A fome e a miséria não são fatalidades
Há ainda apenas uma semana um jornal diário publicou umas páginas sobre a fome e a miséria em Portugal. Foi o suficiente para que o país se alvoroçasse e se fingisse escandalizado com a revelação. Porque o país, honestamente, agita-se com pouco. Borbulha, atinge o ponto de ebulição, ferve a baixa temperatura, como se estivesse à altitude do Nepal. O ministro, que certamente por ironia é chamado da solidariedade, manifestou-se apreensivo, que é uma das faculdades dos ministros. E anunciou, ao abrigo de uma também vulgar competência dos ministros, a encomenda de um estudo sobre o assunto. A encomenda do estudo será sem concurso público, para não perder tempo e conseguir ter relatórios a horas de coisa nenhuma. Enquanto, no campo, estudantes de um qualquer politécnico farão entrevistas e serão pagos à peça, o ministro respira, assobia para o lado e vai ao futebol. Uma assistente social estagiária coordenará os trabalhos, compilará as entrevistas e reportará aos crâneos que redigirão os relatórios. Em português medíocre meio entremeado com inglês das docas.
Ainda o estudo não foi adjudicado, já o país se esqueceu e o ministro viajou para Bruxelas a reclamar o subsídio. Porque o ministério é muito mais dependente do subsídio do que da fome ou até mesmo da miséria. Depois há sempre o recurso à comparação, inevitavelmente favorável, de se poder assegurar que a situação é muito mais negra no Biafra ou até mesmo em Angola, apesar do petróleo, dos diamantes e do José Eduardo dos Santos. Entretanto prosseguem as obras para que o Euro 2004 comece sem sobressaltos, a tempo e horas, satisfazendo as condições que, ditadora, a UEFA impõe aos donos da bola. Nesse dia nenhum subalimentado sentirá o estomâgo colar-se-lhe às costelas. Estarão todos fartos, de barriga cheia.
A fome e a miséria não são nem uma fatalidade nem uma vergonha. São um crime de que nos deveríamos acusar todos, voluntariamente, sem necessidade do Ministério Público. Ser julgados sem direito a nenhuma defesa. Condenados sem prerrogativa de recurso para nenhuma outra instância. Não é apenas o ministro que anda distraído. Esse anda-o por função e exigência do protocolo, ninguém espera nada dele, pelo menos de bom. Mas nós não, nós vemo-los pelas esquinas da noite, quebrando o frio à força de alcóol, aquecidos por dentro à custa do tabaco. Esgaravatando sacos e contentores dos nossos restos, como crianças de África, avidamente procurando os restos que ninguém deixou. Nós, afinal, esbanjamos. Os nossos animais de estimação recusam o alimento que evitaria a morte de duas crianças antes de chegaram à escola. Recusamos a misericórdia de uma moeda para um pão e ficamos a aguardar os resultados do estudo do ministro.
É uma espécie rara a espécie humana. Tanto se degladia, tanto se agride, tanto se flagela e nunca se extingue. Como uma praga. Não temos, quanto a isto, muito de que nos orgulhar. E, estupidamente, estamos convencidos que sim!
Ainda o estudo não foi adjudicado, já o país se esqueceu e o ministro viajou para Bruxelas a reclamar o subsídio. Porque o ministério é muito mais dependente do subsídio do que da fome ou até mesmo da miséria. Depois há sempre o recurso à comparação, inevitavelmente favorável, de se poder assegurar que a situação é muito mais negra no Biafra ou até mesmo em Angola, apesar do petróleo, dos diamantes e do José Eduardo dos Santos. Entretanto prosseguem as obras para que o Euro 2004 comece sem sobressaltos, a tempo e horas, satisfazendo as condições que, ditadora, a UEFA impõe aos donos da bola. Nesse dia nenhum subalimentado sentirá o estomâgo colar-se-lhe às costelas. Estarão todos fartos, de barriga cheia.
A fome e a miséria não são nem uma fatalidade nem uma vergonha. São um crime de que nos deveríamos acusar todos, voluntariamente, sem necessidade do Ministério Público. Ser julgados sem direito a nenhuma defesa. Condenados sem prerrogativa de recurso para nenhuma outra instância. Não é apenas o ministro que anda distraído. Esse anda-o por função e exigência do protocolo, ninguém espera nada dele, pelo menos de bom. Mas nós não, nós vemo-los pelas esquinas da noite, quebrando o frio à força de alcóol, aquecidos por dentro à custa do tabaco. Esgaravatando sacos e contentores dos nossos restos, como crianças de África, avidamente procurando os restos que ninguém deixou. Nós, afinal, esbanjamos. Os nossos animais de estimação recusam o alimento que evitaria a morte de duas crianças antes de chegaram à escola. Recusamos a misericórdia de uma moeda para um pão e ficamos a aguardar os resultados do estudo do ministro.
É uma espécie rara a espécie humana. Tanto se degladia, tanto se agride, tanto se flagela e nunca se extingue. Como uma praga. Não temos, quanto a isto, muito de que nos orgulhar. E, estupidamente, estamos convencidos que sim!
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