e do risoO povo português tem a fama, e claramente o proveito, de ser um povo triste e macambúzio. De forma que se justificava e, mais do que isso, se aplaude com entusiasmo a decisão de agora ter mudado a denominação daquilo que tem sido conhecido apenas por ministério da justiça. Uma coisa intangível, que ninguém vê, que amiúde se diz que é cega, que não funciona e que vem sendo superiormente dirigida pela Dra Celeste Cardona. Portanto, mudou-se-lhe o nome! Congratulamo-nos como cidadãos e como eleitores. Felicitamos o primeiro ministro e todos os ministros de estado. Desejamos à nova ministra as maiores venturas no exercício das suas altas funções. Recomendamos ao bastonário dos advogados que se mantenha atento, para aprender porque a Dra Celeste não será ministra toda a vida.

Teve o Dr Barroso a fortuna de ter à mão, disponível, a Dra Celeste para o exercício do cargo. Ela, que para além das funções de estado, mantém viva a sua veia de humorista burlesca, admiradora da "stand up comedy" que eu não sei bem o que é mas que me faz rir muito. A propósito de uma questão relacionada com descontos para a segurança social que o seu ministério não pagou, emitiu ontem um comunicado que é uma autêntica sinfonia do riso em oito pontos e um epílogo a que faltam, infelizmente, as ilustrações do Sr José Vilhena. O país está em boas mãos, está bem entregue, podem fazer ressuscitar o Dr Salazar. Não é preciso que faça de novo o mesmo trajecto de antanho, ele ressuscitará como morreu: convencido de que continua a ser o primeiro ministro. E deixem que o seja por um dia, que tal tempo basta.

A Dra Celeste que não conhece tradição nenhuma, muito menos a inglesa, saberá então da sua demissão à boa maneira dele. Na manhã seguinte, pelas páginas do Correio da Manhã. Amén!

É a cultura, estúpido!

in Grande ReportagemOlhe doutor, estive quase tentado a tratá-lo assim mesmo, só por doutor, depois da trabalheira que me deu escrever o seu nome direito. É que eu sou à antiga, escrevo de papel e caneta de verdade, sempre que me engano amasso a folha, deito-a para o cesto e recomeço tudo de novo. E o seu nome é complicado, não é o Manuel Maria, é o apelido, o Carrilho, parecia-me haver sempre para ali uma perna a mais, muitas letras dobradas, sabe como é, a ileteracia. Mas cada vez que quase me decidia pela desistência lembrava-me daquela cena do Vasco Santana a dizer. "chapéus há muitos, seu palerma!" e ressaltava-me a analogia porque doutores também há muitos. Então persisti, gastei quase meia resma de papel, tive de encher duas vezes o depósito da caneta, ocorreu-me e visitei o seu sítio na internet. Graças a Deus! Ajudou-me muito!

Que sublime! É nestas coisas que de facto se reconhece, mesmo que parcialmente e por defeito, o nível cultural das pessoas e a exigência elementar em relação à decoração das casas de banho onde lavam as mãos, ajeitam os cabelos e arreiam as calças para sentarem o traseiro imaculado na sanita da Vista Alegre. Desde logo a elevação da mensagem de acolhimento, na primeira página: "não há nada pior que o catastrofismo que se segue a uma derrota - a não ser, talvez, o ilusionismo sobre as suas causas.". Só a palavra "catastrofismo" obrigou-me a ir ao dicionário três vezes, só encontrava catano e catarro, ainda agora vou a pé, de regresso a casa, a repeti-la continuamente, a ver se se me solta a língua e me não atrapalho quando a pronuncio. Sobre o ilusionismo percebo, já vi, tem a ver com aquelas coisas impossíveis que faz o Sr Luís de Matos que já uma vez, no velho Calhabé, pôs com um aperto de dedos o meu filho a deitar moedas de euro pelo nariz.

Sabe que, de malandrice, que eu posso ser meio analfabeto - cada vez me dizem mais: és como o país, não te preocupes! - mas não sou burro de todo, pedi ao meu filho, o mesmo, aquele das moedas de euro pelo nariz, e fomos pesquisar a internet para vermos o sítio do Dr Pedro Santana Lopes. Sabe o que encontrámos? Um sítio com uma página só escrita, nem uma fotografia, o texto mal arrumado, com o título escrito a vermelho - devia ser dirigido aos amigos dele! - a dizer: "Biografia (oficial) de Pedro Santana Lopes.". Assim mesmo: oficial! Ele devia ter era a coragem do doutor, andar de namoro com a D. Bárbara, assumir a relação, ir de braço dado com ela às festas da Operação Triunfo, casar-se, fazer-lhe um filho. Em público, à vista de toda a gente, menos essa de lhe fazer o filho, está bom de ver. Havia de ser bonito! Cada namoro, um filho. Cinco registados no registo civil, por causa do subsídio, sei lá eu quantos sem registo, mais os do estrangeiro, nas visitas de trabalho político, com passaporte diplomático. Aquilo é cada cavadela, cada minhoca! Logo pela data de nascimento: dia de S. Pedro! Então isso admite-se? São Pedro é santo da Afurada, nem do Porto! Em Lisboa tem que ser Santo António ou então não tem perfil. Aldrabe o registo, suborne o conservador, diga que a mãe se enganou nas contas, que a pai até estava para as campanhas de África há dois anos, mas trate de corrigir o bilhete de identidade.

Depois vem com aquela do povo esperar de um político obras e não filosofia. É parvo! Obras o povo espera dos construtores civis. Da filosofia não espera nada. Dos políticos, com sua licença doutor, o povo só espera merda! Mas o doutor digo-lhe, assim equipado como nessa fotografia que lhe mando para acrescentar ao seu sítio na internet, não tem rival. Um trolha bem vestido, com gravata ao pescoço e sapatos engraxados. Com educação e com estudos, que sabe falar seja com quem for, até com estrangeiros. Pode até ir ao biscate a casa da Dra Manuela Leite, para desentupir a pia e reparar a torneira do bidé. Vai olhar para si e não vai sequer ter o desplante de lhe perguntar se o doutor passa recibo. Um trolha assim, distinto. Era o que faltava!

A visão incompleta do Dr Cadilhe

A oração e a folia andam de mãos dadas. A agradecer!Desde que acabei a catequese e fiz a comunhão solene que tenho em relação aos milagres a mesma esquisita convicção que tenho em relação às bruxas: não acredito neles mas sei que existem. Mas esta manhã, quando na casa de banho e de boca aberta fazia por escovar os caninos, a escova caiu-me e quase mudava de opinião. O Dr Cadilhe pronunciava-se claramente sobre algumas obras de grande dimensão que o país - de pequena dimensão, não vá nenhum de nós continuar a pensar o contrário! - realizou nos últimos tempos, desde a Expo 98, ao Porto capital europeia da cultura e aos dez estádios para o Euro 2004. Classificava todas essas obras, por palavras dele, de burrices e de investimentos ostensivos de interesse duvidoso.

Imaginei a cena, de imediato. Para dizer o que disse, tão objectivamente como se não fosse economista e se nunca tivesse ocupado nenhum lugar político, obviamente, tinha tido uma visão, houvera inspiração divina que o influenciara. Provavelmente nos engarrafamentos de trânsito, no IC 19, sentado no banco de trás do automóvel, em plena hora de ponta enquanto o motorista fardado, de boné convenientemente enfiado na cabeça, tocava continuamente a buzina para evitar dizer palavrões. Teria nessa altura, como um vidente motorizado, visto uma Senhora que flutuava à sua frente, como se viesse da Amadora, que lhe tocara a inspiração e a consciência.

Mas quando me ergui de novo, depois de ter apanhado a escova do chão, rapidamente concluí que afinal a visão do Dr Cadilhe fora apenas parcial. Ou que não fora a Senhora, ela própria, a aparecer-lhe mas tão só, muito provavelmente, um beato, ainda sem antiguidade e sem currículo. Porque é verdade que tenha havido delapidação de recursos num país que, na Europa, só vai à frente no número de casos de sida e na incompetência com que os trata. Mais: os custos previstos foram sempre de tal forma excedidos que melhor teria sido que as obras tivessem sido confiadas à responsabilidade de engenheiros em vez de ladrões. Nenhum desses desvios, como se sabe, foi alguma vez explicado, nem o vai ser. Os chamados gestores que lideraram os projectos enriqueceram. Em vez de serem responsabilizados foram promovidos. Para continuarem a enriquecer.

Mas o Dr Cadilhe não teve a sorte que a varinha de condão o tivesse tocado com um pouquinho mais de força e lhe pudesse avivar a memória até um pouco mais longe. Se assim tivesse acontecido teria certamente acrescentado mais algumas pérolas da coroa à sua lista. Por mim, que vivo no Porto como ele, apenas pelos jornais sei das diárias peregrinações dos habitantes da Curraleira ao Centro Cultural de Belém onde se prostram na praça fronteira, como muçulmanos, agradecendo a melhoria da qualidade de vida que dali lhes tem advindo. Como no Porto já acontece com os habitantes escarranchados pela encosta dos Guindais, que rezam e se mudam de armas e bagagens a abrigar-se sob o cimento armado do estádio do Dragão. E que, de certeza, só interromperão as orações quando de dentro do estádio chegar o urro eufórico e colectivo de um golo do Pauleta.

27 de janeiro de 2004

O Iraque e as armas de destruição maciça


É assim: não nos assiste, nunca, o direito de duvidar de pessoas de bem, que sacrificam as suas carreiras, o seu desafogo financeiro, as suas idas ao futebol e, até, as suas próprias famílias ao serviço público e ao interesse nacional. Nunca duvidámos de que Saddam Hussein fosse um perigo para a Terra, para a Lua e, se ainda não tivesse sido denunciado e preso, nesta altura seria já também um perigo para Marte. Pode acontecer que se conclua que não há vida no planeta vermelho - tenho um palpite de que esta designação será convenientemente suprimida! - mas, continuando Saddam em liberdade - depois do Iraque ter sido libertado, porque até aí o não estava - não haveria nenhuma remota probabilidade de que a viesse a haver. Assim fica essa possibilidade em aberto quando o planeta for colonizado e os colonos o ocuparem como já fazem na faixa de Gaza.

Também nunca duvidámos de W. Bush, que pode ser impropriamente burro, atrozmente analfabeto, supinamente cretino mas nunca mentiroso com o medo do inferno e o receio de perder, como o pai, a eleição para o segundo mandato. O mesmo acontece em relação ao seu primeiro ajudante, como se fosse um secretário de estado português, Tony Blair, caricata figura de um inferior concurso do Big Brother, meio sósia de Julio Iglesias sem ouvido para a música e com uma voz de cana rachada. E ainda, por maioria de razão, porque é português como nós, porque tarimbou no MRPP como o Dr Pacheco Pereira, empunhou cartazes com citações de Mao Tse Tung, converteu-se pela mão do Dr Santana Lopes e é amigo do George com quem às vezes toma o pequeno almoço, não duvidamos do muito nosso Dr Barroso.

Todos afirmaram ter visto provas irrebatíveis da existência das armas de destruição maciça do Sr Saddam. Que as poderia accionar em menos de quarenta e cinco minutos e fazer tudo em fanicos. Ninguém, de bom senso, terá duvidado disso. Quando o W. Bush mandou parar a guerra, assim como a tinha mandado começar, toda aquela gente se empenhou na procura dessas armas. Ainda as não encontraram. O que, claramente, prova duas coisas. Que o Sr Saddam, afinal, não era tão rápido a accionar essas armas como diziam todos os relatórios ultra-secretos que o Sr Bush guarda no bolso do casaco. Mas que, afinal também, era muito mais eficaz a escondê-las. Tão bem o fez que nem ele as encontrou. Muito menos os outros. Daqui a umas centenas de anos, quando o petróleo for coisa do passado que já não serve para nada, hão-de as gerações futuras andar a escavar as tórridas areias do deserto à procura delas. Nessa altura terão um valor arqueológico incalculável, como os fósseis dos honrados e verdadeiros dirigentes que souberam da sua existência. E a proclamaram aos quatro ventos.

Afinal há esperança para o caso W. Bush

Um dos mais velhos mitos da ciência médica, segundo leio, é o de que o cérebro dos adultos já não tem capacidade para crescer. O mito parece ter sido agora derrubado, depois de uma investigação sobre malabarismo de circo, realizada por uma universidade alemã.

O trabalho dos investigadores parece ter provado que o volume do cérebro aumenta, quer dizer cresce, quando se aprende a controlar os movimentos para fazer malabarismos. A aprendizagem de lançar três bolas ao ar e conseguir mantê-las aí aumenta o volume da matéria cinzenta do cérebro, o que vem provar que novos estímulos lhe alteram a estrutura.

Sendo W. Bush um homem dado a muitos e variados malabarismos acredita-se que possa vir a melhorar o seu comportamento e o seu desempenho desde que aprenda a controlar os movimentos para realizar esses malabarismos. O que leva a humanidade, lentamente, a voltar a acreditar que o seu caso clínico não é uma caso totalmente perdido. Sempre poderá haver a possibilidade de recuperação parcial.

A fama do macho português vem de longe

Como a fama do brandy Constantino e da vitela do Barroso. O Zézé Camarinha é apenas um exemplo, distribuído em folhetos de propaganda turística durante o Verão, para uso externo. Não olha a meios para atingir os fins e não se preocupa com pormenores insignificantes. Tudo isto, e muito mais, decorre de um estudo realizado pela Deco.

Antes do mais o português gosta de fazer sexo como os antigos trapezistas voavam na cúpula das tendas dos circos, isto é, sem rede. Por isso mesmo dispensa o preservativo, essencialmente porque é caro, ao contrário do totoloto. Mas quando têm disponibilidades não descuram a segurança e, para a aumentar, usam-nos aos pares porque dois sempre são mais seguros do que um.

Quase metade dos inquiridos acha que a sida se pode transmitir pela picada de insectos, embora às vezes não saiba se um pardal é um insecto ou um primata. Ou através das tampas das sanitas de casas de banho públicas onde, como se sabe, se encontram escritos todos os tipos inimagináveis de ordinarices. Algumas das quais se não transmitem por esta via, mas por outra qualquer. Talvez até mesmo por carta armadilhada, devidamente expedida por correio azul, com franquia paga e tudo.

O estudo foi realizado em Portugal, Espanha, Bélgica e Itália. Por uma vez, lideramos o grupo: somos os mais ignorantes. E não é por falta de prática e de elementos para estudo: o país é também o caso mais alarmante da União Europeia no que respeita a casos de sida. Mais de 22.000 estão recenseados e no conjunto as estimativas apontam para alguns 50.000. Não é também por falta de reformas do ensino: cada ministro tem feito a sua e alguns têm mesmo feito mais do que uma. Sem que alguma vez alguém tivesse percebido como as fizeram e para que serviram. Mas as reformas são a grande paixão de todos os ministros, especialmente quando são pagas pela Caixa Geral de Aposentações!

O surrealismo do país real e justo

A Dra Celeste Cardona é, no momento em que redigimos este apontamento, a ministra da justiça deste país de Pachecos: o Luís, o José e os outros. Personalidade destacada na hierarquia do partido do Dr Portas e do Estado. O que fez até agora como ministra, não sabemos. O que antes tinha feito como deputada, também não sabemos. Como todos os políticos de profissão, que nunca souberam fazer nada, pela-se por ser apanhada pelas Câmaras: ajeita o cabelo, aperta o casaco, esboça trejeitos de pose. Mesmo depois de completadas estas notas, vai continuar a ser ministra. Em Portugal está sempre tudo bem e essa é uma das particularidades que faz de nós todos indefectíveis portugueses. Tivesséssemos nascido espanhois ou lituanos, devidamente portadores de passaporte e tudo, até recenseados nos serviços consulares da embaixada, já teríamos requerido a nacionalidade portuguesa. Estaríamos à espera porque este é o país em que se espera sempre e em que se espera por tudo. E, como tu cantas Chico, quem espera nunca alcança!

Espera-se tudo e tanto que já ninguém reage quando o Estado se rouba a si próprio e vai a correr apresentar a participação ao seguro, a ver se arrecada a indemnização. Como um vigarista vulgar, sem o génio empreendedor do Sr Alves dos Reis. A quem todos os governos ainda devem a singela homenagem de uma placa toponímica, à esquina do edifífio do ministério das finanças. Durante o ano passado o ministério da justiça contratou a título precário algumas centenas de trabalhadores. Fê-lo ao abrigo das leis, portarias e demais regras que orientam o ministério do Dr Bagão Félix. Se a relação foi precária foi apenas porque é assim que melhor se acautelam os legítimos direitos dos trabalhadores e se lhes prepara o radioso futuro. Deles, dos filhos e muito provavelmente dos netos.

Soube-se agora que o ministério da justiça fez a todos esses trabalhadores, como a legislação em vigor obriga, os descontos devidos à segurança social. Depois, com a naturalidade do ministro David Justino e a boca desdentada à custa da mentira, esqueceu-se de fazer a respectiva entrega, à semelhança do que exige aos privados. Pergunta-se: mas não é tudo Estado, a justiça e o trabalho? Os descontos já estavam do lado de lá, não era? Era, se nos referíssemos às contribuições devidas pelas entidades patronais. Mas estão em causa também, e principalmente, os descontos feitos aos vencimentos dos trabalhadores. O ministério da justiça, como um tesoureiro sem face e sem nome, arrecadou os descontos e depois, ao fim do dia, perdeu-se - por esquecimento, naturalmente! - no regresso a casa e foi gastando por conta. Do Cais do Sodré às docas. A ministra vai repreendê-lo e dizer-lhe que teria sido melhor pedir um adiantamento por conta do ordenado. E vai solicitar ao seu colega do trabalho que agora autorize o pagamento em suaves prestações, sem pressas e sem juros. Pretensão que muito justamente será deferida, mesmo que venha a demorar algum tempo.

Ambos vão continuar a ser ministros, para desgraça do país e para enriquecimento dos currículos. O Zé vai continuar a limitar-se ao comentário inconsequente: coisa de políticos, são todos iguais!

Discretamente, sem mediatização excessiva

Fábio fez 13 anos na sexta-feira. Inês completaria 3 anos em Março. Filhos de uma família pobre de Adão-Lobo, Cadaval, os dois menores morreram no sábado, por intoxicação, quando tomavam banho em casa. As gentes do lugar estão de rastos. "Homens e mulheres, tudo chora".

Este é o sub-título do apontamento de Joaquim Eduardo Oliveira, publicado no jornal 24 Horas do dia 26 e intitulado: "Fuga de gás mata duas crianças em aldeia do Cadaval". Não houve directos nem câmaras à porta. Nenhum jornalista montou guarda, ao relento, durante a noite. Não me apercebi, até agora, da metralha das palavras e da iniquidade dos adjectivos. Segundo a notícia, uma professora primária percorreu no domingo todas as ruas do lugar, com um propósito de misericórdia: angariar fundos para o funeral de Fábio e de Inês.

Pessoalmente espero que esta devotada professora primária tenha atingido os seus objectivos. Não será certamente pela falta da mediatização que as crianças serão menos choradas e que o seu funeral terá menos dignidade. É preciso é saber destrinçar o trigo do joio e o essencial do acessório. O que, neste país, é quase sempre uma tarefa inatingível, muito mais complicada do que possa parecer.

É época de saldos: baixem os preços!

Não conheço pessoalmente ou de vista o Sr Vasco Pulido Valente. Pelo que ouço e pelo que de vez em quando leio, imagino-o uma pessoa irascível, perfeitamente intratável, indomável, que não seria nunca capaz de se sujeitar à ditadura de voto do PSD na questão do aborto. Por exemplo. E que até é capaz de julgar que engravidar é pura e simplesmente um disparate.

No resto, não sendo também um conhecedor profundo, admiro-lhe a escrita escorreita e breve, o poder de síntese, a subtileza da ironia, a atrocidade do sarcasmo e a frase curta. Quase sempre como um directo ao queixo. E os directos ao queixo, recorde-se, não têm muitas vezes qualquer razoabilidade. Tem andado arredio das colunas, creio que por doença. Tem feito falta, espero que esteja melhor, formulo votos de rápida recuperação. Faça qualquer coisa, mexa-se, entregue-se à escrita, recupere a coluna.

Registo todavia que, contrariando as ideias do Sr José de Mello, logo que anuncia o regresso proclama que "a dura verdade é que Espanha não nos quer anexar". Fico naturalmente deprimido. Eu, que não tendo no loteamento do país os mesmos interesses do Sr Mello, já me via com possibilidades financeiras para, uma vez por outra, ir a Chamartin para ver o Real de Madrid, deglutir umas tapas e aviar uns copos.

Mas se as coisas são como diz o Sr Valente deve, mais do que nunca, fazer-se aquilo que aqui eu já sugeria uns dias atrás. A época é de saldos, cortem mais nos preços, façam gratuitamente os arranjos às baínhas, não debitem encargos financeiros. Mas não aceitem devoluções!

26 de janeiro de 2004

Santana Lopes é pobre e mal agradecido

A campanha por LisboaSantana Lopes apareceu sábado passado em Famalicão, para jantar, envolto em bruma e nevoeiro. Como D. Sebastião que, mais uma vez, se atrasou e não o acompanhou. Sentiu-se bem - havia, segundo os jornais, muitas mulheres a olharem-no fascinadas - e deu-se ao cuidado, ao que parece, de percorrer todas as mesas. Acabou a elogiar o Dr Barroso e o professor Cavaco e a criticar o Dr Monteiro e o Dr Ferro.

Compreendem-se os elogios e as críticas, salvo no caso do Dr Ferro por ser grosseiramente injusta. De facto o Dr Ferro pretende, em 2006, disputar o lugar do Dr Barroso, não o seu. E tanto assim é que o partido que dirige, preocupado com a indecisão volátil do Dr Santana Lopes, decidiu por bem dar-lhe uma ajuda. Como por Lisboa já havia poucos paineis em que o mesmo fizesse auto-propaganda, resolveu espalhar mais alguns.

Num deles parece que se vê uma mulher cuja mala é roubada por esticão, que grita: "Socorro! Estou a ser assaltada!! Faça alguma coisa Dr Santana Lopes". E num outro aparece a imagem de uma fila de trânsito ao lado da qual uma criança chora e diz: "Pai, mãe, quando é que me vêm buscar? Ouviu Dr Santana Lopes?".

Para dois problemas distintos o Partido Socialista entende que apenas o Dr Santana Lopes é solução. Para o divulgar gasta uma fortuna em paineis que espalha pela cidade, depois de pagas as taxas devidas - pensa-se, claro! - à Câmara de que o Dr Santana é presidente. Põe os apelos lancinantes na boca de seres frágeis, como uma mulher indefesa a ser assaltada e uma criança que se angustia na espera dos pais que não chegam. Ambos chamam a atenção dele, como única tábua de salvação, a divina providência, a fada madrinha e é por ele que clamam. Nem sequer pela Senhora de Fátima, que mora mais longe!

E que fez ele? Em vez de se portar como um distinto cavalheiro, agradecer e convidar o Dr Ferro para almoçar no Tavares Rico, a expensas do erário municipal, que é trabalho político, dispara a apanhar a auto-estrada com destino a Famalicão. Na esperança tonta de ser recebido por moçoilas minhotas à antiga, vestindo trajes regionais e carregando quilogramas de ouro ao pescoço. Bem fica ciente de que o Dr Ferro não cai noutra igual, mesmo que a isso o aconselhem os seus idiotas assessores de comunicação. Os próximos paineis, se os houver, trarão o Dr Carrilho nos braços da D Bárbara, sorrindo felizes do Alto da Graça!

Sei o que penso, mas como não sou só eu…

Um dos meus própositos é rir-me deste indescritível país que temos. Para evitar chorar, porque acabaria a não fazer mais nada. O absurdo e a ironia são das mais violentas formas de crítica, é uma convicção minha. Desde que se consiga atingi-los - o que é extraordinariamente difícil! - e desde que se consiga que sejam entendidos. O que por vezes resulta tão difícil como chegar-lhes.

Nunca acreditei muito no homem dos sete instrumentos: acaba por não ser virtuoso em nenhum. O máximo que vi até hoje, e mal, foi um quase sem abrigo percorrer as ruas do Porto, à procura de alguns níqueis, desancando sem descanso um tambor com uns pratos em cima e soprando raivosamente as palhetas de uma harmónica de boca. Já há tempos que deixei de o ver mas nunca me chegaram rumores de que tenha sido contratado para a Praça da Alegria ou para o Coliseu.

Sobre as ideias que tenho, em especial em relação à vaidade impiedosa, à sobranceria, à omnipresença e à quase omnisciência, sinto-me mais confortado, como se afinal não estivesse assim tão a leste da verdade, quando deparo por aí com coisas destas. Alguma humildade nunca fez mal a ninguém. O que faz mal é a humidade estúpida destes dias de invernia que não cessam!

Entretanto encomendei a uma amiga de peito a tradução deste "post" para grego. Por puro narcisismo. Prometeu-me tê-la pronta dentro de dez anos. Prometi-lhe estar habilitado a lê-la dentro de vinte, para que não julgasse o trabalho inútil. Vamos ambos a tempo. Até porque já ambos, no dia a dia, nos vemos gregos com milhentas situações!

José Veiga mudou de profissão

José Veiga, conhecido empresário de futebol que representou alguns dos nomes mais sonantes da actividade, viu o seu próspero negócio iniciar o declínio. Acontece com tudo e com todos. Já mais raro é que empresários portugueses reajam assim, de imediato e sem tibiezas, aos destinos da sorte e dos seus desígnios.

Sem hesitar, José Veiga mudou de profissão e enveredou pela medicina. Alternativa, cremos nós, por causa dos estágios e dos tempos necessários para a especialidade. E de seguida declarou: "Mário Jardel não é um caso desportivo, é um caso clínico". Segundo parece Jardel não lhe terá seguido as pisadas: nem mudou de profissão, nem foi à consulta. E até tratou o novo clínico de charlatão para cima.

Que ao menos isto dê para parar e pensar

Fehér: a morte no palco, aos 24 anos.Ontem à noite, de forma trágica, um rapaz de 24 anos de idade que jogava futebol, envergando a camisola do Benfica, tombou em plena arena. Jogava como profissional e, se calhar também, como apaixonado pelo jogo da bola. A nossa convicção é a que terá morrido em curtos minutos, tendo sido infrutíferas todas as acções que tentaram reanimá-lo.

Um livro de Mário de Carvalho tem por título "Seria bom que trocássemos algumas ideias sobre o assunto". E seria! Perante uma situação consumada e irreversível seria bom que se parasse por cinco minutos, para readquirir a tranquilidade necessária. E depois disso se pensasse durante outros cinco. Para, clinicamente, determinar de que morreu Fehér. E depois para analisar, exaustivamente, que condições permitiram que isso tivesse acontecido em pleno palco.

Preocupa-nos que em 2002, ao serviço do Oliveira de Frades - segundo cremos! - um futebolista tivesse tombado também no decurso do jogo. E preocupa-nos ainda muito mais que hoje, passados dois anos, se continue por saber quais as causas da morte desse atleta. Não deixa também de, em relação ao caso de ontem, ser preocupante que alguma comunicação social, a começar pela estação de televisão que financeiramente todos suportamos, conservar jornalistas inultilmente às portas do hospital, a não ser por inqualificável vocação mórbida. E que se invoque uma grande pressão mediática, que obviamente não existe e que não é importante, para querer saber, ainda quase de madrugada, a hora de realização da autópsia, a composição de equipa médica, os procedimentos técnicos, as lesões eventualmente detectadas, e por aí fora. A pressão mediática a que impropriamente se alude é uma criação artificial de um hipotético jornalismo que, mais que artificial é falso.

Mesmo aqueles que vivem sem ética, sem deontologia e sem princípios porque ninguém lhos ensinou, deveriam ter, nestas alturas, alguém de elementar bom senso que lhes desse alguma sensata orientação. Que pudesse ter na vida outro objectivo que não apenas o de vender detergentes a qualquer preço. Por respeito por aquele rapaz húngaro, de 24 anos de idade, definitivamente caído numa fracção de segundo.

25 de janeiro de 2004

O Boavista elege novos corpos sociais

Dr João Loureiro derrota presidente anteriorOs jornais noticiaram que, em acto eleitoral realizado no sábado, que registou uma nunca vista afluência às urnas - nem mesmo o referendo sobre o aborto correu assim! - a lista única, encabeçada pelo Dr João Loureiro, foi eleita com cem por cento dos votos.

No seu discurso de vitória, proferido em pleno Bessa, claramente virado para o Castelo do Queijo, o presidente eleito anunciou cortar com o passado e representar o início de uma nova era no clube e na sociedade desportiva. Manifestou ainda o objectivo de resolver a difícil situação financeira, uma pesada herança da direcção cessante, e de levar por diante um conjunto de obras a que a mesma direcção nunca deu a merecida importância. Os novos dirigentes vão ainda reinvindicar junto dos poderes públicos, locais, nacionais e europeus, a correcção de injustiças relativas à construção do novo estádio. Pensam, todos eles, no final do mandato vir a ser agraciados, muito justamente, com a medalha de ouro de mérito desportivo, a ser entregue pelo presidente da república da altura, em sessão a realizar especialmente para o efeito.

Às comemorações da vitória associaram-se o Sr Manuel do Laço e o Dr Lello que efusivamente aplaudiram com palmas cada palavra, excepto quando foram feitas referências à direcção anterior, que vaiaram ruidosamente como se ocupassem as galerias de S. Bento.

O último segredo de Fátima

O Dr Manuel Monteiro, presidente do Partido da Nova Democracia por voto dos militantes e por vontade de Deus, foi o superiormente designado para ontem, na Cova da Iria, ter revelado o derradeiro segredo de Fátima que a vidente Lúcia tem conservado desde as aparições de 1917. Fê-lo, ao que foi divulgado, à sombra da centenária azinheira adjacente à capelinha das aparições, embora não houvesse sol e o tempo estivesse morrinhento e de nevoeiro.

Foi ele o escolhido para ser cabeça de lista às eleições que em Junho próximo se realizam para o parlamento europeu, contra todas as expectativas, incluindo a dele. Muito honrado com a escolha da tropa fandanga que o segue declarou ter os pés bem assentes na terra e que, para já, tinha dúvidas sobre a inclusão de elementos da sociedade civil nas listas do seu partido. A afirmação permitiu estreitar o conceito de sociedade civil, que continua em desenvolvimento, tendo agora sido excluídos os militantes de todos os partidos políticos. Determinados sectores de outras ruidosas tropas fandangas manifestam a convicção de que os Srs. Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira virão também pronunciar-se sobre o assunto nos próximos dias, excluindo da já residual sociedade civil os associados dos seus clubes, independentemente do tempo a que o sejam e da subscrição ou não de lugares cativos nos novos estádios.

Antes que fosse tarde o Dr Monteiro aproveitou também para declarar o seu apoio à candidatura do professor Cavaco à presidência da república, ainda mesmo que este decida não se candidatar. Do mesmo modo prometeu desde já uma revisão da constituição onde o presidente da república deixe de ser um verbo de encher e passe a acumular a chefia das forças armadas e do governo. Numa segunda fase poderá ainda vir a tutelar as presidências das câmaras e das juntas de freguesia, incluindo Felgueiras, via telemóvel.

A geração dos filhos dos nossos filhos há-de considerar, certeira e justificadamente, que fomos uma geração com sorte porque desde Aljubarrota que não tinha havido um Dr Monteiro assim, que se assemelhasse tanto ao Santo Condestável.

José de Mello sugere o loteamento do país

O Expresso, semanário com um elevado preço de referência, provocou ontem uma certa agitação que se prolongou pelo dia de hoje, especialmente nos adros das igrejas antes da missa das onze. Isto porque, em primeiro lugar, o Sr José António Saraiva veio declarar o país atordoado, perplexo e hesitante sobre o rumo a seguir. Concluindo que ser português é muito perigoso.

Acto simultâneo, e no mesmo semanário, o Sr José de Mello adiantou a solução para o problema, sugerindo que o país fosse dividido em três lotes, se aproveitasse a época dos saldos e se passasse a patacos enquanto é tempo e os castelhanos estão dispostos a dar alguma coisa por ele, mesmo que seja com pagamento diferido. Sem cobrar juros.

Entretanto, sendo domingo, depois da missa o país foi almoçar fora, passou a tarde a ouvir os relatos da bola, viu a prédica do professor Marcelo já noite caída e espera pelo desenvolvimento da situação amanhã, segunda-feira, dia útil, com a bolsa a funcionar e sem nenhuma greve da função pública em marcha.

Se tudo der certo a missa do próximo domingo pode já vir a ser dita em castelhano e o Sr José António Camacho poderá abandonar de vez as explicações de português em que quase não tem registado progressos. Crê-se que por falta de aplicação!

24 de janeiro de 2004

Os maus alunos com orelhas de burro

O esforço é inútil, é Santo António a pregar aos peixinhos!Gabo-lhe o gosto e reconheço-lhe o esforço, mas é inútil. Ficará o mestre escola para a história por se ter dedicado, gratuitamente e nos seus tempos livres, à tentativa vã de ensinar retardados alunos que abandonaram as carteiras antes de terminada a escolaridade obrigatória. Mas é a mesma coisa que Santo António ir para o Cais do Sodré pregar aos peixinhos, quando o Tejo tinha naquela zona mais que dejectos e preservativos usados flutuando a caminho do mar.

Depois, para mais sendo crianças problemáticas, não devem sentir-se discriminadas e por isso se mostram apreensivas. Deveriam ser também chamados para junto do quadro aqueles que ficaram nas carteiras, para que se não sintam menos que estes. E para que nós não corramos o risco imprevisível de se julgarem espertos. Se é por falta de orelhas que cheguem, trata-se do assunto já no princípio da semana. Vou a uma loja dos trezentos e compro uma dúzia delas que, com prazer e gratuitamente, enviarei pelo correio. Será o meu contributo para que o país se componha mais um pouco e comece a apresentar-se em público sem ser apenas usando uma minúscula tanga.

Novela Fátima Felgueiras, 384.º episódio: acabá-la !

Gestão da câmara à distância.O Tribunal Constitucional produziu um acordão em que declara ilegal a suspensão do mandato de presidente da câmara da santinha de Felgueiras, politicamente exilada há oito meses na cosmopolita praia do Leblon, depois de ter fugido do país via Madrid.

Prestimosa, a pública e falida televisão do Dr Sarmento, ainda não entregue à "sociedade civil", reservou tempo de satélite para poder ter a senhora à mesa da D. Judite Seara, por alturas do telejornal. As coisas não correram assim tão bem e praticamente não se passou da voz ao telemóvel. As poucas imagens que chegaram à Europa mostraram uma senhora descuidada, com os cabelos em desalinho, nitidamente apanhada pelo convite da televisão entre um mergulho e duas braçadas, quase a caminho da esplanada e da cerveja da tarde.

Quanto aos costumes disse tudo e mais. Que não sabe o que vai fazer porque para isso tem advogados e vai precisar de aconselhamento. Quanto aos ordenados em falta, juntamente com a sua merecida e magra pensão de reforma, que lha mendem já, e em euros porque o dólar está como se sabe. Entretanto, nada a impede de dirigir a câmara a partir do Rio de Janeiro, utilizando telefones, telemóveis e satélites sempre que isso for necessário. E socorrendo-se dos fiéis paus mandados que deixou em sua substituição. Sempre será mais agradável e cómodo do que dirigir a câmara a partir de Custoias ou de Vale de Judeus que não têm condições para que ali monte gabinete.

Sobre o caso, para que a D. Judite entendesse, repetiu-lhe ene vezes que os tribunais são para julgar maltrapilhos e pilha-galinhas. Não se compreende que se preocupem com uma pessoa trabalhadora e honrada como ela a não ser por intromissão do poder judicial no poder político. E a não ser também para acabá-la!

O auto do Pimenta e do Magalhães com 2 jogos do Euro para entreter

Guimarães: foi ali que começaram os fenómenos!Porque hoje é sábado. Um sábado de inverno, triste, nevoento, com a humidade densa a cair pelas paredes e a acariciar os troncos rugosos dos plátanos do largo. Gostaria de esperar tranquilamente que a noite chegasse e que houvesse um concerto. Que Toquinho entrasse no palco, se sentasse no banco descaído sobre a esquerda, afagasse as cordas tensas do seu violão e gemesse, ao acaso, alguns acordes sem pauta e sem destino. Que depois entrasse ele mesmo, Vinicius, com ar desajeitado e trôpego, já de copo na mão, a voz rouca e macia dos trópicos. A ternura da poesia fazendo a sala transbordar pelo tecto, a música fingida, nunca foi o seu destino. Os aplausos ecoando pelos cantos, agitando as cortinas, fazendo o ar quente subir até aos holofotes. Não pode ser assim!

Podia ao menos permanecer em casa, resguardar-me do sábado, ao menos deste sábado assim, de inverno. E ouvir sozinho, sem a presença de nenhum deles, que a saudade leva já mais de dez anos. Enquanto me perguntaria porque razão o tempo passa tão ligeiro e a saudade nos fica tão profunda, a desgastar-nos, quando as pessoas partem assim, sem aviso prévio, sem passagem marcada e sem bilhete de regresso. Mas não vale a pena, o fatalismo é não sermos exactamente nada disto, nem o contrário.

Mas não me deixa o país que abandone o corpo ao recosto no sofá e o sentimento livre como pardal matreiro a saltitar largo adiante, a esconder-se em qualquer arbusto que ameace rebentar em folhas. Não! O país é assim, como um "teenager" que perde as noites a fio, que nunca dorme, que nunca tem sono. Que não deixa ninguém descansado como se todo ele fosse Entroncamento, só feito de nabos de três quilos e cenouras de cinquenta centímetros. Entroncamento de uma ponta à outra, de Afonso Henriques ao Dr Jorge Sampaio, sem nenhum intervalo de sessenta anos a meio para que os Filipes fossem donos da península. E tudo começou por lá, por aquele Entroncamento que é Guimarães, de onde partiu D. Afonso Henriques a fugir à frente da mãe armada de uma vassoura, a querer partir-lha nos costados nobres e robustos.

A Câmara doou, o Pimenta comprou!Como nos ensinaram livros de história que o Dr. Salazar mandou escrever assim, heroico partiu, feito mata-mouros, a conquistar castelos e cidades, foi expandindo a fé e o império, a perder de vista. Tal fenómeno acho depois ter sido sempre repetido nas naus que partiram do Largo das Oliveiras, com Gonçalves Zarco à procura do reino credor do régulo Alberto João. E por aí fora, nenhumas naus partiram de Sagres, nem o Infante nasceu no Porto, tudo ficção científica da época, como a história mal contada de Pedro Álvares Cabral partir do largo fronteiro ao castelo, com destino à Índia.

Ainda agora, o auto do Pimenta, com Magalhães como protagonista e o estádio, caro de meter medo, para ver dois jogos do Euro 2004, com bilhetes a preços de candonga. Pode o Sr Cesariny viver muitos anos e descansar quando for tempo de o mudarem para o panteão, merecido descanso depois de ter sido preciso avisar toda a gente. Tem seguidores e de rima fácil, como se fossem Aleixos que o tempo há-de reconhecer e fazer editar em cartilha. O Magalhães, presidente da Câmara, afirma que só agora percebeu, à custa da ajuda de juristas e de comprimidos para a azia, que a câmara doou o estádio ao clube. Diz o Pimenta que não, que lho comprou por uma porcaria de mil contos, menos do que o clube do Miguel Sousa Tavares paga a um júnior a quem ainda fornece casa, cama e roupa lavada. E que nisso foi a câmara beneficiada, tratante a tirar proveito do negócio, poupando em dez anos mais de 400 mil contos em despesas de manutenção.

Isto é tudo surrealista de mais, eu sei, para mim e para vocês. A câmara doou, o Pimenta comprou e quem deu enriqueceu. Depois a câmara pagou obras no que deu, o Estado deu dinheiro sem saber a quem. A câmara mandou plantar, por obrigação, painéis gigantes em propriedade alheia porque assim lho exigiram. O caso vai acabar mal com o Pimenta a pedir a indemnização. Estou com a cabeça feita em água, nem tenho comprimidos para a enxaqueca nem juristas licenciados por Coimbra para o auxílio. Acho que nisto há coisas que não batem certo, por isso de início me deu para o sentimento, era tão bom ao menos ouvir Vinicius trazer-me o sonho de bandeja, proteger-me do frio, da humidade e do novoeiro. Porque hoje é sábado.

23 de janeiro de 2004

Sra. Eva: vida passada, rosto tranquilo

Senhora Eva, S. Tomé. Fotografia de Carlos Pinto Coelho
Sem comentários. Há imagens que valem mais que todas as palavras que se digam.

Alguém quer fazer o favor de me explicar?

Este "post" não é, naturalmente, um convite aos políticos. Os políticos não se convidam: fazem-se convidados. Sem darmos por ela, com pezinhos de lã, estão sentados a banquetear-se à mesa do orçamento. A comer do que é bom e a beber do que é melhor, à conta do Zé. E como é de borla vai sempre mais uma pratada, faz-se sempre o sacrifício de mais um copo. A bem do empanzinanço vai sempre mais um cozido à portuguesa, como lembrava José Rodrigues Miguéis.

Mas pode ser um convite à blogosfera. Para que alguém, mais informado do que eu, me explique porque razão, sistematicamente, os políticos optam por cargos que eles dizem precários e mal remunerados, em detrimento de carreiras estáveis, bem remuneradas e com direito a mordomias que passam à margem do fisco e dos impostos. Nunca percebi qual a razão que leva um católico a escolher ser ministro, ter um ordenado de mil contos mensais, dispor de três automóveis de topo de gama com motorista às ordens e receber despesas de representação de outros quinhentos contos. E depois, como tutela de uma qualquer empresa pública, nomear administradores que ganham o triplo, ficam com os automóveis ao fim de três anos e têm motoristas fardados que nem sequer são forçados a conduzir em transgressão, a mais de 120 quilómetros por hora nas auto-estradas. Por muito que me esforce, não o compreendo e dou por mim, sempre, a pensar que os políticos são simplesmente masoquistas. Muito mais do que patriotas, empenhados de alma e coração na defesa do interesse público, como mentirosos professores me ensinaram na escola.

Esta situação é especialmente evidente no caso dos autarcas, nomeadamente dos presidentes de câmara. Todos dizem não estar e nunca ter estado agarrados ao poder, mas são contra a limitação de mandatos. Eternizam-se nos cargos, como o Sr Narciso Miranda que, mais do que ninguém, nunca quis o poder e não está preso a ele. Mas que sempre teve o cuidado de deixar a cadeira da câmara ocupada interinamente, para poder regressar. Como já regressou quando achou que ser secretário de estado do mar era água a mais para a sua cisterna. Persistentemente afixam cartazes a enaltecer as obras sem dimensão e sem significado. Que, mesmo assim, na maioria dos casos, nem sequer promoveram. Como o Dr Santana, o Dr Soares filho, o Dr Gomes carago ou o engenheiro Nuno Cardoso.

O Porto, creio, nesta pouca vergonha leva incomensurável vantagem a Lisboa. Há dias o presidente da Câmara anterior, Nuno Cardoso, andou a passear-se pela cidade para que o fotografassem de frente e de perfil, para a ilustração da entrevista. A cidade, dizia ele, estava parada. O que é inquestionavelmente verdade. Já assim tinha sido com ele e, antes dele, com o Dr Gomes, carago. Antes do Dr Gomes, carago, também! E, para exemplificar, foi invocando exemplos que, se fosse homem de bom senso, teria feito por esquecer.

Casa da Música, PortoMaus exemplos, todos, que nem os enumero. Sobre os outros sim, já pergunto. Um túnel a construir há mais de dez anos, parado durante mais de cinco, com uma extensão de alguns mil metros, entre a Praça Filipa de Lencastre e o Largo do Carregal. As obras da Porto 2001, embargadas pela Câmara no Largo do Infante. As praças de Carlos Alberto de de D, João I, esventradas e deixadas a céu aberto durante meses. A Casa da Música, dita a obra de referência do Porto 2001, ainda não concluída em 2004. Onde os desvios financeiros - creio que em ambos os sentidos - elevaram os custos de 75 para 99 milhões de euros. Para que se perceba melhor, de 15 para 20 milhões de contos, mais um terço. O que corresponde a cerca de 70.000 salários mínimos! A própria Casa da Música pondera agora encomendar uma auditoria que investigue o aumento dos custos, no mandato da anterior equipa de gestão, é claro!

Eu acho que estas situações justificam algumas coisas ou até, provavelmente, muitas coisas. Creio que começo a perceber a apetência pelo desempenho de cargos políticos. A bem do interesse público. E a bem do interesse privado também!

Porque deixam esquecida Guilhermina Suggia?

Guilhermina Suggia: as ruínas da casa da Rua da AlegriaGuilhermina Suggia nasceu no Porto em 27 de Junho de 1885 onde também faleceu em 30 de Julho de 1950, pouco depois de completar 65 anos de idade. A cidade, com descuido e quase envergonhada, conserva-lhe o nome numa rua nova, a caminho das Antas, não muito longe da Rua da Alegria e da casa onde ancorou e morreu.

Considerada uma menina prodígio, começou a estudar violoncelo com cinco anos e completou os seus estudos no Conservatório de Leipzig com dezoito, beneficiando da ajuda da rainha D. Amélia. A sua primeira aparição pública verificou-se quando tinha sete anos de idade, em Matosinhos e a última em Aveiro, em 31 de Maio de 1950, dois meses antes da morte.

Conheceu o sucesso nos mais diversos palcos, trabalhando um instrumento que, até aí, pura e simplesmente se não considerava aconselhável a mulheres. Em 1924, com a intenção de ajudar os pais e de passar a dispor de residência longe de Londres, adquiriu casa no Porto. Aqui veio a casar-se, tardiamente, depois de completados 42 anos de idade. Em 1923 foi agraciada pelo governo português com a Ordem de Santiago de Espada e em 1938 distinguida com a Medalha de Ouro da cidade do Porto.

Do seu casamento tardio, com o radiologista José Casimiro Mena, não houve filhos. Mais de cinquenta anos passados sobre a data da sua morte o seu nome é respeitado como instrumentista de excepção pelos cantos da Europa, agora quase de todo liberta de fronteiras. Quanto à casa que foi a sua, aquela onde expirou, na Rua da Alegria, está no estado que, embora mal, a imagem evidencia. Porquê e por culpa de quem?

Pormenores de linguagem

O peso das palavrasNa introdução aos noticiários da manhã tem a TSF, referindo-se à greve da função pública e invocando não sabemos nem quem nem o quê, persistido em divulgar a "expectativa de um grande sucesso". No corpo da notícia é possível ouvirem-se declarações do Sr Carvalho da Silva, conhecido dirigente sindical, sem que nenhuma delas se refira a nada que se pareça com qualquer alusão ao sucesso. Não nos apercebemos que de mais declarações tivessem sido difundidas, fossem de quem fossem.

As palavras, para além de escritas com ortografia correcta, com acentos graves e circunflexos nos sítios devidos, têm um sentido e um significado. Têm peso e medida. Da ortografia não é possível, regra geral, avaliar quando se ouvem os noticiários radiofónicos. Mas sobre o sentido e o peso das palavras já é possível fazer uma ideia.

Apenas por isso nos ocorreu deixar aqui pendurada a inquietação. Porque a escrita é um trabalho de rigor, como a relojoaria. Uma palavra mal escolhida deturpa o pensamento mais lógico e mais elevado. Como um parafuso demasiado comprido que atravessa de lado a lado a caixa de ouro do relógio. E perguntamos apenas se alguma greve, seja onde for e feita por quem for, pode representar algum sucesso para alguém?

Neste caso concreto, a ser um sucesso dos grevistas estes, está claro, teriam conseguido que a ministra das finanças desse o dito por não dito e concordado em aumentar os salários da função pública na ordem dos cinco por cento. Um sucesso do governo seria ter conseguido aquilo que pretende, ou seja, ter reduzido 200.000 elementos ao efectivo dos funcionários. Algum destes objectivos foi ou será conseguido?

22 de janeiro de 2004

A Madeira mandou cá o cobrador do fraque

O cobrador do fraque da MadeiraPensávamos que apenas a vocação colonialista, que o Dr Portas quer ver consagrada na constituição, nos prendia à Madeira e demais colónias, como as Selvagens e a ilha do Pessegueiro. Entendendo-se, naturalmente, por vocação a despudorada infâmia de lhes subtrair recursos e de os utilizar em proveito próprio. Não comprendíamos até que algumas pessoas, certamente descendentes directos de Miguel de Vasconcelos, pudessem perguntar o que fazia Portugal prolongar a sua presença na Madeira, se até as bananas que de lá nos mandam são pequenas e de qualidade discutível. Ouvi algumas vezes vozes, seguramente menos patrióticas, afiançarem que isso se devia ao medo que o Terreiro do Paço - pelos vistos em vias de mudança definitiva por causa do fantasma do Marquês! - tinha do mais velho Alberto João e do seu distinto discípulo Jaime Ramos.

Tudo porque, diziam, a potência colonizadora se não farta de enviar dinheiro para a Madeira e porque esta ainda se farta menos de o esbanjar em foguetórios de ano novo. Ao menos, antigamente, a metrópole - segundo nos disseram - ia mandando desembargadores que sempre contribuíam para manter o gentio na ordem. Também custava dinheiro, mas sempre era menos. Agora não! O país, ao fim de novecentos anos de conturbada vida, está senil de todo. À força do progresso da química e do enriquecimento da americana Pfizer, mesmo velho, já não fica à espera de qualquer jovem de peito agressivo e tornozelo ao léu, até à coxa roliça. Não! Perde-se à vista de qualquer puta velha e sabida, de cabelo ralo, verrugas no nariz e adiposas mamas a chegarem ao presumível sítio do umbigo. Encomenda champanhe, genuíno, da Bairrada, à garrafa, para mexer com uma palhinha e disfarçadamente entornar debaixo da mesa. Até ao coma alcoólico!

Pelo amor tardio, espaçado e não correspondido, acaba por dar mundos e prometer fundos. As promessas, sabemo-lo há quase trinta anos, são a arma política que mais facilmente submete os portugueses. Não que os trespasse, de lado a lado, mas chega-lhes ao sentimento e, até à lágrima ao canto do olho, são menos que três tempos. Ao menos o Dr Salazar não prometia nada a ninguém. Por isso morreu velho, solteiro e virgem. E tarde! Agora não! O país é um mãos largas, esbanjador, como se nada lhe custasse a ganhar, o que até é inteiramente verdade. E promete, promete, promete!

Poucas vezes cumpre. Por ter mudado de ideias e arranjado namorada nova? Nada disso! Apenas porque vive à sua imagem, acima das suas possibilidades, imitando os outros e fingindo que está rico à custa da herança do tio do Brasil. Algumas promessas de casamento acabam em tribunal e ali se mantêm, em segredo de justiça. Sem publicidade e sem sentença. Quando esta tarda muito, o que, para variar, é quase sempre, o credor faz ele próprio as suas diligências, com ameaças veladas e o punho cerrado, preparado para o soco. Como agora que, da Madeira, mandou o cobrador do fraque.

Reuniu com o conselho quase todo, incluindo o ministro da porrada, disfarçado por detrás de uma barbicha de três semanas, de quem nem sequer teve medo. Esmerou-se nas maneiras e as palavras denunciavam a leitura recente da D. Paula Bobone. Teve o cuidado de dizer que, desta vez, não vinha pedir nada, isso já o fizera da vez anterior. Agora vinha só pelo pagamento, porque se atrasavam. O Estado devia à Madeira e era bom que pagasse, depressa e com juros. O Estado prometeu que sim, e acredito que com medo do Sr Jaime Ramos!

Abílio Curto… ou Comprido?

Para esperar pela cerveja da tardeAinda há dias foi formal e solenemente aberto o ano judicial. Como se se tratasse da abertura da época de caça, não fossem os altos responsáveis do sistema apresentarem-se ataviados como se cada um deles fosse o escanção de serviço ao beberete final. Todos produziram discurso e empertigaram o peito para as câmaras de televisão. O bastonário da Ordem dos Advogados disse que era preciso reformar e, por causa das dúvidas, desenvolveu conceitos breves e sintéticos. Não fosse aquela gente toda sair dali a pensar que reforma era a do Dr David Justino, não no papel de ministro mas de vereador da Câmara de Oeiras.

Reafirmou-se, solenemente e em posição de sentido, que a justiça funcionava. Coisa de que nunca ninguém duvidou e de que sempre toda a gente teve a certeza. Às vezes um pouco devagar por ficar à espera de fundos, e por isso mesmo também o bastonário reclamou mais dinheiro para ela. É que, na perspectiva dos arguidos, quanto mais dinheiro houver melhor ela funciona. Arrastando-se! Enquanto aos advogados for sobrando papel e ideias para mais um recurso, dois requerimentos e três bilhetes da Carris para juntar aos processos.

Ainda agora! Tanto tempo se passou já que Abílio Curto, ex-presidente socialista da Câmara da Guarda, passou a dar pelo nome de Abílio Comprido. Mas não cumprido, não haja equívocos! Vão completar-se seis anos que foi condenado a seis anos de prisão por crime de corrupção passiva. A que o povo, abreviada e ignorantemente, chama roubo e, ao que o pratica, simplesmente ladrão. Ele e o processo são o exemplo acabado de que a justiça funciona. Havendo dinheiro, foi havendo recursos. Passados seis anos um jornal titula em letras grandes: Abílio Curto - o bilhete de identidade mantém-se por actualizar! - na iminência de ser preso. Avisando-o, para que, via Madrid, parta ao encontro de Fátima Felgueiras, se esse for o seu desejo. Em Copacabana poderão partilhar o mesmo guarda-sol, contendo as despesas de exilados, guardando para o tira-gosto e a cerveja da tarde. Estúpidamente gelada, como aconselha Chico Buarque, que sabe da poda!

A nova democracia não reciclou o Dr Monteiro

A vontade incontrolável do Dr Monteiro fazer greve!O Dr Monteiro, presidente da direcção, da assembleia geral, do conselho fiscal e ainda treinador de campo do debutante partido político Nova Democracia confessou que, apesar de nunca ter feito uma greve na vida, mantinha a incontrolável vontade de aderir à paralisação dos funcionários públicos, justificando-a com o assalto à mão armada à classe média. Não sabemos se a greve se a atitude magnânina da ministra das finanças.

Duas conclusões, de imediato. Fica a saber-se, graças ao Dr Monteiro e ao partido de que é proprietário, que em Portugal pertence à classe média quem na função pública tem de ordenado mais de mil euros ou duzentos contos mensais. E ainda que essa condição é extremamente perigosa porque, desde que conhecida, pode estar na origem de assaltos à mão armada, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer local em que haja semáforos, do Intendente ao Saldanha.

A segunda é que o Dr Monteiro abandonou a incontrolável vontade que o motivava pela simples razão do seu partido não ter tido o cuidado de o inscrever atempadamente numa acção de formação em que, previamente, pudesse ter sido reciclado sobre o matéria. Numa escola profissional que funcionasse com a ajuda de fundos comunitários e onde fossem monitores os Srs Carvalho de Silva e João Proença.

O presidente do Benfica não levou o viagra

O presidente não foi apetrechado!A questão foi rigorosamente mantida em segredo. Tanto que ninguém sabia de nada, nem o próprio. Mas, à boa maneira portuguesa, os boatos espalharam-se pelos quatro cantos do país. De Miranda do Douro à ponta de Sagres. Toda a gente falou no interesse do Benfica pelo brasileiro Ricardinho que, para se furtar ao frio do Rio de Janeiro, viajou para Lisboa, acompanhado do seu empresário. A banhos! Em Sintra o assunto chegou mesmo aos ouvidos do Dr Seara, ocupado com a gestão da Câmara e o alargamento do IC19. Disse-lho a mulher, que ouvira o diz-se que diz-se nos corredores da televisão, num intervalo da Grande Entrevista.

Nas "roulottes" os vendedores de bifanas e de farturas agitaram-se. Chamaram as mulheres e mobilizaram os filhos para os ajudarem. Entre si comentaram que, afinal, o primeiro ministro tinha razão. A retoma económica aí estava, a dar razão ao governo, ao Dr Vitor Constâncio e, ainda mais importante, ao jornalista independente, Sr Luís Delgado. O Dr Vilarinho reclamou para si parte do mérito, fora a sua presidência a deixar os alicerces preparados. O Sr Camacho antecipou o regresso do fim de semana e pensou que, afinal, sempre lhe davam alguma coisa. Suspirou de alívio: três, em casa, do Sporting, nunca mais. Mentalmente esboçou uma prece: queira Deus o homem traga os músculos em condições. Que não venham já como bife batido, iguais aos dos outros.

Circunspecto, bigode revolto e vestindo à construtor civil, o presidente saiu do hotel onde, por mero acaso e à falta de vaga, se hospedavam o Ricardinho e o empresário. Foi assaltada pelo jornalistas, de espera montada à porta, como numa batida ao javali. Mas sem cães! Quiseram saber do negócio e a curiosidade incomodou o homem, com o Mercedes à espera, no parque privativo. Nem sabia quem era o tal de Ricardinho, muito menos o empresário. Se estavam no hotel, não sabia. Passara por lá sem programa, a beber um aperitivo para o almoço e a verter águas. Simplesmente! Que vissem bem, que mesmo ele nem lá entrara e quem saía nem sequer era ele também. Estava muito contente com o plantel que tem. E com o treinador e todos os sócios, incluindo o Dr Seara. Tudo corria pelo melhor, só taças dos campeões alinhavam-se duas, em lugar de honra, na sala de troféus. Claro que eram também mérito seu, até já era nascido e baptizado. Ainda não estava era rico e não tinha sido eleito presidente. O sorteio para a taça correra bem, nem lhes saíra o Gondomar.

Mais tarde o empresário foi também apertado pelos jornalistas, respondeu a perguntas. Parco de palavras e curto de gestos, aligeirando o sotaque. Confirmou o namoro, embora a custo. Lá acabou a confessar que não tinham passado dos preliminares. O presidente não levara o viagra no bolso. Não dera para mais!

21 de janeiro de 2004

Wanda Stuart, actriz e cantora, quem é?

A pergunta do título tem uma justificação. A pequena afirmou: peço desculpa aos políticos, mas adorava que Pedro Santana Lopes acumulasse funções como presidente da Câmara e ministro da Cultura. Gosta dos artistas e sabe das nosas necessidades.

Começando pelo princípio. Como actriz nunca ouvi falar dela porque não vejo as telenovelas do marido da Manuela Moura Guedes. Como cantora também não, mesmo que já tenha sido forçado a ouvir falar da Ágata, Romana e Mónica Sintra. Pode ter estado em alguma das edições do Big Brother mas, infelizmente, nem o regulamento do concurso conheço. Não era obrigatório nos meus tempos do décimo ano e a lacuna vem-me dessa época. Terá andado por alguma das edições do Chuva de Estrelas? Também não sei e não tenho à mão a Catarina Furtado para lho perguntar. Fico a leste, perfeitamente perdido, como qualquer mediano concorrente do Quem quer ser milionário quando lhe perguntam que rio passa pelo Porto. E ele, rapidamente, responde o rio Sado.

Quanto a essa de gostar que o Pedrinho acumulasse, também ele gostava, mesmo que já acumule uma série de coisas. Mas é uma questão de vocação e a dele é de facto acumular. Biscates! Se ele gosta ou não dos artistas, não sei. Das artistas, mesmo que não sejam cantoras, não me ficam dúvidas. E não lhe fica mal o gosto. Saber das vossas necessidades, não estou tão certo. Pelo menos dos artistas em sentido lato. Sabe muito mais das necessidades dos inveterados da batota. E das ganâncias do chino Stanley Ho, por causa do casino em Lisboa. Que servirá de casa de acolhimento à maioria dos sem abrigo da capital. E vá lá que a pequena, seja ela quem for, se conteve e parou a tempo com as acumulações. Porque ele já tenta acumular mais coisas e vai levando a umas festas pessoas que o tomam a sério. Algumas delas que, tragicamente, até são sérias. Não é verdade senhora D. Agustina?

O aumento dos transportes não tem nada a ver com a inflacção

O aumento dos transportes e a inflacçãoDou graças a Deus por sempre ter conseguido conservar o pouco bom senso que tenho e nunca me ter sindicalizado. Se o tivesse alguma vez feito, hoje teria sido o dia de rasgar o cartão e gritar os mais ordinários impropérios contra os Srs João Proença e Carvalho da Silva.
Nunca admitiria ter dois gajos a tempo inteiro ao serviço dos trabalhadores e depois, nessa condição, saber-me grosseiramente enganado como se fosse um corno.

Hoje foram noticiados aumentos dos transportes de cerca de quatro por cento, o dobro da taxa de inflacção programada para o ano em curso. Meio mundo desatou aos gritos face à constatação e o ministro Carmona foi metendo os pés pelas mãos e tentando justificar aquilo que não tem justificação.

À tarde, com o discurso fluido e rico que se lhe conhece, a ministra das finanças veio explicar tudo: o aumento dos transportes não tem nada a ver com a inflacção. Ponto final. Se há pessoas de quem eu não duvido, nunca, é dos ministros. Dos secretários de estado já às vezes duvido alguma coisa. Aqui, não duvidando da senhora, descobri-me enganado. Pelos sindicatos, pelos seus dirigentes e por toda a gente de um modo geral.

Se o aumento dos transportes não tem nada a ver com a inflacção é natural também que não tenha nada a ver com os trabalhadores. Se calhar até nem tem mesmo nada a ver com o país nem com a União Europeia. É uma questão de aguardar pelo regresso da Dra Manuela da sua próxima ida a Bruxelas. As centrais sindicais ainda vão ter que se retractar e ir, de corda ao pescoço, apresentar desculpas à ministra.

É preciso mudar mentalidades e promover o trabalho parcial

Dr Bagão: o alargamento da licença de partoO Dr Bagão é claramente um homem de convicções. Erradas, mas convicções. Não fossem elas erradas e, perdoem-nos os seus apóstolos, já ele teria deixado de frequentar o estádio da Luz, pagar as quotas e manter-se como sócio de pleno direito. Só alguém erradamente convicto continuará esperançado, ao fim de oito anos, que aquela equipa possa ganhar o campeonato, a taça de Portugal e a taça UEFA. Só alguém assim, elegendo presidentes à imagem do plantel, pode acreditar que o único reforço de que a equipa necessita seja, talvez, o Sr Camacho a jogar a defesa esquerdo. Para subir pelo seu corredor, até à linha de fundo e centrar para a área como muito gosta de dizer o Gabriel Alves, o José Hermano Saraiva do futebol.

Há dias manifestou o Dr Bagão, a par de uma inimaginável surpresa, uma outra convicção. Admirou-se que as mulheres pudessem continuar a ser discriminadas no trabalho por virtude do seu eventual estado de gravidez e da posterior licença de parto. Admite-se-lhe a surpresa! Quem não sabe como vai o Benfica, mesmo quando religiosamente marca presença nas assembleias gerais, pode até admirar-se pelo facto das mulheres que trabalham também engravidarem. Mas, mesmo com dificuldades e com muita falta de tempo, lá vão levando a curz ao calvário e, uma vez por outra, também engravidam. Conhecedor da situação, prometeu envidar esforços no sentido de a alterar e está no mercado. À procura de assessores, como o ministro da defesa.

Para já lançou o alargamento da licença de parto, alargando-o por mais duas semanas. Não está de acordo com isso o Sr. Van Zeller que é quem, apesar do apelido pouco português, sabe de mulheres grávidas, licenças de parto e indústria portuguesa. Reconhece que as mulheres são de facto discriminadas no trabalho onde são preteridas aos homens. Que, para já, ainda não engravidam, mesmo que já se possam casar por aí fora. Mas entende que o alargamento da licença de parto não resolve coisa nenhuma e, se não resolve, não deve ser levado por diante. Devem é mudar-se as mentalidades e promover o trabalho a tempo parcial, diz ele.

Mas as mentalidades já o Dr Bagão mudou, mesmo que tenha sido à força de decreto. Mais que o trabalho parcial, está promovido o desemprego, E, como se sabe, essa promoção vão continuar, sendo certo que o exercício dessa situação de há muito está sujeito às regras do tempo parcial e da precaridade.

20 de janeiro de 2004

A histórica normalidade do país virtuoso e do IP-3

A heroica epopeia do IP-3Uma das virtudes dos regimes democráticos, escreve muitas vezes o Sr José Manuel Fernandes, que já podia ter mandado cópias traduzidas ao governador geral das terras do tio Sam, é o pluralismo. O pluralismo assegura, à partida, que a nossa opinião pode ser emitida, será ouvida e, se nos deixarem, será a única. Como não deixam, acontece exactamente o inverso, ou quase. Podemos emitir a nossa opinião desde que ninguém a ouça ou veja ou a difunda.

Isto para dizer que, para garantir o pluralismo em termos de informação que eu próprio recolho, leio de tudo. Olho para os títulos de todos os jornais nos expositores dos quiosques e, uma vez por outra, compro um ou outro que nem sequer sei folhear. Apenas para me assegurar que o país funciona, que o segredo de justiça está garantido e que o Dr Alberto João prossegue na sua luta titânica pela independência das ilhas.

Um desses jornais tem hoje um título de primeira página perfeitamente tranquilizador: Abuso nas contas do IP3. No texto, nas páginas interiores, diz-se que foram construídos, no tempo perfeitamente recorde de vinte anos, nada menos que 158 quilómetros ao preço unitário, absolutamente de saldo, de 700 mil contos. A evolução da obra tem corrido tão bem que já só falta construir 116 quilómetros que, a manter-se o ritmo da construção dos anteriores, deverão estar prontos ainda antes do ano de 2020. A construção concluída revelou-se um sucesso em todos os aspectos e em todos os vinte anos já decorridos, gerando o consenso político tão raro na nossa sociedade. Nenhum governo até agora, e foram vários, classificou a obra como sendo uma inqualificável herança do passado e dos governos anteriores. Paralelamente todos eles, desde o professor Cavaco, tiveram a oportunidade de visitar as obras com um capacete amarela enfiado na cabeça e de inaugurar vários bocados mais do que uma vez, com o trânsito cortado e sem necessidade de batedores da polícia a enxutar os mirones.

Como se este quinhão de sucesso ainda não bastasse aquele itinerário principal - foi assim que o baptizaram - confirmou-se, sem nenhum acréscimo de custos, como o mais mortífero do país. O próprio Tribunal de Contas se interessou pelo projecto e emitiu relatório, como é de uso. Nada de especialmente anormal conseguiu apurar e, nada mais do que isso, pôde relatar. A avaliar pelos extractos que seguem:

- Foi frequente a aceitação e aprovação retroactiva de prorrogações de prazo de execução da obra já após a sua conclusão e recepção, fundamentadas em atraso na aprovação de projectos de desvios provisórios, em alterações ao projecto por acréscimo de nós, na indisponibilidade de terrenos, em intempéries e outros.

- O estudo, a proposta, a autorização, a formalização da adjudicação (quase sempre por ajuste directo) e a contratação foram produzidos com efeitos retroactivos, meses depois dos factos consumados.

- Há evidências de não apuramento de responsabilidades, execução de direitos de indemnização ou compensação, cobrança de juros de mora, de multas, negociação financeira de contratos e outros.

- Nas avaliações dos terrenos expropriados, para a planta parcelar da Variante de Castro Daire - Lanço Moura Mora-Arcas os valores de avaliação subiram 30 por cento em 1997 e mais 15 por cento em 1998.

- Apesar de terem apresentado projectos deficientes, a Junta Autónoma de Estradas voltou a adjudicar aos seus autores estudos e projectos complementares, apenas justificados pelas deficiências dos originais.

Tudo está bem, quando acaba bem. Se a providência a isso ajudar, daqui a 20 anos, estarão terminados os quilómetros que ainda faltam, sem que tenha havido lugar a reparos. Pode este governo e, pelo menos, os dois ou três que se lhe vão seguir, governar descansados. Pode o país dormir tranquilo, ver os jogos do Euro na televisão, acompanhar a campanha de qualificação para o mundial, ver a Catarina Furtado ir envelhecendo e levar os netos ao estúdio, o Marco Paulo continuar a ganhar discos de platina. E o primeiro ministro da altura ir a Luanda, ao baptizado da neta do devoto José Eduardo dos Santos, na sua caminhada irreversível para a beatificação. Como os pastorinhos da Cova da Iria!