2 de abril de 2009

País exemplar

Portugal é um país exemplar em tudo. Até nas estatísticas da União Europeia onde, por questão de solidariedade, tem assinatura em lugares de relevância negativa. E um país exemplar é necessariamente exigente. Em Portugal, como se sabe, não há cunhas, compadrios, tráfico de influências ou corrupção. A prática política é inatacável e os políticos, a todos os níveis e nos mais díspares lugares, são pessoas sem mácula. Os lugares públicos, de natureza política, são disputados em eleições democráticas, precedidas de campanhas de moderação e respeito pelos adversários, com inúmeros e exequíveis projectos. Que, apenas pelo seu número e pela sua elevada qualidade, põem problemas de escolha ao eleitor. Abaixo desses lugares não há nomeações. Todos os cargos são providos por concursos públicos, rijamente disputados, que exigem dos candidatos diplomas académicos obtidos em escolas de reconhecido prestígio, habilitações profissionais adquiridas em cargos anteriorres e cadastro sem anotações e sem nódoas. Tudo para poder usufruir de um sofrível ordenado de funcionário público, sujeito aos descontos legais, sem direito a ajudas de custo, cartões de crédito ou automóveis de uso pessoal. Mais uma vez por soladariedade ou por devoção exacerbada ao interesse colectivo e ao bem comum. Foi com este espírito, e porque o país sendo exemplar não é rico como a Arábia Saudita, que o Doutor Cavaco foi primeiro ministro com um ordenado idêntico ao do motorista do chanceler alemão. E só Deus e ele próprio sabem as dificuldades que isso levantou para realização das obras na Travessa do Possolo e na vivenda Mariani.

Foi pelo seu passado como militar, onde devem estar em causa armas e não sacos de batatas, que Valentim Loureiro chegou a presidente do Boavista, da Liga de futebol e da Câmara de Gondomar. Foi assim que, para melhor servir ao seus munícipes, Fátima Felgueiras se ausentou para o Brasil e para a praia de Copacabana, a expensas da autarquia, onde se reciclou como o papel de jornal, de barriguinha para o ar, trabalhando para o bronze. E ainda agora, num julgamento que se sabe inútil porque o réu se jura inocente, Isaltino Morais declarou ter depositado alguns trocos em contas bancárias em seu nome, na Suiça, para os acautelar da malandragem que por aí campeia. Quando o assunto veio a público, uns anos atrás, jornalistas mal formados e orgãos de comunicação sem escrúpulos, tiveram a pouca vergonha de asseverar que o Dr Isaltino declarara que essa meia dúzia de tostões eram pertença de um seu sobrinho, por sinal motorista de táxi num dos cantões da confederação. E, mesmo que na Suiça, como na Alemanha, os motoristas sejam bem pagos, a verdade, verdadinha, é que o senhor de Oeiras nunca disse nada disso.

Agora, para os lados de Braga, uma empresa intermunicipal, viu ser nomeado para seu presidente o senhor Domingos Névoa, alto responsável por uma empresa de construção e exploração de parques de estacionamento, recentemente condenado por corrupção, em tribunal e por erro crasso deste, já se vê. Do facto, ao menos, resultou da pena um enriquecimento significativo do seu currículo pessoal, a troco da exorbitante multa de 5.000 euros da qual, por elementar sentido de justiça, se interpõs recurso. Mas o facto da condenação constar dos seus atributos, mesmo que ainda a título precário, convenceu o vitalício presidente da Câmara de Braga e os seus sócios na tal empresa. E nada melhor para corrigir uma aleivosia e uma injustiça como a que o tribunal cometeu em relação ao senhor Névoa, do que nomeá-lo presidente. Ao menos, pode acreditar-se nisso, o mesmo poderá de futuro corromper-se a sí próprio, com evidente economia de esforços e, espera-se, poupança de fundos. Na mesma senda, facínoras a cumprir penas de prisão serão nomeados guardas prisionais. Até que o senhor ministro da Justiça regulamente, em conveniente portaria, a carreira para ascenção a cargos mais elevados e mais dignos, como director prisional.

1 Comentários:

Às 11:38 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

País exemplar!
Daria para rir, se não fosse tão sério...
Fátima

 

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