22 de novembro de 2003

O sarilho do Carrilho

Haja respeito! O sarilho é o sarilho vulgar, comum, conhecido de todos. Substantivo masculino que, em sentido figurado, pode querer dizer roda-viva, giro, complicação, situação difícil, barulho, briga, confusão, desordem, rixa, trapalhada, dificuldade. Isto a fazer fé no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, 6.ª edição.

Mas Carrilho não! Carrilho é nome próprio. Se não fosse, era também substantivo comum e poderia querer dizer sabugo da espiga de milho, o mesmo que carolo, bochecha, face, ainda a fazer fé no mesmo dicionário. Mas pertence a pessoa, com bilhete de identidade, passaporte, habitando residência urbana, com número de polícia e porta para a rua.

Nem mais. É apelido do professor doutor Manuel Maria, comentador de televisão ainda com pouca experiência mas cujo futuro promete, deputado, cronista, redactor de cartas abertas, figura da sociedade que frequenta os jantares do casino e ex-ministro da cultura que reduziu o Dr Santos Silva a presidente de banco depois de ter acumulado durante algum tempo com a tristemente célebre Porto 2001, capital europeia da cultura.

E qual é o sarilho? O professor doutor é um homem moderno, toda a gente o sabe, dedicou-se às novas tecnologias, adquiriu um computador lá para casa, para se entreter nas horas livres – que são poucas, a vida social intensa toma-lhe o tempo todo, às vezes anda numa roda-viva, chega a parecer o Zé Castelo Branco sem a história daquelas jóias todas que lhe apreenderam no aeroporto – e navegar, como se diz, pela internet que é uma coisa que se não admite passar-nos ao lado. Tanto mais que mesmo o Sr Bill Gates, que já não precisa muito, vai aumentando a fortuna à custa dela e até os miúdos se perdem no seu interior, por vezes em sítios e com coisas que não deviam.

Construiu um “site” – quer dizer, o aspecto não é bem de trabalho feito por professor de filosofia, mas pode até ser uma vocação tardia e acredita-se, pronto. O aspecto gráfico é cuidado, as fotografias podiam ter mais luz, serem a cores, as rugas até lhe dariam um ar mais distinto, nem a Bábá havia de se importar com isso. A página de acolhimento acho que não é feliz com a alusão ao catastrofismo, o professor Marcelo não havia de gostar se soubesse, mas parece que ele perde o tempo é com mensagens nos telemóveis, de internet nem peva!

Quanto ao conteúdo o professor é, ao contrário do que parece, muito menos meticuloso que o Sr José Mourinho ou o Eng Fernando Santos que até nos treinos anotam tudo. Gastam cadernos atrás de cadernos e esferográficas atrás de esferográficas. Tem de cuidar mais desse aspecto, mesmo que depois não ligue nada ao que aponta. As pessoas gostam de ver que anota todos os compromissos, as datas dos aniversários dos familiares e amigos, as festas de benemerência no casino, a próxima vacina do caniche no veterinário, a ida ao cabeleireiro para ajeitar o cabelo e disfarçar as brancas.

As crónicas estão bem escritas e aquela sobre as pontes recomendo-lhe que a envie ao Instituto das Estradas onde poderá dar jeito. Ou eles evitam que caiam mais ou caiem todas de uma vez, então agora que nem o seu partido é governo nem o Dr Coelho é ministro para ter que se demitir. Ter, vírgula, que se da outra vez se demitiu foi porque quis, ninguém o obrigou. E os Drs Isaltino e Cruz já lá não estão porque não quiseram, o primeiro viajou a visitar o sobrinho da Suiça e o segundo a acompanhar a filha que foi estudar medicina para o estrangeiro. Mas a produção é reduzida, a dar razão à Dra Manuela e ao Eng Ludgero. É preciso aumentá-la para ver se apanhamos a Grécia, antes que a Eslováquia nos passe. Vá vendo o que produz o Dr Pacheco, aquela cabeça não para, de um lado para o outro, sempre a emitir opinião, sempre a escrever coisas. E já viu o que ele sabe, só do Dr Cunhal?

As intervenções afinal é uma intervenção com seis meses. É pouco professor, é pouco! O Dr Alberto João, num governo de aldeia, faz muito mais, mesmo com a poncha. E por cá o Dr Guilherme também se não cala, farta-se de falar, está sempre na primeira fila. É preciso insistir, sacrificar-se um pouco mais, reduzir as saídas à noite, declinar convites para algumas passagens de modelos. Custa não agradar a todos os que têm a gentileza de o convidar, mas tem que ser.

Quanto ao currículo, é curto para quem quer chegar longe e depressa. Está muito sintético! Então já imaginou a comparação com a da Sra ministra do ensino superior? Não sei quantas páginas, parece que vai ser publicado pelo Círculo de Leitores em três volumes, já viu a tiragem? Vai ser “best seller” de certeza. Reveja-o, aumente-o, mais uns colóquios, uns seminários internacionais mesmo subsidiados – desde que a Bayer não esteja metida nisso! – umas condecorações, mais medalhas, outras mordomias. Das ex-repúblicas soviéticas, arranjam-se com facilidade na origem e já encontrei algumas até na feira da Vandoma. Venha ao Porto à procura delas, tem é que vir cedo para não encontrar tudo muito escolhido.

Os livros publicados, está bem, não se lhe pode exigir que produza o mesmo do camarada Saramago ou do Dr Lobo Antunes. Com esses tem a caneta que correr atrás das idéias e às vezes fica para trás. Mas está bem, como homem tinha que escrever um e já lá está mais de uma dúzia. Já plantou a árvore? E já fez o filho como aquele Morgado, deputado do CDS?

As entrevistas, ai as entrevistas! É uma entrevista, também com seis meses de idade, o que é pouco. Ponha-se em bicos de pés, apareça nas televisões, diga coisas. Contacte as redacções dos jornais e os produtores de rádio. Nem que vá ao sábado à tarde para a TSF ser entrevistado pelo Sr Tavares Teles, desde que lhe diga sempre que quem vai ganhar é o FC Porto. Faça declarações ao Record, antes e depois dos plenários da assembleia. Diga que os franceses empolaram aquilo que ainda agora, na euforia da vitória, os nossos rapazes fizeram depois da eliminatória com eles. E seja pessoal, satisfaça a curiosidade feminina. Diga a cor dos olhos, a altura e a medida dos sapatos. Revele as marcas de roupa interior que usa, com o Sr José Castelo Branco, tudo Gucci. Ocupe as colunas do Sr Carlos Castro, vista Rosa e Teixeira, mesmo de saldo, não importa. Ponha gel no cabelo sem lhe dar esse aspecto muito penteadinho, a revelar alguma irreverência.

E ponha um contador no seu “site” para ver os resultados. Vai ver como as coisas melhoram. Ande para a frente, aqueles gajos do largo do Rato são uns tótós, vai passar-lhes à frente com uma perna às costas. Eles ainda estão na época dos livros da agência portuguesa de revistas, são poucos os que já se aventuram na erudição da D. Margarida Rebelo Pinto!

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