13 de novembro de 2003

As peripécias do Sr Castelo Branco

Chegado ao aeroporto da Portela, de proveniência exótica ou cosmopolita – que ambas lhe vão bem! – desembarcou e aguardou pelas bagagens. Carregou-as à medida que o tapete rolante lhas foi trazendo num daqueles carrinhos que, em andamento, se inclinam sempre na direcção errada. Tranquilo, apontou ao corredor destinado à via verde. Distraído, nem se lembrou que lhe faltava o identificador da Brisa colado na frente. Inevitável, à sua passagem, com a querida cara-metade a segui-lo de perto, o alarme electrónico soou. Um som discreto, em surdina, para se não confundir com as sirenes dos bombeiros em dia de incêndio: beep.

Profissional, como aquele arquitecto que vai ganhar muito dinheiro com o Parque Mayer e de que o Dr Santana gosta muito, o funcionário apressou-se a chegar-se a ele. Presto, - sem ser detergente, que isto não é novela! – pôs-lhe a mão no braço esquerdo e falou-lhe. Baixo, para não chamar a atenção de terceiros e não assustar viajantes menos prevenidos. E disse-lhes: façam o favor de me acompanhar. Sorrateiramente, como convém, levou-os para uma pequena sala interior, de vidros fumados e mobiliário insuficiente e vulgar, mal iluminado.

Educamente, voltou a falar: vamos ter de verificar a sua bagagem. Distante, perguntou: a sua identificação se faz favor. A pergunta, simples e directa, bateu como uma afronta. José Castelo Branco, em português que não sabe, “passou-se”! Puxou da carteira em pele de cobra – nada amigo dos animais, o rapaz! – que tinha no bolso de dentro do casaco aos quadrados, com uma etiqueta de dimensões exageradas à vista de toda a gente onde se lia “Versace”. Tirou um cartão de visita pessoal em que o seu nome figurava escrito em três línguas:

J. Castelo Branco
J. Chateau Blanc
J. White Castle

Seguido por mais duas linhas em que, em letra pequenina, como a que indica as taxas de juro nos anúncios dos bancos, figuravam moradas e números de telefone. Irritado, com a comichão a chegar-lhe aos cotovelos, sussurrou entre dentes: imbecil, nem me conhece. E estendeu-o ao funcionário. Com nostalgia e sem saudades recordou-se que na terra persistiam em conhecê-lo por José e em chamar-lhe “finório dum... beep”.

As malas foram revistadas, sem pressas, demoradamente, uma a uma, a noite era uma criança. Pelas mãos do funcionário, usando luvas, daquelas que se usam uma vez e se deitam fora, como os preservativos. E que, como estes, também muitas vezes não evitam coisa nenhuma. Pela frente do funcionário discreto, profissional e quase venerador, foram passando as mais diversas peças de vestuário, sempre ostentanto etiquetas visíveis do outro lado do pavilhão. Com feitios esquisitos e de padrões invulgares, coisas de gente da alta, está-se a ver. Desde cuecas a parecerem camisolas do Boavista a “soutiens” sem espaço para armazenar mamas nenhumas e cores que nem os computadores fabricam.

Pelo meio, de vez em quando, lá ia caindo um relógio Rolex – e estes passageiros não vinham da China como o Sr. Berlusconi e comitiva! – umas gargantilhas, umas pulseiras, uns adornos menos vistos pelas bandas de cá. O finório ia corando, gaguejando enquanto tentava explicar a legal proveviência de tudo, mesmo que não trouxesse recibos.

Terminada a tarefa, quase cedendo ao sono e ao turno que corria para o fim, o funcionário manteve a compostura. Inflexível, aguentou-se no profissionalismo que era divisa dos serviços. Firme, decretou: desculpe-me Sr. Castle ou Chateau ou lá o que é. Mas o senhor vai ter que ser detido para prestar declarações. Tenho muita pena, mas tem que ser.

O finório alegou jantares, festas e saraus inadiáveis, casamentos, baptizados e despedidas de solteiro a que se comprometera a estar presente. Mas rapidamente percebeu que de nada serviria a conversa. Acabrunhado, conformou-se. Mesmo assim, por entre dentes, exclamou desalentado: beep!

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