30 de abril de 2004

A rábula mensal na Assembleia da República

Mensalmente o primeiro ministro vai em peregrinação a S. Bento para subir à tribuna a pretexto de prestar contas ao país. Esta é a versão oficial que os jornais divulgam em anúncios pagos, de página inteira e as rádios comoventemente põem no ar pela boca de milionários assessores de comunicação. O que de facto se passa na Assembleia, todos os meses, é a representação de uma rábula medíocre, interpretada por trapaceiros em vez de actores. Por isso mesmo o espectáculo não chega a sê-lo e não tem público. Fosse o Sr Raul Solnado, como actor dedicado e honesto, a interpretar a sua guerra de 14-18 e a sala estaria cheia durante meses a fio, com a assistência a aplaudir de pé no fim de cada espectáculo.

O governo emana de uma maioria que resulta de uma coligação de dois partidos. Um deles já caladamente se conforma com a ocupação de alguns ministérios e, como a toupeira, procura a luz do sol no apertado espaço subterrâneo das galerias que vai escavando. Os partidos que apoiam o governo desdobram-se no cumprimento e na bajulice, enquanto os seus deputados produzem imprevistos, sem nenhuma ideia e em mau português, que apressadamente prepararam dez minutos antes, em cima do joelho, no corredor onde perdem os passos e todas as mais sensatas ideias.

O governo agradece, acha essas intervenções patrioticamente úteis, faz vénias da tribuna, manda anotar o nome do Sr Guilherme Silva para que não seja esquecido no próximo acto eleitoral. Cumprindo a escala que é preparada nos bastidores, como se escalam os sargentos de dia nos estabelecimentos militares, uma vez por outra um sonolento deputado sentado na última fila solta um sonoro "muito bem!" e volta a sentar-se, retomando a leitura do jornal que gratuitamente o editor lhe mandou ou recomeçar a sesta bruscamente interrompida por deveres de ofício. Que é como quem diz, da escala de serviço.

A oposição é apenas e só acusada de ser responsável por todos os malefícios que apoquentam o país e que são a herança que deixou. Tudo é culpa do passado, a título fatalista, como no fado distorcido que ainda passa na Adega Machado, à atenção dos incautos bolsos dos turistas, a sacar-lhes as notas de dólar que, felizmente, não exibem a carantonha do exterminador Mr Bush. Para variar, cada nova intervenção é mais do mesmo, não muda nem a ementa nem tão pouco as moscas. Os deputados exaltam-se, gritam, lançam perdigotos pela boca que atingem quem estiver mais distraído. Atrapalham-se no discurso, encolerizam-se, espumam de raiva e fervem de fogão desligado.

O primeiro ministro fala do mercado que se enquadra no tema do debate do mês: a adesão de dez novos países à União Europeia. Fala como se fosse o professor Marcelo a dar uma aula a alunos do ensino secundário sobre o 25 de Abril. Mas, pelas palavras, não é do mercado do Bolhão que fala. Muito menos é no mercado do Bolhão que sobe à tribuna. Mesma que a fúria do discurso possa iludir os mais distraídos. Depois da farsa, toda a gente destroça, sorrateiramente, pelas portas laterais. Não vá o país estar à espera à porta principal.

29 de abril de 2004

A retoma feita às avessas

O ministro Bagão Félix, depois de recuperado das dores de garganta que o impediram que estar presente, como tanto desejava, na cerimónia de entrega de condecorações um destes dias, afirmou ontem que a Segurança Social, entre creches, lares de idosos e actividades de tempos livres, encerrou 364 estabelecimentos nos últimos dois anos. O que representa uma média de 1 estabelecimento de dois em dois dias, a somar aos 200 postos de trabalho que vem extinguindo diariamente.

Mas o que é interessante é o grotesto da situação, o absurdo convicto do humor do ministro e do governo. O país anda às avessas, toda a gente sabe menos, naturalmente, o país. Antigamente celebrava-se quando se abria qualquer coisa, era notícia o número de creches, de lares de idosos ou de ATL abertos. Qualquer marçano de 14 anos descia de Trás-os-Montes à cidade do Porto, trabalhava de sol a sol como um mouro, levava porrada, não tinha férias nem folgas, ia aprendendo o ofício. Amealhava meia dúzia de tostões. Arranjava um pardieiro qualquer, com porta para a rua, e abria a sua tasca. Redobrava o esforço, esmerava-se no arranjo da loja, cumpria com as obrigações, realizava-se, mandava os filhos à escola e construía uma casita algures. Triunfava, numa palavra. O jornal da terra noticiava as visitas que fazia, os donativos que deixava. Tratava-o por próspero comerciante da praça do Porto. Encontrava os amigos com quem conversava e aos quais dizia, com orgulho, que estava estabelecido no Porto.

As coisas mudaram e, pelas sucessivas visões do governo, é isso que pelos vistos dá corpo à retoma, repetitivamente anunciada mas nunca vista. A crise, para já, é os bancos terem registado no primeiro trimestre do ano lucros que, quando comparados com o ano anterior, apenas subiram míseros 15 por cento. É o grupo PT, em que cada empresa consegue prestar serviços sempre piores do que a parceira, ter ganho nos primeiros três meses do ano apenas cerca de 160 milhões de euros. Qualquer coisa como 32 milhões de contos, para os mais saudosistas. Ao invés, o sucesso é conseguir extinguir 200 postos de trabalho por dia e ter o onjectivo de atingir os 400 até ao final do ano. O sucesso é fechar lojas e escritórios pelo país abaixo, promover falências e subsidiar as associações de patrões. Estes começam a acrescentar ao currículo que são empresários e gestores de empresas que faliram, cujos trabalhadores ficaram sem sustento mas a quem, todavia, a vida corre de feição. Habitam moradia nova, com piscina no relvado do quintal, e deslocam-se em automóvel novo de topo de gama.

Sucesso á encerrar creches, não é abri-las. Sucesso é diminuir o número de lares para idosos, não é aumentá-lo, mesmo que isso seja cada vez mais uma necessidade dramática. Retoma é acabar com os ATL a pretexto do aumento da produtividade que tanto preocupa o engenheiro Ludgero Marques. O Dr Bagão Félix há-de falar de si e do seu currículo quando deixar de ser ministro. Há-de dizer que é do Benfica, como toda a gente sabe, - o que é defeito que se lhe perdoa -, e que em vinte anos não ganhou campeonatos, nem taças, nem supertaças, nem troféus de golfe porque o atleta principal virou político e seguiu para eurodeputado. Há-de acrescentar que foi ministro quatro anos, por exemplo, e que fechou 1235 creches, 1743 lares de idosos e acabou com a raça a umas coisas esquisitas que davam pelo nome de ATL. Promoveu o desemprego, fomentou a doença, contribuiu decisivamente para o crescimento da pobreza absoluta, foi um reformador. E salientar que foi decisivo na superação da crise e no lançamento da retoma. Ora toma!

Fátima Felgueiras: a pouca vergonha dela e da RTP

Desapaixonadamente mas com incomensurável indignação. Num país onde se conhecesse o mais elementar princípio de ética, onde fosse observado o mais remoto e grosseiro sentido deontológico, onde se respeitasse o mais relaxado profissionalismo que se possa imaginar, onde a palavra decoro ainda figurasse no mais básico dos dicionários escolares, não seríamos sujeitos, à custa do dinheiro de impostos que nos obrigam a pagar para o esbanjamento, à pouca vergonha a que a televisão pública acaba de nos sujeitar com mais um episódio grotesto do caso Felgueiras mulher, Felgueiras cidade.

Hoje, finalmente, foi deduzida acusação contra Fátima Felgueiras, presidente da Câmara do Concelho com o mesmo nome, foragida no Brasil desde a data em que o Tribunal da Relação de Guimarães se pronunciou pela prisão preventiva e ela, oportunamente avisada da decisão, se meteu no carro e rumou a Madrid à procura de avião que a levasse até ao Rio de Janeiro. São conhecidos depois os episódios grotestos com que nos foram contemplando, como se fossemos atrasados mentais.

Entendeu a RTP-1, certamente por decisão do Sr José Rodrigues dos Santos que para além de um dos apresentadores do telejornal é também director de informação, que a acusação era notícia. E provavelmente seria, com uma discreta referência, lida seguramente em menos de trinta segundos. Mas não! Foi-o com tempo de satélite e com a dita senhora a debitar em directo respostas em bugalhos quando se lhe falava de alhos. E com o Sr Rodrigues dos Santos a baixar submissamente as orelhas - ele, que até as tem de abano! - para que a senhora continuasse a violentar-nos com o seu discurso mal intencionado e de má fé.

São estes políticos que temos, é esta televisão que temos, são estes profissionais a que impropriamente chamam de comunicação social. Ao pé deles Salazar não passava de um simplório aprendiz, acabado de chegar de uma qualquer recôndita aldeia beirã. E sem os recursos materiais e técnicos de que hoje dispõem, temos de reconhecer que Joseph Goebbels foi um génio no desempenho das suas tarefas de propagandista do que de mais hediondo atravessou a Europa!

28 de abril de 2004

O que se diz do país

Os empresários de Portugal têm hoje uma má imagem. São promotores de despedimentos, evasores do fisco, corruptores e poluidores.
[José Roquette no Congresso dos Empresários em Santa Maria da Feira]

Esta sociedade supostamente democrática está baseada em duas coisas: na charlatanice (que é genericamente o discurso dos políticos) e numa permanente lavagem cerebral com informação que a gente não sabe se é verdadeira.
[José Mário Branco ao jornal A Capital]

Como quem não quer a coisa, o rumor tem-se vindo a espalhar: na liderança do Governo e da coligação estar-se-á à procura de uma forma elegante de substituir Manuela Ferreira Leite à frente do Ministério das Finanças. Ou, de forma, menos elegante, de "correr com ela".
[José Manuel Fernandes, director do jornal Público]

A excepcional Assembleia Municipal do Porto

O exemplo da Assembleia Municipal do PortoNas eleições autárquicas os eleitores determinados, que se não entregam à mais cómoda facilidade de se absterem, depositam nas urnas três boletins de voto: para a Junta de Freguesia, para a Assembleia Municipal e para a Câmara Municipal. Sabe-se de há muito que são, todos os três, igualmente inúteis e dos eleitos não se pode esperar nada de que o eleitor venha directamente a beneficiar.

Mas as Assembleias Municipais são uma coisa de que não sabemos nada, conseguem manter-se discretamente na penumbra, é pouca a publicidade que lhes é feita. Embora haja excepções, como aconteceu ontem, por exemplo, nesta mui nobre, leal e sempre invicta cidade do Porto. Em primeiro lugar os senhores deputados municipais desrespeitam o organismo para que foram eleitos e, pura e simplesmente, não comparecem. Isso fizeram ontem o presidente e o vice-presidente da Câmara Municipal do Porto. Um outro vereador esteve presente mas saiu a meio porque tinha mais que fazer. Nada de anormal. Em São Bento ganha-se mais, tem-se outro estatuto e faz-se o mesmo!

A ordem de trabalhos incluía nove pontos entre os quais a prestação de contas da Câmara, relativas a 2003 que, desde logo, se antecipava como sendo um assunto polémico. Mas a ordem de trabalhos pura e simplesmente nem sequer começou a ser discutida. Que fizeram então os cinquenta senhores deputados que marcaram presença, eleitos entre os mais ilustres, os mais instruídos e os mais respeitados do concelho? Entretiveram-se a votar nove moções sobre todos os assuntos, alguns em duplicado, e apresentadas por todas as bancadas.

Votaram-se moções sobre a vitória do Futebol Clube do Porto no campeonato de futebol da primeira liga, sobre o direito ao descanso que deve assistir a todos os trabalhadores no feriado de 1 de Maio, sobre o encerramento da escola Carolina Michaelis e, ainda, sobre a necessidade de regulamentar a actividade dos guarda-nocturnos. No fim a sessão acabou inteiramente preenchida com os assuntos enunciados cuja prioridade, obviamente, não está em causa. Que importância tem a situação de munícipes desalojados quando comparada com a necessidade de felicitar o clube das Antas por mais uma vitória? Aliás, como se sabe, a primeira que a equipa regista no decurso do consulado do senhor Pinto da Costa.

Quanto aos guarda-nocturnos, são actualmente 14. A muito digna e ocupada Assembleia Municipal a que, nesta sessão, compareceram 50 elementos, anda há um ano para regulamentar a respectiva actividade. Quando aprovar o respectivo regulamento vai ter de mandar alguém afixá-lo nas campas dos cemitérios porque, de certeza, todos terão já morrido. Se não tiver sido de morte natural terá sido de morte violenta. Sorte têm os senhores deputados municipais, abrigados que estão dos perigos que noite dentro ameaçam a baixa citadina. Porque se assim não fosse nem sequer se aventuravam a sair de casa. O que a cidade perdia… E o que o munícipe ganhava!

27 de abril de 2004

Onde fica uma coisa que não existe?

Onde fica a Casa da Música?O Porto não é diferente do país em coisa nenhuma. Os pormenores não lhe conferem nenhum tipo especial de identidade própria. O tempo do cimbalino já passou à história, agora o país diz palavrões de Monção a Vila Real de Santo António, troca-se menos os bês pelos vês, meia dúzia de palavras diferentes não representam coisa nenhuma. O que quer dizer que se o país é o país da trapalhada o Porto reclama para si, com justiça, a sua quota da trapalhada nacional.

Quando uma obra nunca mais está pronta é hábito dizer-se que é uma obra de Santa Engrácia. O dito está desactualizado. O Porto tem em construção, em 2004, aquela que há-de ser a obra emblemática do Porto 2001, capital europeia da cultura. Que já teve múltiplos administradores, atribuiu mordomias, conferiu estatuto. Previdente, contra todas as usuais práticas do país, - veja-se o exemplo do hipotético candidato a candidato à presidência da república com o tunel das Amoreiras! - o conselho de administração encomendou a primeira sondagem. Para quê? Ora, muito sensatamente para auxiliar a gestão e melhorar o desempenho da equipa, conferindo-lhe um ar mais científico.

Os resultados dessa sondagem é que são espantosos e, como se fosse o escândalo do apito do major Loureiro, o Jornal de Notícias proclama: metade do país não sabe onde fica a Casa da Música. Olha a grande avaria! O país não sabe onde tem a cabeça e haveria agora de saber onde fica uma coisa que não existe! Diz o mesmo jornal que nenhum português identifica os grupos residentes da Casa da Música. Pois não! As obras ainda não estão prontas, o elevador privado para acesso à casa de banho do senhor presidente do Conselho de Administração ainda não foi adquirido, a Câmara ainda não emitiu nenhuma licença de habitabilidade. É claro que não mora lá ninguém, a não ser porventura um ou outro ajudante de trolha, do Marco de Canavezes, que por lá pernoite durante a semana, no meio do estaleiro, enquanto espera para ir de fim de semana.

Mas o Porto reconhece a importância do projecto e escandaliza-se com a ignorância nacional. Setenta e cinco por cento das pessoas do Porto acham que a Casa da Música é necessária. É gente culta, que frequenta o salão de chá da Boa Nova, o restaurante da Fundação Cupertino de Miranda e os concertos de orgão da Igreja da Lapa. E que, apesar disso, acha que o Porto, como o país, não tem levado música que chegue. Deste governo e dos outros. Mais! Setenta e nove por cento são potenciais frequentadores da casa em construção. Não sabemos o que se pretende dizer aqui com potenciais, mas sejamos benévolos. Deverão ser os que se manifestam interessados em ouvir nos seus salões os concertos da Ágata e do Emanuel caso os bilhetes sejam a preço acessível e não tenham ainda esgotado. É claro que os outros, os não potenciais como agora se diz, devem ser os desempregados a quem o Dr Bagão cortou o rendimento mínimo e que não beneficiam de nenhum subsídio.

Admira-se o Porto e o conselho de administração que o país não saiba onde fica a Casa da Música. Quando, passando por lá há tanto tempo, metade do país não sabe onde desagua o rio Douro e em que margem se situa a cidade do Porto. E queriam que o país soubesse onde fica uma coisa que não existe!

Afinal o partido do Dr Portas esteve representado…

Um tal não sei quê de Lima, rapaz truculento que daria um bom espectáculo em cima de um ringue, de calções cor de rosa e luvas calçadas, anunciou que, em obediência a ordens do omnisciente Dr Portas, o seu partido não estaria presente, ontem, na condecoração de uma série de personalidades por discordar que a Dra Isabel do Carmo fosse uma das contempladas. Este homem está muito bem para o lugar que ocupa no partido porque é como ele. Sobra-lhe em truculência o que lhe falta em bom senso. E, com o devido respeito pelo homem que é responsável pela generalização da pergunta, saberá o tal não sei quê de Lima onde estava no 25 de Abril? Certamente que não! Da mesma forma que a pergunta não precisa de ser feita à Dra Isabel do Carmo, mesmo que pensemos que nessa altura estivesse em locais que nunca frequentámos. Mas adiante! O actual CDS defende que a conquista da liberdade se deve à E-volução do 24 de Abril e, quanto a revolução, sonha permanentemente com o 28 de Maio.

No seguimento da anunciada discordância foi publicitado que o CDS não estaria presente na cerimónia. Embora, para além da Dra Isabel do Carmo, tivessem sido agraciadas mais personalidades às quais, sem nenhuma estupefacção, o dito partido anunciou publicamente que faltaria ao respeito. Apressadamente e escalada pelo partido esteve presente a ministra Cardona. Que também apressadamente se escapuliu antes de terminada a cerimónia, sem cumprimentar a médica e sem responder aos coscuvilheiros repórteres das televisões. Muito provavelmente para se ir encontrar com o bastonário da Ordem dos Advogados que, como é público, é seu incondicional admirador.

Quanto ao Dr Portas, mandou emitir um comunicado a dizer que passava mal por causa das amígdalas e do pingo do nariz. E, por isso mesmo, já no dia anterior aparecera numa cerimónia pública a chupar pastilhas para a garganta tendo a comunicação social, maliciosamente, sugerido que mascava pastilha elástica. Comunicação social esquerdista, está visto! Sendo um homem com formação católica e superior, com educação porque leu todos os manuais da D. Paula Bobone, nunca poderia o Sr ministro apresentar-se em público como se fosse um vulgar macaco a comer uma banana enviada da Madeira pelo também democrata Alberto João. Mesmo em casa, continua de cama, delirante entre a febre e o trabalho, a pensar nos nomes que hão-de ser dados aos submarinos. Quanto à cor, já sabe: serão amarelos!

26 de abril de 2004

Ainda os 30 anos do 25 de Abril

Há pessoas que realmente não conseguem controlar a emoção e suster a verve. Para elas é sempre dia de E-volução, seja Abril ou não, seja Verão ou não. E, apesar dessa dedicada devoção, conservam no pódio os seus ódios de estimação. Só isso justifica o odiozinho do distinto deputado europeu - muitas vezes a ter de votar 1.500 artigos num dia, valha-nos S. Cipriano! - ao Dr. Álvaro Cunhal a quem já dedicou dois volumes, daqueles que quase consomem, cada um, um tonner de impressora.

Quanto à efeméride de ontem, de facto, não lhe mereceu mais do que este inteligente e longo artigo doutrinário. Apesar da SIC, da TSF, do Público, do Abrupto, do Parlamento Europeu, das viagens, da Amareleja, etc. Parabéns Dr Pacheco. O Dr Portas, ministro, nem disse, nem escreveu. Só mascou pastilha elástica, para que não se lhe soltasse a palavra!

A Ordem da Liberdade para Rosa Casaco!


Desde que o Dr. Mário Soares declarou, publicamente, o meu direito à indignação que me não contenho. Mesmo agora estou fulo. Fulo não! Passado, possesso, vermelho de raiva. Vermelho porque, infelizmente, a raiva se manifesta sempre nesta cor, de forma vergonhosamente alinhada com a esquerda do Dr. Louçã. Deveria poder-se ficar preto, verde, azul ou amarelo de raiva, conforme a preferência e o posicionamento político. Mas até nisto as reformas tardam ou se finge que se fazem, como sabiamente esclareceu o Dr. Alberto João na colónia da Madeira e que está sempre certo em tudo. Menos no partido a que pertence.

O Dr. Veja lá se tem um tempinho para por alguma ordem no partido. Deixe um pouco para lá essa sua azáfama persistente de mulher a dias, deixe o forte sem lhe limpar o pó por uns momentos. Por uma vez adie um dos seus compromissos com a D. Cinha e ela que aproveite para ir dar chá à filha. De preferência de Fafe. Adie por uns dias a recepção dos submarinos que hão-de subir, embandeirados, Tejo acima, até Vila Velha do Ródão. Com o Sr. ministro, de óculos escuros, no convés recebendo os aplausos das margens e dos habitantes de Almourol

Então já viu o desaforo? Já ouviu as declarações daquele seu ajudante não sei quê de Lima? A falar nas condecorações do 25 de Abril e na Dra. Isabel do Carmo, bombista conhecida com consultório aberto e deslocações ao domicílio? Não se admitem tais práticas esquerdistas com o homem a fingir-se do reviralho. O partido não deve ir, nem por palavras, além do 24 de Abril. Os seus membros devem continuar a atravessar o Tejo utilizando as pontes Marechal Carmona e Oliveira Salazar, enquanto se benzem e rezam com devoção a Nossa Senhora de Fátima.

Então a esquerda lutou pela liberdade? Quando? Onde? Confortavelmente metida à sombra no forte de Peniche, circunscrita a celas individuais para não ser molestada. A dormir a sesta e a desenhar hieróglifos minúsculos em rolinhos de papel vegetal à espera da hora do almoço. Durante anos apenas meia dúzia, mal contada, ousou saltar o muro e atirar-se ao trabalho que aguardava cá fora. E mesmo assim arrependeu-se logo e desistiu, rumando aos países de leste a obter asilo e a comer à conta, sem mexer uma palha.

Para quando a reabilitação dos patrióticos elementos da Pide que durante tantos anos permitiram que o Dr. Salazar velasse pela evolução da pátria enquanto tranquilamente pensava nas colónias e rezava o terço! Para quando a beatificação de um tal santo que, como se sabe, ensinou o catecismo ao Cardeal Cerejeira. Ele, que rapidamente e em força, mandou as forças armadas para África, a defender a fé, o império e os pretinhos da Guiné. E, ainda, para quando o reconhecimento dos muitos heróis anónimos que combateram pela liberdade? Rasgando os cartazes da extrema esquerda, do partido comunista, do partido socialista e do PSD? Que assaltaram sedes desses partidos em todos os concelhos, atiraram os trastes pelas janelas e lhes pegaram fogo. Partiram vidros e arrancaram portas, esperaram militantes e lhes acertaram o passo. À porrada e à bomba, sempre que, no superior interesse do país e da democracia, isso foi de todo necessário.

Vamos, Dr. Paulo Portas. Assuma-se e faça a proposta! O senhor Rosa Casaco, mesmo em mangas de camisa, deve ser condecorado no 10 de Junho. O Dr. Salazar deve ser transladado para o Panteão Nacional, a sua estátua deve ser devolvida a Santa Comba Dão e o seu nome reposto em todas as tabuletas toponímicas. Deve ser reconhecido ao almirante Thomaz a vocação natural para a escrita e a fluência, electrizante, do discurso. Devem ser atribuídas pensões às famílias de todos os agentes e bufos da Pide, incluindo descendentes, por actos de heroicidade na luta pela democracia do 24 de Abril. E contidos os excessos esquerdistas daquele não sei quê de Lima!

25 de abril de 2004

Atento, venerando e obrigado

Em termos éticos é aquilo a que nos habituou, a cara está em perfeita consonância com a careta, sem o menor remorso ou a mais ligeira noção de pouca vergonha. Serve a afirmação, a um tempo, para o José Manuel Fernandes e para o canal que o ministro Sarmento disse ter atribuído à sociedade civil. Convidado, o rei dos hipermercados, Belmiro de Azevedo. Entrevistador, o director do Público. Patrão de um lado, aio do outro.

Mas é bonito de ver, neste dia 25 de Abril, o guerreiro corajoso que é JMF deixar a iniciativa à colega que o acompanha e manter-se sempre sorridente, com a boca aberta de admiração e de espanto, a contemplar o patrão que lhe paga. Conhece o dono, respeita-o, praticamente adora-o. Vulgarmente diz-se que o respeito é muito bonito!

Só se não percebe onde ficou o guerreiro decidido e implacável. Que longe, neste extremo ocidental da Europa, de esferográfica empunhada, sozinho como um Gary Cooper dos nossos dias, ameaça em cada editorial ir para a Afeganistão apanhar o Bin Laden à mão ou para o Iraque por termo à violência que persiste depois de Bush ter mandado terminar a guerra, há um ano atrás.

Anotem: atento, venerando e obrigado. José Manuel Fernandes assina por baixo. De cruz e sem hesitações.

Os arguidos festejam o quê?

Nos processos ditos mais mediáticos, sem que saibamos exactamente porquê - a não ser que seja pelo mórbido interesse que desde logo a comunicação social lhes devota! - é norma que tudo seja contestado. Pelos arguidos, pelos advogados, pelo bastonário da ordem, pelas ineficazes instituições oficiais e, já agora, pelo público em geral.

Apregoa-se pelos quatro pontos cardeais a presunção da inocência dos arguidos enquanto não houver sentença que os condene, já com trânsito em julgado. Depois age-se de uma de duas maneiras: ou se condenam todos na praça pública ou, inversamente, se absolvem e se condenam os juízes e os tribunais.

Toda a gente sabe mais de direito do que de finanças domésticas, não tenhamos a menor dúvida. Se assim não fosse as famílias portuguesas não teriam atingido o índice de endividamento que atingiram e não veriam, sistematicamente, sobrar-lhes tanto mês para tão pouco dinheiro. Aliás, como acontece no decurso dos jogos de futebol em que os únicos que não sabem nada das leis do jogo são os elementos da equipa de arbitragem.

Mas aconselha o mero sendo comum a que se considere um pormenor relevante. Se alguém é detido para ser interrogado, se é constituído arguido por suspeita da prática de um só acto criminoso que seja, se lhe são fixadas medidas de coacção - e o código penal define como a mais branda o termo de identidade e residência - não tem essa pessoa, quando é devolvida à liberdade, razões objectivas para uma celebração como se acabasse de se consagrar campeão mundial de pesos pesados. Embora presumindo-se inocente, é suspeito e é arguido no processo. Pensamos nós de que?

E, apesar de tudo, ainda não acreditamos que se possa ser suspeito logo às nove da manhã por ter ajudado três velhinhos a atravessar a rua. A D Fátima Felgueiras, por exemplo, não está a ser investigada por todos os meses entregar a sua pensão de reforma à Misericórdia da terra. O embaixador Ritto não é arguido pelo facto de suportar, do seu bolso, o colégio frequentado por três crianças a que Abril ainda não chegou. E o senhor major das batatas, que acha excessivas as medidas de coacção que lhe foram aplicadas, não é arguido por exercer gratuitamente o cargo de presidente do Metro do Porto ou por votar favoravelmente o aumento dos honorários dos árbitros da Liga e dos funcionários da Câmara.

São tudo bons rapazes, isso é verdade, mas uns são melhores do que outros!

Trinta anos depois

Hoje, precisamente! Volvidos trinta anos exactos sobre este dia vinte e cinco, desejaria que ele enchesse o mês de Abril todo, de um a trinta. Pleno, inteiro e completo. Me devolvesse à feira e ao carrossel sem luzes de néon, montado num cavalo de pau com as orelhas partidas e a pintura definitivamente esmurrada. Me fizesse da vida ponto de encontro, sem choros nem lamentos, com os amigos e os sonhos que se foram perdendo de mim pela acumulação dos dias e pelo encantado esquecimento das noites.

1974 - 2004: 30 anos de AbrilQue uma estrela matinal despontasse com o dia, serena e decidida, a oriente, na tranquilidade verde e amena das savanas de África. Pudesse eu apascentar, convicto, sonhos, projectos e aventuras. Acreditar que o futuro só o será se for melhor para todos, se a fome com que as crianças morrem puder sucumbir às armas da vontade que empunhamos. Solidários com a vida. Sentir que África não é o continente do futuro, jorrando recursos naturais em torrentes ininterruptas de lava, directamente para os balcões das bolsas de valores. Nem sequer do presente, esvaindo-se aos poucos, estropiado por minas e por sidas, sem exércitos que se lhes oponham. Se assim for é preferível que seja do passado, com o humanismo de Senghor caindo gota a gota, como orvalho da madrugada escorrendo pelo tronco centenário de majestosos embondeiros.

Que a memória e o tempo me devolvam o que de nobre se foi perdendo pelos anos. Para que possa acreditar de novo e sentir que há uma lógica universal que não precisa do rigor de nenhuma lei escrita para estender à nossa frente como um aguçado fio de navalha sobre o qual, sem nos ferirmos, teremos de nos equilibrar. Que me digam de si os parceiros das caminhadas que fizemos juntos, me tragam de novo a poesia toda e a serenidade para ouvirmos, resistindo a todas as emoções, Villaret dizer o Cântico Negro. Que me arranjem, à socapa, quantos exemplares puderem de Luuanda, enquanto Luandino estiola ao sol insular do Tarrafal e os esbirros de Silva Pais fazem em cacos o trabalho acumulado de tantas vontades e de tantos anos.

Que as espingardas rebentem em flor, como acácias rubras ao inclemente sol dos trópicos, saturando o ar de pólenes alérgicos e acolhendo-nos à sua sombra. Que o sonho renasça, cresça, se amplie e não deixe que nos envergonhemos da herança que preparamos para os nossos filhos. Que Abril se possa cumprir, como sonho que foi e como sonho que deve ser. De forma mais digna, mais equitativa e mais justa!

24 de abril de 2004

Dilatando a fé e o império

Sousa Lara: a expansão da fé e do império!Apesar dos anos passados, da barba e dos cabelos embranquecidos e do lápis azul da monarquia substituindo a espada, noto-lhe o mesmo ar desconfiado em relação ao gentio selvagem e ao intelectual ribatejano ousando escrever evangelhos. A mesma determinação viril adivinha-se-lhe nas sobrancelhas carregadas e na convicção com que empunha a cruz da salvação e a Bíblia em edição Umbundu. O mesmo hábito, simples e humilde, sem a etiqueta de nenhum dos famosos estilistas de Alcabideche, protege-o do frio que, Primavera dentro, se há-de tornar mais suportável do que o insuportável processo da Universidade Moderna.

Uma afronta, Dr Sousa Lara. Para si e para a família, que se empenhou nas plantações de cana de açúcar na Catumbela e que fez da Cassequel um símbolo da fé e do império. De botas altas, calças e balalaica de caqui amarelo, capacete colonial na cabeça, subiu o senhor da fímbria do mar até à altitude temperada do planalto como, antes de si, só o senhor Silva Porto tivera a coragem de fazer. A bem da pátria e, de todo, contra o ultimato que o Dr Barroso esqueceu num simples almoço nos Açores, com o senhor Blair sentado do seu lado esquerdo.

Como poderia V. Exa., com funções de responsável governante, permitir a edição de mais um evangelho, como se não bastassem os que, autênticos, já havia! Ainda por cima havendo a intenção de apresentar a obra a concurso nuns jogos florais promovidos por uma câmara de província, com resultados a divulgar em pleno dia do Corpo de Deus, mesmo que depois da procissão, quando batessem as trindades. Onde, muito provavelmente, o respectivo presidente e alguns dos seus vereadores estariam a contas com a justiça, indiciados por crimes de corrupção e peculato. Ou teriam mesmo partido na primeira caravela, a caminho das Terras de Santa Cruz, com a Bíblia num bolso e o produto do desvio no outro.

Admiro-lhe o espírito grandioso e Deus me ajude a seguir-lhe o exemplo, excluindo o caso da Moderna de que, honestamente, nem os automóveis me interessam. Para que consiga, também eu, desinteressado de todos os bens materiais e devolvido o cartão de sócio do Sporting, deixar de pecar no Alvalade XXI, sem nenhum benefício do sistema e com o padre Melícias ao meu lado direito. Para que eu possa, como o senhor, fazer as minhas orações diárias antes de me deitar, incluindo nelas a fé na conversão de todos os infiéis, incluindo o senhor José Saramago.

A intoxicação!...

Canal de televisão SIC. 24 de Abril de 2004, jornal das 13:00 horas. O noticiário abre e permanece durante mais de 20 minutos à volta da figura do major Loureiro, dos seus últimos dias, dos seus cargos, da sua saída do tribunal, da repórter plantada à porta da sua residência, de luxo, à espera que alguém se decidisse a ir passear o cão. Encenação perfeitamente digna dos adjectivos do saudoso Thomaz: toda ela excessiva, toda ela ridícula.

Tenha dó, Dr Francisco Pinto Balsemão. Ou, se não tiver dó, tenha memória ou mande um estafeta ao Cascais Shopping comprar meio quilo de bom senso. De preferência em pó, como a electricidade que não vemos mas cuja conta engrossa os dividendos dos nossos vizinhos castelhanos da Iberdrola. Não siga à risca a cartilha do Emídio Rangel, vá à Torre do Tombo consultar a do João de Deus que é mais sensata.

Para vender escovas de dentes e uns cremes de feira para as rugas o senhor, sozinho, assume os aumentos anuais dos índices de criminalidade. E com isso aumenta as dificuldades da polícia e do ministro dos incêndios. O senhor promove suspeitos a seminaristas imberbes, envergando sotaina branca e ajudando comportadamente à missa de domingo. O senhor traveste um emplastro num herói, como se fosse um marine americano a regressar, vivo, do Iraque do nosso descontentamento.

E saber alguém, como nós, que o senhor não foi sempre senil, nem submisso, nem correlegionário do lápis azul que coloriu o Diário Popular! Não dá mais para acreditar, pois não? Nem para levar a sério. Por isso o senhor é visto com tanta frequência nas festas da D. Lili Caneças!

23 de abril de 2004

Mónica Sintra e Celine Dion em dueto, ambas as duas

Mónica Sintra: à espera de Celine Dion para o duetoComeçamos por confessar a nossa ignorância: não sabemos quem é esta Mónica Sintra. É óbvio que não temos desculpa porque a ignorância a não merece. Mas é o que dá não ter acompanhado as sessões do Big Brother e não sermos domésticos, como outros, para acompanharmos diariamente os programas do senhor Carlos Ribeiro. Além disso, quando chega o Verão e meio mundo começa a frequentar romarias e a fazer que canta nós, lastimavelmente, vamos para a praia. Apanhar sol que, ainda por cima, faz um mal desgraçado à pele e nos pode trazer complicações clínicas no futuro, não contribuindo em nada para nos aumentar a cultura.

Mas, pelo apelido, deve ser de Sintra e já a imaginamos uma moçoila robusta, de faces rosadas pelo saudável ar da serra, calçando bolas altas em pleno Verão e pulando no palco, de um lado para o outro, rodando a cabeça como se fosse uma ventoinha, sem frio nenhum e de tronco quase nu por causa do calor e da liberdade de movimentos, mesmo que seja Inverno. Tendo tempo, havemos de nos informar junto de alguns amigos e conhecidos mais cultos do que nós, estar atentos ao concurso do senhor Malato a ver se sai alguma pergunta que nos ajude e, ainda, pesquisar aturadamente a internet a ver se temos sorte.

Mais sorte do que nós, de qualquer modo, tem a Mónica. A sua intenção de cantar com Celine Dion corre o risco de se consumar, tanto mais que apenas falta que Celine o saiba. Também nós, que nunca cantámos em lado nenhum mas que chegámos a ter quase decorado o primeiro canto dos Lusíadas, tivemos a ambição de cantar, em dueto, com o Frank Sinatra. Estivemos quase a consegui-lo, quando o mesmo esteve no Porto e nós conseguimos ser seleccionados para lhe levar um cesto de laranjas ao camarim. Nem olhou para nós quando o cumprimentámos, disse qualquer coisa em surdina, que não entendemos, e mandou que saíssemos. Pensámos que podíamos ter algumas esperanças e ficámos à espera do seu contacto. Entretanto, como veio nos jornais, morreu. E o nosso dueto, com ambos, foi-se!

Bruscamente, sem Verão passado!...

VENDE-SE, em lotes!Muito discretamente, pela calada, como só os políticos as sabem fazer! Em tempo recorde foi negociada uma revisão constitucional entre os três partidos políticos da vida airada: o CDS do Dr Portas, o PSD do Dr Barroso e o PS do Dr Ferro. Revisão menor, dizem eles. Menor no que toca ao alcance objectivo das alterações e aos efeitos práticos, nulos, que irá produzir. Mas formalmente consagra alguns aspectos interessantes.

Talvez o mais importante seja o que se relaciona com a Europa comunitária que, recorde-se, vai passar a ter mais dois terços dos seus membros a partir de Maio próximo. E Maio, para quem eventualmente possa andar um pouco distraído, é para a semana! De facto os tratados e as normas emanadas das instituições comunitárias passam a ser aplicáveis na ordem interna. O que, de facto, significa que antes dos órgãos de soberania que nos ensinaram na escola, Bruxelas tem mais encanto e fala mais alto.

O país está à venda! Como o património público, alienado precipitadamente e ao desbarato para permitir que a ministra das finanças apresentasse contas assegurando que a loja, afinal, não dera tão elevados prejuízos. Em lotes, sem urbanização ou licenças de construção aprovadas. Mas os construtores civis alinham-se, exibindo os alvarás e esgrimindo projectos já prontos a montar estaleiro. Não há escritos de aluguer colados nos vidros das janelas e a venda, como convém, é por ajuste directo.

22 de abril de 2004

A revisão da Constituição

A pressa que para aí vai! Tudo a propósito e com o objectivo de ter pronta uma revisão constitucional ainda antes do dia em que o país, vestido com o fato de ir ver a Deus, irá celebrar os 30 anos de evolução que o governo, para nosso orgulho e bem estar, tem vindo a apregoar nos jornais, em páginas inteiras, como publicidade paga.

Como se sabe desde longa data, o problema que maior resistência opõe ao desenvolvimento do país é exactamente o texto constitucional. Graças ao patriotismo dos deputados e à boa vontade com que se dispõem sempre a fazer horas extraordinárias sem serem pagos, como se fossem médicos do Hospital de Santo António, esse texto tem vindo a ser melhorado com as diversas revisões já levadas a efeito. Seis, com esta! E os progressos daí decorrentes não se têm feito esperar. Aumentou o número de quilómetros de auto-estradas, a inferior qualidade dos pisos, o preço das portagens e os lucros da Brisa. Para já não falar no aumento previsível das rendas de casa, da água, da electricidade e do arroz carolino.

Esta revisão é conseguida em tempo recorde, praticamente sem discussão, quase a entrar em vigor sem ter sido aprovada e com o vasto âmbito a que os senhores deputados, persistentemente, nos habituaram: nenhum! Exactamente por isso o Sr Telmo Correia se não confessa realizado, salientando que não é a revisão constitucional que corresponde aos anseios do país, mas é um passo em frente. O que nos leva a compreender a crescente ansiedade de Portugal e o progressivo recurso aos ansiolíticos. Cujo custo tem, como se sabe, praticamente sabotado a acção meritória do ministro Pereira em benefício da saúde e da renovação do contrato de exploração do Hospital Amadora/Sintra. Mas é, ao menos, um passo em frente. Esperemos que o país, prudente e precavido - que país avisado vale por dois! -, não esteja à beira do abismo quando os senhores deputados, de pé e batendo palmas a si próprios, aplaudirem o justo sentido do seu voto.

Apenas os "bloguistas" se manifestaram contra toda esta pressa, o que se compreende perfeitamente. Primeiro porque a pressa é adversária do bom português e isso representará a proliferação dos erros de ortografia nos "posts" e certamente levará a uma construção de frases que, no futuro, poderá vir a ser atribuída ao almirante Thomaz em detrimento da Dra Edite Estrela e do concelho de Carrazeda de Ansiães. Depois porque, na base desta reacção, estará também, seguramente, o adágio que o Dr Louçã, desde pequeno, ouve repetidamente a sua mãe: as cadelas apressadas quase sempre têm os filhos cegos!

Os 30 anos da evolução de 25 de Abril


Fotografia tirada a 26 de Abril de 1974, a uma camioneta carregada com uma tropa fandanga, em posição de à vontade, comemorando a vitória da Evolução no dia anterior e celebrando, por antecipação, os muitos progressos a registar nos trinta anos seguintes. Especialmente depois da chegada dos evolucionários Santana Lopes à Praça do Município e Durão Barroso ao Terreiro do Paço.

Dia mundial da Terra

Comemora-se hoje o Dia Mundial da Terra. É ridículo que sendo habitantes de um planeta que integra todo um sistema, durante 365 dias por ano, apenas um deles lhe seja anualmente consagrado, a título de mero descargo de consciência. O que, desde logo, realça o pouco apreço em que, de facto, temos o planeta Terra, em que vivemos.

Muitos dos problemas com que nos confrontamos resultam da falta de espírito colectivo que, pressupostamente, deveria ser uma consequência directa do desenvolvimento. Não é! Ao contrário, a sociedade globalizada de que nos reclamamos parte integrante estimula e instiga o liberalismo desenfreado e o egoísmo sem limites. Em absoluto desrespeito pela nossa e pelas gerações futuras, esquecendo-se que a estas pertencem os nossos próprios filhos. Como vão distantes as ideias humanistas da década de sessenta do século passado!

21 de abril de 2004

A vocação submarina do país

Sou, quanto a este assunto, e com vossa licença, perfeitamente insuspeito. Não conheço o Dr Paulo Portas de lado nenhum e sei não perder nada por isso, ainda não ouvi ninguém a elogiar-lhe as qualidades e a ética dos procedimentos e não me apercebi de que qualquer brigada do reumático do exército lhe tivesse ido prestar vassalagem ao forte onde vive entrincheirado à custa do pagode. O professor Marcelo, como se sabe, queixa-se dele lhe ter cuspido na sopa ainda antes de ter empunhado a respectiva colher. Os generais, demitidos ou não de qualquer estado maior, não andam com a sua fotografia nas carteiras e mesmo a recauchutada Cinha Jardim, apesar da proximidade, não entrou em transe, não se meteu na bebida, não atingiu o coma alcoólico e, em consequência, não fez as cenas tristes que a sua filha Pimpinha fez não sei quando e não sei onde.

Mas, por uma vez, reconheçamos que Paulo Portas, ministro, cumpre a vocação submarina do país e a pátria, agradecida, há-de reconhecê-lo e erigir-lhe uma estátua, mais tarde ou mais cedo. Já hoje o ouvi dizer, a pretexto de declarações produzidas por terceiros e a que faltou o celestial bom senso de Luís Delgado, que Portugal não pode abandonar a sua tradição marítima. Por isso mesmo, pense a Nato o que pensar, proceder à aquisição de submarinos é um acto simultaneamente heróico e patriótico. Tivesse ela sido deliberada mais cedo e não teríamos perdido nem a Índia nem S. João Batista de Ajudá. E, quase seguramente, teríamos submetido o malogrado Samora em Cabo Delgado, mandado um submarino ocupar a albufeira de Cahora Bassa e metido atrás das grades, ainda vivo, o Dr Savimbi, por muito que protestasse o seu afilhado, Dr João Soares.

Um país que descobriu novos mundos, que teve um infante D. Henrique a programar descobrimentos enquanto chapinhava nas margens do Douro, um Álvares Cabral que largou ferro à descoberta do Brasil sem uma única bússola e um Fausto a produzir uma obra de referência como é o Por este rio acima, não pode abdicar, sem luta e sem orgulho, do seu destino secular. Tendo marinheiros, mesmo em terra, tem que ter barcos e submarinos. Barcos já tinha: os que vão para o Barreiro e para o Seixal. Submarinos vai tê-los, embora sem percursos disponíveis para que se lancem nas carreiras regulares. Mas, no actual estado de coisas, um deles poderá patrulhar a costa algarvia, de Sagres a Vila Real de Santo António e o outro poderá ser afecto à fiscalização permanente do Douro internacional. Ambos sob o comando de um capitão de mar e guerra. De preferência, que saiba nadar!

As galinhas e os televisores já rendem

Há investimentos que valem sempre a pena, mesmo quando se pensa terem sido feitos a fundo perdido e sem nenhuma taxa de remuneração. No caso do major Loureiro, em primeiro lugar, foi isso que lhe garantiu a eleição para mais um dos quarenta e oito cargos que desempenha, este como presidente da Câmara de Gondomar.

Não são pessoas desmemoriadas e ingratas os seus munícipes! Tanto assim que hoje, logo pela manhã, se acumularam à porta do tribunal, acotovelando-se, em formação espontânea, à espreita para verem chegar o seu polivalente presidente. Que chegou, pelos vistos, acenando sereno e triunfante a quem o aguardava, esperando à chuva.

À tarde os repórteres no local juravam tê-lo visto no interior do tribunal, depois do almoço, passeando-se de um lado para o outro enquanto ia mordendo o charuto que, excluindo a proveniência, lhe fica tão bem. Em nova manifestação espontânea todos os mirones usavam já bonés enfiados na cabeça a garantir que estavam com ele. Por simples curiosidade certamente que alguns fotógrafos terão registado a cena, sem nenhum interesse noticioso. A polícia, ao que se sabe, não carregou sobre os curiosos, nem a pé, tão pouco a cavalo. Ao que constou estava, na mesma altura, empenhada num desfile de apoio à ministra Ferreira Leite e aos aumentos de salários que, nos dois últimos anos, a mesma garantiu aos membros da corporação.

Quanto ao major, diz-se, terá sido apenas forçado a introduzir ligeiras alterações na sua sobrecarregada agenda. A ver vamos, se bem que estejamos habituados a ver as montanhas parirem ratos e as videiras com muita parra terem sempre pouca uva.

Resposta exemplar…

Questionar o homem sobre o assunto foi, naturalmente, idiota. O que é hábito em muitos jovens ao serviço da comunicação social. Por falta de preparação, apesar de quase sempre habilitados com cursos ditos superiores. Por falta de experiência, porque não tiveram nem tempo nem oportunidades para a adquirirem. Por falta de orientação e de coordenação superior porque, como em todo o lado, o país funciona sem regras e sem controlo. Por espírito de subsistência porque, infelizmente, se prepararam para a geração que profissionalmente desponta condições que nos envergonham e que cabem, com o rótulo de globalização, num novo conceito de camuflada escravatura. E, atrás da renovação de um contrato de trabalho precário, vale tudo!

Sobre as detenções relacionadas com o futebol, ontem levadas a efeito, alguém inquiriu o brasileiro Felipe Scolari, seleccionador nacional. A resposta que deu foi perfeitamente exemplar:

Passei o dia no centro técnico, no meu trabalho. Vim aqui porque me convidaram e não sei mais nada. O problema é de vocês com eles. Não tenho nada a ver com isso.

20 de abril de 2004

Quando o seminarista é mais papista que o Papa

Muitas vezes quero crer que a única vocação verdadeiramente nacional aponta para o disparate grosseiro e para o convencimento pacóvio do campónio rapidamente enriquecido à custa do volfrâmio, carregando ostensivamente ouro nos dentes e inúteis canetas de tinta permanente no bolso do casaco. Mas é também certo que alguns portugueses têm, em relação a alguns assuntos, muito maior vocação do que outros. Em relação ao Iraque, por exemplo, a vocação pertence essencialmente ao José Manuel Fernandes e ao Luís Delgado. Muito mais do que à autoproclamada Glória Fácil ou ao Doméstico, regressado da reciclagem algures, na Arábia Saudita.

De cátedra, ontem, José Manuel Fernandes dizia que ninguém mais podia confiar em Zapatero. Nem a mulher, porque é homem de se deitar com a primeira saia que lhe aparecer, mesmo que denunciadamente seja uma potencial Mata Hari. E atirava com um chorado multilateralismo que me prolongou a comoção até agora, tudo por causa do homem respeitar um compromisso político assumido em campanha que - recorde-se! - apenas veiculava a opinião maioritária da população espanhola sobre a participação do país na invasão do Iraque.

Há pouco, nos noticiários televisivos, foi possível ver o americano Colin Powell pronunciar-se sobre a retirada das tropas espanholas e hondurenhas para dizer que a lamentava. Mas para acrescentar, logo de seguida, que se tratava de países soberanos e que, por isso, tinham toda a legitimidade para a decidir. Está-se a caminho de até Bush perceber isto. Será que José Manuel Fernandes não conseguirá também perceber?

O relatório anual da PSP

A divulgação do relatório anual da PSP foi hoje fortemente prejudicada pela detenção da fina flor do futebol nacional, para inquirições. E quase não é cedido tempo de antena ao acréscimo de 6 por cento que, pelos vistos, se registou na criminalidade. Não contando, obviamente, com as detenções de hoje que afectam pessoas que, à falta de trânsito em julgado de sentença condenatória, se presumem legalmente inocentes. Recomenda-se, para manter presente essa convicção, o procedimento sugerido pelo Daniel. De outro modo, será um bocado difícil.

Sobre a PSP é claro que se trata de um equívoco. Mais um, em que o ministro Figueiredo é pródigo. E o equívoco está exactamente relacionado com o ministro, que está no lugar errado. Para a contenção do aumento da criminalidade ninguém mais indicado do que a ministra das finanças. Aquilo que depende dela, como o aumento dos vencimentos, não aumentou nenhuns 6 por cento, nem nada que se parecesse.

Que alguém recomende a troca de ministros ao Dr Barroso para que ele a considere quando remodelar o governo. Fica toda a gente a lucrar! Até o preço unitário de cada apitadela nos estádios há-de descer!

Quem? O major de Loureiro, o que oferecia televisores?

Uma actividade exemplarEstá a ser noticiada a detenção de 16 pessoas estreitamente ligadas ao futebol profissional, suspeitas de tráfico de influências nas arbitragens. A lista é encabeçada pelo major de Loureiro e por Pinto de Sousa, respectivamente presidentes da Liga de Clubes e do Conselho de Arbitragem.

Quanto a Pinto de Sousa é um homem ligado à arbitragem desde a idade média, ainda o futebol não tinha sido inventado e já ele era dirigente de topo. Isento e, muito mais importante, perfeitamente insuspeito. Se por lá anda há tanto tempo é porque o faz por desígnio celestial e por desiderato patriótico, sempre ao serviço do seu semelhante e do futebol, ele próprio. Sem daí retirar obviamente o mais ridículo proveito. Deve viver em casa alugada, construída há mais de cinquenta anos, a precisar de grandes obras e a ameaçar ruína. Beneficiando de renda baixa que, como retaliação, leva o senhorio a recusar fazer as obras que ele vem reclamando. Não dispõe de automóvel próprio e desloca-se utilizando os transportes públicos, sendo frequente vê-lo na linha de eléctrico do Infante para Matosinhos. Depois do Porto 2001 Capital Europeia da Cultura, passou a ser igualmente visto pendurado nos eléctricos que, restaurados, descem a rua de 31 de Janeiro. Diz-se que beneficiava do rendimento mínimo até o governo do Dr Barroso tomar posse e o ter retirado aos sem abrigo, que dele não careciam e que o usavam incorrectamente no consumo de vinho e de cerveja. Por engano terá sido confundido com um deles e nunca mais conseguiu limpar o cadastro. Nem o Banco de Portugal conseguiu ajudar nesse pormenor.

Quanto a Valentim de Loureiro, cujo nome é precedido do prefixo major, em homenagem às forças armadas e aos serviços de administração militar, de onde saiu como capitão, nunca se sabe bem onde está e o que faz. Isto porque é, a um tempo, empresário e gestor de sucesso como ele próprio refere, presidente da Câmara de Gondomar, cargo para que foi eleito distribuindo alguns televisores e algumas galinhas, ex-presidente do Boavista onde elegeu, como seu sucessor, o seu filho João, presidente da Área Metropolitana do Porto, presidente do Metro do Porto e, por último mas não o menos importante, presidente da Liga dos Clubes Profissionais de Futebol.

É como presidente da Liga que o major de Loureiro - como gosta de ser chamado! - tem maior visibilidade pública. Foi ele o responsável pela mudança da Liga, de um prédio em ruínas na Rua da Alegria, ao que parece de sua propriedade como empresário de sucesso, para o edifício adquirido para o efeito, a Pedro Hispano. À parte os atritos e diatribes com o Sr Pinto da Costa, foi ele o grande responsável pela rentabilização do futebol a que passou a chamar indústria e que, à boa maneira portuguesa dos empresários de sucesso, tem registado progressos directamente proporcionais aos milhões de euros de prejuízos acumulados. O que quer dizer, quanto mais prejuízos, mais sinais exteriores de riqueza! Fez do futebol profissional uma actividade exemplar em termos do país que somos, segundo a sua própria propaganda. Onde ninguém rouba, ninguém pensa em corrupção e, definitivamente, ninguém tem dívidas ao Estado. Nunca a ex-vereadora Ernestina Miranda teria emprego na Liga, nem como dactilógrafa! Com os milhões de euros de prejuízos acumulados os clubes estão a acabar de construir dez estádios para o Euro 2004 que são o orgulho nacional e a vaidade pessoal do major de Loureiro e respectiva prole. Enquanto o Estado, à nossa custa, se encarrega dos acessos e da promoção publicitária!

Um homem destes não é insuspeito: é mais do que isso. Dirigente do partido do governo, onde o seu filho João também faz uma perninha como deputado, aquilo já não é uma família: é um gang! E o ministério público já não respeita isso?

19 de abril de 2004

Foi tão boa a tormenta como o esqueleto

Era inevitável! O assunto Ernestina Miranda, ex-vereadora da Educação da Câmara do Porto, depois do registo absurdo dos dislates da própria, trouxe à televisão, como concorrentes deste inferior Big Brother que é a política, o Dr Rui Rio e o Eng Nuno Cardoso.

O primeiro afirmando-se como o guardião incorruptível da honestidade e da lisura de processos. Asseverando que com ele não há corrupção tolerada porque, como Egas Moniz, ele está pronto, de corda ao pescoço, para a sentença final caso isso venha a acontecer. Mas enganou-se porque o que está em causa com a professora Ernestina não é, para já, um caso sofisticado de corrupção. É muito mais linearmente e em linguagem vulgar um caso simples de roubo. E a sua vereação, com matizes diferentes, porque razão haveria de ser diferente das outras?

O segundo, ex-presidente da Câmara do Porto, funções a que ardentemente deseja voltar para benefício dos portuenses, se souber de engenharia o mesmo que sabe de auditoria é melhor que ninguém o empregue nessa condição. E se politicamente gerir a autarquia com a mesma habilidade com que geriu a sua intervenção sobre este caso, é melhor dar-lhe emprego no cemitério do Prado do Repouso, como coveiro.

Veio ele dizer que a auditoria foi realizada por um gabinete que ele próprio criou para auxiliar a Câmara a melhorar os seus procedimentos. Indirectamente reclamou os méritos da criação dos serviços. Para sugerir que não faz parte das suas funções a descoberta de roubos e desvios. E que, para além disso, a professora Ernestina não tinha sido confrontada com a situação. Nuno Cardoso equivoca-se, o que não é raro. Ele mesmo disse ter criado um gabinete de auditoria e não uma polícia de investigação. Os auditores fizeram o seu serviço e reportaram os respectivos resultados à entidade de que dependem. O resto é caso de polícia!

Diz-se habitualmente que foi pior a emenda do que o soneto. Neste caso foi tão boa a tormenta - da professora Ernestina - como o esqueleto, do Eng Nuno Cardoso! Mais valia estar calado! Ou, ao menos, ter visto primeiro os documentos publicados na edição de hoje do Jornal de Notícias.

Grande Porto, Grande vereadora!

Ernestina Miranda foi a vereadora responsável pelo pelouro da Educação na Câmara do Porto durante os doze anos de governação socialista que se iniciou com Fernando Gomes e acabou com o ex-delfim deste, Nuno Cardoso. Importa recordar que a Câmara do Porto foi sempre um género de casa assombrada onde, depois de 25 de Abril de 1974, e até Fernando Gomes, nunca nenhum presidente foi eleito para um segundo mandato. Nenhum também deixou obra que mereça a mínima referência. Mesmo Fernando Gomes, transferido de Vila do Conde, acabou à sua maneira: a trair os portuenses. Primeiro querendo acumular a Câmara do Porto e o Parlamento Europeu, não propriamente pelo gosto do trabalho, mas mais pela conveniência dos ordenados e das mordomias. Clamou na praça pública, dizendo-se injustiçado, quando lhe inviabilizaram o arranjinho. E era bom que fosse rapidamente analisada a situação dos múltiplos administradores do Metro do Porto que acumulam cargos, vencimentos, despesas de representação e poucas vergonhas. E não é só do pai do presidente do Boavista Futebol Clube que se fala, é de todos!

Mas ainda quanto a Ernestina Miranda, eminência parda de três mandatos, primeiro ao serviço de Fernando Gomes e depois de Nuno Cardoso. Uma auditoria agora realizada chega à conclusão, brilhante para o currículo da dita, que 23 cheques totalizando 61.000 euros e mais 40.000 euros em dinheiro foram recebidos das escolas, para pagamento das refeições fornecidas aos respectivos alunos, mas não deram entrada nos cofres da autarquia. Muitos desses pagamentos foram feitos contra a entrega de documento de quitação assinado pela própria vereadora. Alguns cheques foram emitidos em seu próprio nome o que, sem necessidade de mais investigações, configura linearmente o crime de apropriação indevida de fundos.

Como reagiu Ernestina Miranda quando confrontada com a situação? Politicamente! Limitando-se a negar quaisquer responsabilidades no desvio de verbas e asseverando que tinha a maior confiança no funcionário que tinha a seu cargo esse serviço. O que, obviamente, é digno de pessoa que não bate bem da bola. A vereadora era ela, a responsável é ela. Ponto final. Pior do que isso! Quando de forma rasteira qualifica de ladrão um funcionário em quem depositava a maior confiança estará também a referir-se aos cheques em seu próprio nome? E aos recibos de quitação que ela própria assinou?

Só falta vir a público para dizer que, mesmo estando disposta a isso, não pode extrair da questão as conclusões políticas imediatas porque, entretanto, deixou de tutelar o pelouro. Quando o caso é simplesmente um caso de polícia. Por quaisquer cem euros qualquer operadora de caixa do Continente já teria sido detida. Esta, se calhar, pira-se para a praia de Copacabana. Ainda por cima cheia de razão!

18 de abril de 2004

A evidência de alguns números

O suplemento do Público de hoje apresenta alguns números, coligidos por Paulo Anunciação na secção O Index que merecem ser aqui exibidos. Para que se atente naquilo que verdadeiramente podem significar.

Salários comparados no Iraque, em dólares:
- Salário diário dos agentes de segurança norte-americanos e britânicos que trabalham para empresas americanas: 1.200
- Salário diário dos agentes de segurança iraquianos: 8,33
- Um iraquiano precisa de quase cinco meses para ganhar aquilo que um seu homólogo americano ou británico ganha num dia. O altruísmo da libertação, mesmo contra a vontade dos libertados, sai dispendioso!

Rentabilidade da SAD do Futebol Clube do Porto:
- Nos últimos três anos a SAD do Futebol Clube do Porto não apresentou quaisquer lucros.
- No mesmo período a SAD do Futebol Clube do Porto acumulou prejuízos no montante de cerca de 58 milhões de euros, mais de 11 milhões de contos
- A situação está perfeitamente alinhada com a das empresas sujeitas a IRC que não apresentam lucros e que são tanto mais prósperas quanto mais volumosos forem os prejuízos apurados. Foi esse facto que permitiu à SAD do Futebol Clube do Porto remunerar principescamente os seus administradores, fazer contratações milionárias - apesar de alguma contenção! - e construir um estádio de luxo para acolher o jogo de abertura do Euro 2004.

Às vezes fica-nos a sensação de que, para além do governo e dos políticos, alguém mais nos anda a enganar. Quanto ao Iraque vale-nos a burrice do Sr Bush e a banha da cobra do Sr Blair. Quanto ao futebol, naturalmente, vale-nos a garantia do major Loureiro de que a actividade é perfeitamente exemplar, que todos os clubes são cumpridores e que nenhum tem dívidas ao Estado. Graças a Deus!

17 de abril de 2004

A libertação da Palestina

Abdelaziz al-Rantissi O conhecido pacifista Ariel Sharon prossegue, determinado e implacável, a sua heroica cruzada de libertação da Palestina. Trazendo sempre consigo a bíblia Mein Kampf do seu histórico ideólogo Adolf Hitler, segue-lhe as intenções e os processos sem desfalecimentos.

Depois de há cerca de um mês ter mandado um exército para abater um velho eficazmente protegido pela blindagem de uma cadeira de rodas manual - que não era, de qualquer modo, flor que pudesse cheirar-se! -, mandou hoje um outro exército com a missão de executar o sucessor do mesmo velho. Não teve Abdelaziz al-Rantissi tempo para envelhecer ele, que também era flor cujo perfume não convidava a usá-la na lapela.

Estranha-se que, até ao momento, o outro grande libertador da zona não tenha tido a cortesia de manifestar a sua solidariedade a Sharon e de lhe apresentar os melhores cumprimentos pelo acto heroico. Talvez por questão de ciúmes, por não querer partilhar com ninguém o mérito de democratizador, à força, do satânico mouro.

Alberto João: não havia necessidade!

Quando foi lançado o Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago, foi divulgado que o editor tinha feito uma primeira edição de 100.000 exemplares. Na mesma altura uma conhecida publicação nacional revelava que, apesar de se fazerem edições tão avantajadas, o país ocupava o último lugar na lista dos países da União Europeia, no que se refere aos índices de leitura. A mesma publicação adiantava que 54 por cento da população portuguesa não costuma ler livros.

Declarações recentes do governador da Madeira revelam, mais uma vez, o seu descontentamento face ao anonimato. Não aceitou, como aliás se compreende, ser incluindo no meio de 54 por cento, sem nenhuma visibilidade. E pronunciou-se sobre o assunto dizendo claramente que não lia essas merdas.

Não era necessário dizê-lo, a gente já o conhece e, obviamente, também o sabia. Mas fica o contributo para as estatísticas que devem ser corrigidas em conformidade. Uma percentagem de portugueses que não sabemos quantificar, mas onde se inclui pelo menos o régulo da Madeira, não costuma ler as merdas escritas pelo Sr Saramago.

Al Qaeda forma governo em Madrid

Devido à ausência para fim de semana, justo e merecidíssimo, do cronista-mor do principado, visconde da Betesga, Dr Luís Delgado, face às múltiplas ocupações do director, editor e redactor chefe do diário democrático de referência, propriedade do grupo económico do Marco de Canavezes, S.A., tomamos nós a liberdade de redigir a notícia. Faltar-lhe-á, como é óbvio, o brilhantismo e a isenção - especialmente esta! - que qualquer uma daquelas figuras facilmente lhe imprimiria. Mas isto, ao fim e ao cabo, é um pouco como a sucessão do Dr Salazar: depois dele o país teve de habituar-se à ideia de ser governado por homens normais, e foi o que se viu.


A NOTÍCIA

Em Madrid, Espanha, a Al Qaeda que já tinha ganho as eleições depois de uma campanha eleitoral realizada à bomba nas estações de caminho de ferro, formou governo com o apoio de grupos minoritários cujos membros foram ameaçados de ser publicamente delapidados. O governo será chefiado, como se esperava, por José Luís Sapateiro, descendente de árabes imigrados da Escandinávia no século catorze e que se converteram ao catolicismo com a queda de Granada. Pouco dado a eventos sociais, mesmo quando abrilhantados com a presença erudita e nobre do português José de Castello e Branco, o mesmo pertence a uma família que, como o nome indica, tem importantes interesses na indústria do calçado da península ibérica, nomeadamente em S. João da Madeira e Felgueiras.

O gabinete será composto por dezasseis ministérios em obediência a uma forte crença islâmica que atribui sortilégio especial aos números pares, em particular aos que, como este, são quadrados perfeitos e, paralelamente, a nova base de numeração hexadecimal, tão do agrado dos profissionais de informática e do multimilionário Bill Gates que, no último Natal, fez questão de enviar um cartão de cumprimentos ao cruzado Ferreira Torres, a desejar-lhe os maiores sucessos no desempenho das suas funções e a rápida finalização das obras na sua quinta.

Dos dezasseis ministros, oito serão homens e oito serão mulheres e, de acordo com as práticas islamitas, nenhum ministro poderá arranjar mais do que uma mulher com a categoria de ministra. É livre, todavia, a nomeação de outras para cargos de assessoria dos ministérios, nomeadamente o da defesa da fé e da virtude, acto já enaltecido pelo congénere do condado portucalense, a sul do Mondego. Os membros femininos do gabinete cumprirão com as disposições do Islão, exibindo sempre a face coberta, mesmo no decurso das cerimónias públicas e do conselho de ministros.

16 de abril de 2004

Na TAP o boato precede o rigor da gestão

A intrigas palacianas na TAPNão sabemos bem quando, nem sequer isso importa nada, o governo contratou o brasileiro Fernando Pinto para dirigir os destinos da TAP. Lá veio o homem, a ganhar mais do que o dobro do salário mínimo nacional - português, é claro!, porque somos uns mecenas quando comparados com os nossos irmãos - e com objectivos pre-definidos, segundo cremos. Na altura presidia ao conselho de administração o Dr Norberto Pilar, avançado na idade e a merecer descanso. Nunca se vislumbrou bem como iriam coexistir e quem, de facto, iria mandar. Logo depois do ministro, bem entendido.

O tempo mudou e com ele foi-se o Dr Norberto Pilar e veio o Eng Cardoso Cunha. Assim no género de quem muda as moscas quando impera a canícula do Estio. A representação persistiu, com nova encenação e outros actores, mas sem se saber quem, de facto, mandaria. Logo depois do ministro, bem entendido. Há pouco tempo o país foi acordado com o berreiro do Eng Cunha em resposta a lucros - notem bem, lucros! - divulgados, ao que parece, pelo Eng Pinto. O Eng Cunha, presidente do conselho de administração, alegava não conhecer as contas e não as ter aprovado. As declarações pareciam ter sido redigidas pelo melhor espírito surrealista do Sr Cesariny de Vasconcelos. O Eng Cunha era presidente do conselho de administração da TAP mas não sabia onde é que esta tinha a sede e não conhecia o caminho que lá ia dar!

Hoje o país acorda com os noticiários a berrarem que o Eng Pinto se demitiu e com este calado. Com este a manter-se calado, a notícia é desmentida. Mas adivinha-se que o Eng Cunha não está contente com os lucros obtidos e quererá substituir o Eng Pinto. Que se mantém calado! De forma a ter a oportunidade de manifestar, de novo, a eficácia revelada na gestão da Expo 98, de triste memória, com muitos milhões de contos de prejuízos. Às centenas! E a berrar que a sua gestão foi um sucesso, com toda a gente a bater palmas sempre que o José Carlos Malato manda. E com o Eng Pinto teimosamente calado.

Nos entretantos, o parlamento descobriu o problema que aflige o país e ameaça perturbar o fim de semana aos deputados, roubando-lhes o sono: o governo terá ou não intenções de renovar o contrato do Eng Pinto? É preciso sabê-lo. Rapidamente e em força. Para Angola não, que de lá veio o Eng Cunha. Satisfeita a pretensão, se o vier a ser, achamos que para a semana o parlamento deve obter esclarecimentos sobre a renovação do contrato do Sr Scolari: o governo, pela mão do Dr Madail, vai ou não renová-lo? O país está suspenso. No Porto os médicos do Hospital de Santo António já estão em greve e os cabelos do Sr Pinto da Costa nem com gel aceitam o domínio do pente. A mão, carinhosa, da D. Catarina não consegue melhores resultados. Quanto ao Sr Mourinho, já disse que ia emigrar. Podia-se aproveitar a oportunidade e inclui-lo no grupo que, segundo se espera, na próxima semana seguirá para o Iraque!

15 de abril de 2004

25 de Abril - 30 anos!

Postal de Vieira da SilvaQuando faltam dez dias para o vinte e cinco de Abril aí estão eles! Os cartazes, espalhados pelas esquinas, pendurados nos autocarros, a cheirar a peixe nas bancas dos mercados. Ridículos, estúpidos, ofensivos. 25 de Abril - 30 anos de evolução é um slogan imbecil pelo qual seguramente se pagou bem a um qualquer auto-denominado criativo. Para ser arrogantemente insultuoso e atrevidamente ignorante.

Com o facciosismo Portugal faz um bicho de sete cabeças de coisas que não valem nada, que não representam coisa nenhuma. Quem agora quer monopolizar o 25 de Abril foi quem lhe não deu nenhum contributo a não ser o de se aproveitar dele. Basta ter um mínimo de bom senso para não qualificar os 30 anos do 25 de Abril. Porque não é preciso. Nem revolução, nem evolução, nem sequer golpe de estado, como quer o impagável JMF. O 25 de Abril é uma data que pertence ao país e à sua história recente. E tanto pertence ao Dr Carvalhas como ao conselheiro Albino dos Reis. Tanto é propriedade do Dr Portas como do senhor Cazal Ribeiro.

Bastaria dizer: 25 de Abril - 30 anos! E ensiná-lo nas escolas, dá-lo como cultura geral às novas gerações, às que já nasceram depois dele. É preciso é que as pessoas se assumam tal como são, com qualidades e com defeitos. Que sejam responsáveis pelos actos e atitudes que tomaram na vida. Que não omitam o seu passado como faz o nosso primeiro ministro que não refere nunca a sua militância no MRPP na biografia de mais de 800 palavras que tem no site do governo. Diz ele que foram leviandades dos dezoito anos, o que corresponde a qualificar de irresponsáveis todos os que têm aquela idade. Mas que já votam, e oxalá nessa altura se lembrem do dislate do Dr Barroso.

A história não se branqueia como o dinheiro do contrabando ou do tráfico da droga. Assume-se! Ninguém, até hoje, saneou dela D. Afonso Henriques e ninguém vai riscar das suas páginas o Dr Salazar. Como a Alemanha não vai limpar Hitler ou a Espanha esconder Franco. É abusivo agir de outra forma, como se a história tivesse dono e a descolonização exemplar tivesse sido a que fez o Dr Portas. Imberbe, de bibe e calções, a rabiscar libelos acusatórios sempre com data do dia anterior!

Foi um erro estratégico…

Não é por questão de autocrítica. Tão pouco para nos penitenciarmos. É simplesmente por acto de irrecorrível justiça e, como quem erra, depois de o constatar, damos a mão à palmatória. Desta vez não têm razão aqueles que armaram o berreiro visando a figura do "médium" José Manuel Fernandes. Até com petições que circulam na internet a solicitar o seu envio para o Iraque. Que, absurdo dos absurdos, nós próprios subscrevemos. Logo manhã cedo, com os olhos ainda semicerrados à força da ramela e o espírito meio ensonado de quem ainda não via o sol despontar a oriente. Vai sendo tempo de decidir que o sol se levante a ocidente, há tradições que não se compreendem e menos se suportam!

Já antes o Fernão Mendes Delgado, cronista de turno no Diário Digital, alertava para a mesma situação inglória. Num país curto e estreito - que não pequeno! - como Portugal, 20 pessoas perderam a vida na estrada nos dias da quadra pascal. Correndo estupidamente atrás de algum saquito de celofane com 125 gramas de amêndoas de qualidade inferior, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. Ah! E para esperar na casa da terra pela antiguidade arqueológica que é o compasso, trazendo à frente um pároco de aldeia, velho e trôpego, sem sucessor matriculado em nenhum dos seminários que ainda sobrevivem.

Que importância terão 8 civis (repetimos: oito) portugueses que, no Iraque, correm conscientes do seu esforço libertador - e evangelizador! - atrás do infiel islamita que faz jejum durante o dia para se empanzinar à noite, que obriga as suas muitas mulheres a andarem de cara coberta na rua para as submeter sabe Alá a que deboches depois do por do sol. Oito não é sequer nenhum número especial que carregue um inesperado sortilégio. Qualquer desafio de futebol pode prosseguir mesmo que uma das equipas, seja pelo que for, tenha ficado reduzida a oito jogadores.

Agora é perfeitamente claro que o Dr Barroso mandou ao invisível Bin Laden, para paradeiro desconhecido, uma clara mensagem de fraqueza ao dizer que não garante a segurança dos oito compatriotas civis residentes no Iraque. Ele devia era ter mandado o ministro Figueiredo Lopes dar instruções directas ao contingente da GNR que lá está a garantir a libertação e o progresso. Para que atirassem armas e munições pelas janelas, abandonassem as viaturas pelas ruas e se esquecessem, propositadamente, dos fardos de bacalhau à soleira da porta. Para que os terroristas fossem levados a pensar que se tudo aquilo era negligentemente abandonado, muito mais equipamentos e géneros estariam a recato na penumbra das arrecadações. À maneira dos cercos que se faziam na idade média.

E assim? O que se conseguiu? Que o invisível Bin Laden, de paradeiro desconhecido, tivesse mandado perguntar: querem tréguas? Se quiserem, peçam-nas! Anunciando que apenas recusará liminarmente as petições que lhe forem apresentadas pelo George W. Bush.

Por isso!...

Deputado Telmo CorreiaDisse o deputado do CDS, Telmo Correia, com todas as letras:

Mandasse eu no mundo, Condoleezza Rice e Kofi Annan seriam meus colaboradores.

Não me surpreende a afirmação, quanto à primeira. Nunca a tive em grande conceito e nunca acreditei que estivesse destinada a altos cargos. Por falta de traquejo e de outros predicados e qualificações. Portanto qualquer lugarzito na base da hierarquia, como contínua ou auxiliar de limpeza de um chefe de secção, lhe ficaria bem. Mesmo que, em Portugal, esses cargos sejam, como se sabe, de nomeação política, embora sem publicação no Diário da República e sem visto do Tribunal de Contas.

Já quanto ao segundo fico surpreendido: julgava-o capaz de mais altos voos! É um homem que fala com facilidade, até mesmo a língua inglesa, e que veste ao figurino de Oxford Street. Só compreendo a preferência de Telmo Correia com base num atributo: a cor da pele. O que não está certo! Nunca, apesar de tudo, julguei o deputado Telmo Correia capaz de tal coisa. Mas também devo confessar que, em boa verdade, nunca o julguei capaz de coisa nenhuma!

14 de abril de 2004

A gestão empresarial por objectivos

Um dos chavões repetitivos e inconsequentes dos denominados gestores é falar em gestão por objectivos. Que regra geral ninguém define prévia, nem sequer atempadamente. E que, depois, ninguém ousa controlar, não vá o diabo tecê-las. Como se sabe os ambientes de confusão e descontrolo favorecem sempre quem age de má fé. A ilação aplica-se com propriedade aos chamados gestores públicos que, mais do que gestores, são desempregados da política. As empresas públicas são prateleiras douradas onde os políticos corridos dos corredores do poder se mantêm em situação de pré-reforma ou beneficiam de um confortável subsídio de desemprego acrescido de múltiplas benesses.

São invariavelmente amigos e correligionários do ministro que exerce a tutela ou, se a influência deste for reduzida, são indigitados por aquilo a que pomposamente chamam a máquina partidária. Têm, via de regra, que garantir que o ordenado lhes é creditado na conta bancária que indicaram, que manusear três cartões de crédito cujas contas são pagas pela empresa e que utilizar durante 24 horas por dia, todos os dias do ano, um automóvel topo de gama que, ao fim de três anos, adquirem por um irrisório valor residual previamente acordado com uma qualquer empresa de locação de que um também qualquer amigo é administrador.

Actualmente levam na manga a tarefa de preparar as empresas, de capitais inteiramente públicos - que eufemisticamente quer dizer nossos! - para a privatização. Ou seja, para trocar a patacos numa negociata feita de preferência por acerto directo em que se possam arrecadar uns cobres para acautelar a reforma. Porque a segurança social é aquilo que todos sabemos e que o ministro Bagão tem feito dela. Foi por esta via que o Sr Mello assegurou o controlo das auto-estradas, onde somos cada vez mais roubados a pretexto da retoma económica, e a família Espírito Santo põe e dispõe na Portugal Telecom, publicando anúncios de página inteira a dizer que ao domingo é a PT que paga. Quando, como se sabe, quem pagou antecipadamente, há cinco anos atrás, foram os vilipendiados e indefesos consumidores a que abusivamente agora chamam clientes.

Quando, sem precisar de perceber nada do negócio, se desmantelou a empresa, se despediu a maioria do pessoal e se fraccionou a actividade pelo círculo de amigos, anuncia-se numa entrevista que a empresa está pronta para a privatização. O que, sem mais, quer exactamente dizer que está pronta para o enterro e que pode ser alienada por dez réis de mel coado porque os prejuízos acumulados já são incomportáveis.

A título de aumentar a produtividade regateiam-se os aumentos salariais, no caso de pura e simplesmente se não poderem impedir, como fez a ministra Ferreira Leite. Publica-se uma lei a aumentar o número de dias de férias e não se define, por premeditação, quando é que surtirá efeitos. Para que, cobertos de razão, os ministros e os empresários possam divergir e o povoléu achar mesmo que estão zangados uns com os outros. No fim, não estão. Os empresários de hoje são os ministros de ontem e os ministros de hoje são os competentes gestores de amanhã. Come tudo da mesma panela, à conta do Zé!

13 de abril de 2004

Divagação sórdida versus revolta da dignidade

Depois de ter poupado os leitores do seu jornal durante alguns dias, em que presumivelmente terá chapinhado nas águas cálidas da Ilha Grande, esquecendo o seu fidagal inimigo de estimação em benefício das prebendas do clima, José Manuel Fernandes voltou. Como Fântomas sempre fez e logo para escrever americanices que nem aos desmiolados americanos ocorreram, sentindo-se mais papista que o papa. Como é hábito e sobre o Iraque, evidentemente. Para dizer:

... bastou uma semana de intensa luta entre milícias irregulares e as forças da coligação, luta essa acompanhada pela mais sórdida das tácticas de guerrilha - o rapto de civis para exercer chantagem -, para que de imediato regressasse o discurso sobre o "pântano" do Vietname e jornais como "The New York Times" viessem pedir "um plano de saída moralmente viável". Ou seja, uma fuga honrosa. Contudo, não só o que está em jogo no Iraque é muito mais importante do que uma das "batalhas laterais" da guerra fria...

Por ironia de paginação, logo ao lado, o artigo semanal de Vital Moreira cujo título, desde logo, parece ter destinatário pre-definido: "É a ocupação, estúpido!". Para dizer:

O que está a vir ao de cima é a revolta da dignidade e do orgulho nacional contra a violência da ocupação. Mesmo que a esmagadora maioria dos iraquianos sinta alívio pelo fim da ditadura de Saddam Hussein, isso não significa automaticamente qualquer contentamento pela persistência de uma ocupação que não somente destruiu boa parte do país e fez do Iraque um paraíso do terrorismo internacional como tem reprimido pela força todas as manifestações de resistência, ainda por cima com violência desproporcionada.

Mesmo com algum atraso não quererá algum benemérito amanhã, numa aberta, ler ao JMF o artigo do professor VM? A ver se, por uma vez, o mesmo aprende a arrumar ideias e a pensar usando o volume de massa encefálica que carrega? Em vez de falar de técnicas sórdidas de guerrilha, como se ela as tivesse também transparentes, a justificarem o Nobel da Paz. Como a guerra santa do JMF certamente terá, disso não tem ele dúvidas! Não é preciso ter lata. É preciso mesmo é não ter vergonha nenhuma!

Os portugueses são um bocado para o exagerado

Socorremo-nos daquilo que temos à mão e que usamos com frequência diária: a sexta edição do Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora. Daí transcrevemos, omitindo as abreviaturas que, neste caso, entendemos serem dispensáveis:

Arrasar, verbo transitivo. Tornar raso; aplanar; nivelar; igualar; demolir; destruir; arruinar; encher até aos bordos; fatigar excessivamente; humilhar; abater-se; arruinar-se; estragar-se; decair.

Nunca é demais, por mais recorrente que isso possa ser, insistir em questões que são fundamentais. Os portugueses têm uma tendência atávica e doentia para o exagero que, vindo a acentuar-se nos nossos dias, já vem de longe. Tão de longe como a relação atribulada com a sua própria língua e, de um modo geral, com todos os seus símbolos, sejam eles positivos ou negativos.

A relação com a língua portuguesa, então, é um desastre. A todos os níveis. O que, nos dias que correm, apenas consegue surpreender os professores e o ministério da educação. O ministro, como se sabe, confessa a surpresa, abre a boca de espanto e, de seguida, anuncia a última e derradeira reforma. Aquela que finalmente e de uma vez por todas vai resolver todas as maleitas, melhorar as notas nas escolas e pôr toda a gente a ler os romances dos senhores Saramago e Lobo Antunes. Entretanto os espanhóis com menos possibilidades financeiras, que se vêem coagidos a visitar-nos pela Páscoa, regressam convencidos de que os portugueses adoptaram, como língua oficial, um inglês meio cavernoso que se não fala em sítio nenhum. Nem no Texas!

A falta de rigor, em tudo, é uma constante nacional. Orgulhamo-nos dela e erguemo-la como se fosse uma bandeira que desfraldamos ao vento. O ministro Marques Mendes, pequeno no tamanho, é grande nos atrasos. Os espectáculos deviam começar na altura em que os guitarristas ainda substituem as cordas dos instrumentos e os afinam em acordes isolados. Parte-se do Porto às onze horas para estar numa reunião, em Lisboa, ao meio dia. Como se a auto-estrada do norte permitisse a mesma velocidade com que os astronautas andam à volta da terra. Mesmo que haja cada vez mais quem o tente.

Tribunal de ContasO uso da língua rege-se pelos mesmos parâmetros: pela descuidada falta de rigor e pela ostensiva ignorância. Quem se quiser aperceber disso basta que ouça os noticiários da rádio, veja os das televisões e atente nos títulos dos jornais. Ainda hoje, na primeira página, o Público titula: Tribunal de Contas arrasa gestão do Metro de Lisboa. E, na chamada que faz à primeira página, não se fica por menos: a última auditoria não podia ser mais esmagadora: falta de maturidade e rigor e descontrolo praticamente constante.

Quanto ao título! É óbvio que o omnisciente Tribunal de Contas encheu até aos bordos a gestão do Metro de Lisboa que, naturalmente, terá sido forçada a transbordar. Como se crê que o túnel do Terreiro do Paço continua inundado, o transbordo sobrará directamente para o leito do Tejo. Vai causar dificuldades à navegação, à entrada da barra e afastar, na enxurrada, os peixes que tardiamente o subissem para a desova. Depois disso, uma auditoria esmagadora de certeza que pesa quase tanto como o Rainha Maria Dois que, dias atrás, passou por debaixo da ponte. Já os mimos com que é distinguida a gestão, não são excessivos. É o que dá o governo nomear clientes de cartão, imberbes, imaturos e, como vimos repetindo, sem a mínima noção do que seja rigor. Atributo que, ao menos, é do domínio do Tribunal de Contas! Nem sequer o descontrolo conseguiu ser constante e uniforme, foi sendo como dava mais jeito ou como saía em sorte na praça de touros de Santarém: descontrolo aqui, controlo acoli!

Talvez por isso se diga frequentemente, com um ar de erudição alarve, que a língua portuguesa é muito traiçoeira. E é!