É carnaval, nada parece mal

Amanhã manda a tradição que nos empanzinemos à mesa, com travessas de tamanho XXL, repletas de cozido à portuguesa, a transbordarem, à força de um maduro tinto encorpado, não importa de que região. Comemoramos, a um tempo, a folia do Entrudo e o espírito mordaz e cirúrgico do saudoso José Rodrigues Miguéis naquele livrinho exemplar que é o "É proibido apontar". No dia seguinte é quarta-feira de cinzas, acabou a dança e a folia como nos lembra a cantiga do Chico Buarque, começa a Quaresma e o jejum, até à Páscoa. Salvo quem tiver ido à sua paróquia adquirir a necessária bula, ninguém deve comer carne. O que vem, neste período de imagens cobertas nas igrejas, por tecidos tristes, roxos e púrpura, inflacionar o preço já de si proibitivo de qualquer tipo de carne.
Nada fica mal no decurso destes dias. Toda a gente faz o favor de nos tomar por incontidos foliões, a quem se perdoam todas as ousadias ou excessos. Ninguém se ri do país que somos, todos lhe damos o desconto que a época justifica. Rotulamos tudo de brincadeira de carnaval, achamos que algumas são excessivas, mas seguimos adiante porque um dia não são dias. Pegamos, como exemplo, na edição de hoje do Público e não tomamos a sério o seu director, os seus editorialistas, os seus redactores ou os seus fotógrafos. A edição é de carnaval e está tudo dito!

Uma curta notícia, ainda na primeira página, sobre o arranque do Fantasporto. Em castelhano, dizem! O director daquilo, que até parece que é de boas famílias, o Mário qualquer coisa, tem um apelido esquisito, mas não parece castelhano. Os castelhanos deu cabo deles o celebrado Condestável, como uma pequena ajuda da padeira. Outra, sobre a saúde: novo sistema acaba com o papel nas urgências. Não se pode acreditar, não é? Então manter o papel é uma elementar questão de higiene e, mesmo com ele, já se sabe a limpeza que por aí vai.
Na secção nacional vem o Dr Carvalhas com um apelo a dizer que é preciso mudar de orquestra. O homem, que passa a vida calado, resolveu também vir brincar ao carnaval. Então quando a malta ensaia o ritmo frenético das danças sul-americanas, atira ao ar cartuchos inteiros de coloridos confetis, sente os pés presos nos montes de serpentinas espalhadas pelo chão, aproveita a confusão e se afiambra no par que sobrou, vem este e manda parar a música como se um respeitável baile de carnaval fosse uma insignificante dança das cadeiras. Alguém acredita nisso?
No caderno local um artigo com o título "Romaria ao funicular dos Guindais já começou". A malta não tem grande instrução, isso é verdade. Depois, para confundir, chamam àquilo funicular de manhã e elevador à tarde. Às segundas-feiras não chamam nada porque a geringonça precisa de descanso. Mas não se confunde aquela porcaria com a santa da Ladeira e ninguém vai em peregrinação para um depósito de sucata. Ainda por cima a pagar um bilhete chamado "andante" para uma coisa que se recusa a mexer-se do sítio e que, depois de dois minutos de subida, precisa de duzentos litros de água e de uma hora de repouso. Para recuperação.
O que vale, de facto, é que seja carnaval. E que ninguém leve nenhuma destas e de outras brincadeiras a mal. A partir da quarta-feira de cinzas é que a porca vai torcer o rabo!
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