A GNR e a ida para o Iraque
Ouço nos noticiários desta manhã que o primeiro ministro foi ontem, pessoalmente, despedir-se dos 128 elementos da GNR que hoje partem para o Iraque. Mais, ouço-o dizer, de viva voz, que pede a solidariedade de todos e que a exige mesmo, porque se julga nesse direito.
A afirmação desperta-me, desde logo, dilemas pessoais que nunca consegui resolver. E que têm a ver com o conceito e a extensão da democracia. Aceitando de forma elementar que democracia é o sistema político que faz residir a fonte da soberania no conjunto da população, no povo, sem qualquer discriminação, como consta de um vulgar dicionário da Porto Editora, a intervenção da população nunca vai além de ser fonte. Ponto final.
Mas fica-me sempre a dúvida sobre o poder que o voto legitima e a extensão com que esse voto pode ser utilizado. Porque nas mais elementares regras que perseguem a regulação da vida das empresas, por exemplo, estão contemplados orgãos de soberania que têm funções definidas e poderes objectivamente limitados. Mesmo em Portugal! E mesmo sabendo que no nosso país a maioria das empresas, independentemente da sua dimensão, são sistematicamente de natureza familiar. Quem manda, põe e dispõe, no grupo Espírito Santo, é o Dr Ricardo Salgado e a família. E o mesmo acontece com o Eng Belmiro de Azevedo, Sr Salvador Caetano, Sr Américo Amorim ou Sr José de Melo e outros.
Mesmo assim há decisões que, por lei, obrigam à aprovação em assembleia geral. Às vezes exigindo mesmo uma maioria qualificada. Nada disto se passa com o sistema político no qual, desde que conseguida uma maioria na Assembleia da República, o poder pode literalmente ser exercido como uma ditadura. Apenas com uma duração temporal limitada, porque não há maneira de a prolongar.
Penso eu que há decisões que são tomadas por um ministro ou por um governo que deveriam estar fora do limite das suas competências. Deveriam exigir a consulta ou a participação popular, como quiserem. Já sei que os que se apoiam naquilo que se faz e que se fez, que consta dos manuais teóricos, não estarão em desacordo comigo. Mais do que isso irão limitar-se a rotular-me de grosseiramente ignorante. Mas, mesmo sobre isso, quero salientar que sempre considerei igualmente ilegítima a decisão de Salazar de, em nome do país, ter proclamado a ida para Angola, imediatamente e em força. Nos idos de 1961, é claro!
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