24 de novembro de 2003

O primeiro ministro vai ao professor Karamba – III

Passados já mais de oito dias, numa tarde, no curto intervalo entre duas audiências, o assessor chegou-se-lhe rapidamente ao ouvido e perguntou baixinho: então, já há novidades? Agora não posso, tenho o gabinete cheio, a agenda mais que preenchida, mas não deixe que eu me esqueça de ligar ao professor, antes de sairmos.

Pouco depois das 20 o ritmo no gabinete abrandou, o pessoal foi saindo, já nenhum presidente de junta telefonava. O assessor lembrou-lhe a necessidade da chamada telefónica. Ligou e do outro lado atendeu a mesma voz melosa de sempre: para saber o seu horóscopo carregue um, para marcar consulta carregue dois, ..., para ser atendido pela operadora carregue nove. Pimba, com convicção caregou nove. Em fundo surgiu-lhe a música das meninas da Ribeira do Sado que foi trauteando para se relaxar um pouco.

Cinco minutos à espera, pareciam os centros de atendimento da PT. Mas lá veio uma voz feminina, rouca, de cantora de blues escandinava, nascida algures na Serra Leoa. Perguntou-lhe educadamente: em que posso ajudar? Ligue-me ao professor, replicou. Depois de alguns entraves, de dificuldades várias, lá conseguiu que a mulher aceitasse transferir a chamada.

Uma voz masculina, igualmente rouca, sem nada de escandinavo, atendeu e saudou-o. Então, como está? Quase não me apanhavas que estou mesmo para ir-me embora para casa na outra margem, tenho uma festa, a minha sogra faz anos, o seu assunto está estudado, como é que quer. Pode ser relatório escrito, feito em computador, uma folha tamanho A4, envio pelo correio, à cobrança. Ou então relatório verbal, dez minutos de conversa no máximo, envio de cheque amanhã de manhã.

Optou pelo relatório telefónico, o professor confiava que na manhã seguinte lhe enviaria o cheque, não sabia que se não deve confiar nunca no Estado. Tinha poderes mágicos mas não chegavam para tanto, pareciam até mesmo inferiores ao do Luís de Matos a fazer aparecer futebolistas onde antes apenas havia desajeitados apanha bolas.

Bem, vamos começar com isto. Antes de mais você nunca mais chega aqui a esconder a cara a pensar que me engana. Depois para mim é vulgar atender personalidades importantes, desde jogadores de futebol, a dirigentes desportivos, a políticos, a empresários. Ser primeiro ministro não faz diferença, nem tem desconto nem se autorizam prestações. Cada um é como cada qual, todos diferentes todos iguais, uns mais iguais do que os outros. O Mantorras já cá veio por causa do joelho, o Nuno Gomes por causa do casamento, o Zé Maria por causa do namoro, etc.

Você o que interessa é na política. Você tem mais baralhos de cartas do que eu, tem lenga-lenga que chega e sobra, mas não cuida das coisas como deve ser. Tem que se acautelar com os seus ministros, alguns são perigosos. Como alguns também são meus clientes não vou dizer os nomes deles. Você depois adivinha-lhes. Um que mora num forte, cuidado que se te apanha a atravessares a rua passa-te a ferro. E foge num carro grande. E cuidado com os infiltrados que ele á capaz de contratar uma gaja já usada, um bocado em mau estado, para ir ganhar a tua confiança no gabinete. Levar-te ao casino para jogar nas máquinas, acompanhar-te para o estádio do Benfica, ir jantar contigo aos restaurantes do Guincho. Ou ir para mais longe, mesmo até Sesimbra. Ganhar a tua confiança. Depois perdes a confiança da Margarida estás a ver. E com o casamento não tens problemas, ela gosta de peixe, confunde-te com um cherne, evita que te cortem às postas para grelhar.

Para prevenir vais mandar cá os teus ministros, um de cada vez, pagamento na primeira consulta, à boca do cofre, sem recibo. Sim, mesmo a Manuela vai ter que ser assim. Para ti, comissão de vinte por cento, em dinheiro, sem documento. Toma lá, dá cá! E ainda a garantia de te dar protecção, anular os teus adversários políticos, mantê-los à distância. O Ferro entretido com o neto e com o Gaspar. O Carvalhas nas termas, em S. Pedro do Sul. O Louçã, ora, a recolher alimentos para os subnutridos do corno de África no dia mundial contra a fome. O Paulo, esse é teu aliado mas é mais perigoso do que qualquer outro. Vou pôr o Monteiro, aquele alto e magro, de óculos, a tomar conta dele. Vai lhe encurtar a trela, não te preocupes. Deixa que desse nem a Cinha depois se aproveita!

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