2 de agosto de 2004

Em memória de Zeca Afonso

Se fosse vivo José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos completaria hoje 75 anos de idade. Mas a verdade é que já morreu há mais de 17 anos, vitimado por doença reles, cínica e traiçoeira como a designação que ostenta: esclerose lateral amiotrófica. Connosco, todavia, continua Zeca Afonso, o mesmo de sempre. Voluntarioso, honesto, vertical. Cavalgando o sonho de que o mundo, sem nenhuma utopia, possa ser um pouco melhor para aqueles que não têm nada. Nem tão pouco aquele mínimo de calorias que a ciência médica diz ser imprescindível para que se sobreviva. E que é um direito que se não adquire e que se não perde. Pelo qual nem sequer deveria ser preciso lutar porque toda a gente, do polo norte ao polo sul, de Portugal às antípodas, tem naturalmente o direito a estar viva. Sem ser condenada à morte à míngua de alimentos.

Zeca acreditou em ideais simples e lineares e empenhou-se na tarefa de contribuir para que se alcançassem. Recusou-se a assinar propostas de filiação, não sobrecarregou o bolso com cartões inúteis, não quis logotipos, emblemas ou sinetes. Por muito que reclamassem o seu apoio para a eleição da colectividade de bairro ou se confessasse adepto do clube da aldeia. Em vida recusou a condecoração que o presidente da República entendeu atribuir-lhe. Por coerência a viúva voltou a recusá-la a título póstumo: se a recusou em vida não gostaria de a receber depois de morto!

Por alturas da sua morte recordo como um insulto os cabelos compridos e as ideias curtas de um rapaz que ganhou o festival RTP da canção cujo apelido, se me recordo, era Gama. Mas cujo nome não era Vasco. Dizia ele, ignorante e alarve - a ignorância é muitas vezes alarve! - não lhe dizer nada o nome de Zeca Afonso e não conhecer o seu trabalho. Não me ocorre, passados estes anos, o nome do rapaz. Da obra-prima com que ganhou um festival que ninguém recorda, não ficou nada. Nem o nome da canção, nem a letra, nem a melodia. Em Aveiro, onde Zeca nasceu, o seu nome é integrado na toponímia municipal. No Porto já o tinha sido!

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