Os autarcas do norte não brincam em serviço
O JN de hoje noticia que a Procuradoria Geral da República, consultada sobre o assunto, se pronunciou contra o facto de diversos autarcas da Área Metropolitana do Porto virem a acumular os vencimentos como presidentes de câmara e como administradores do Metro do Porto. Uma das coisas que mais admiro na nossa condição de portugueses é a permanente capacidade de encaixe e a improbabilidade de nos espantarmos seja com o que for. E quando isso acontece, quando alguém depois de esgotada a resistência à pantomina acaba por se irritar tem de fazer como o Dr Soares pai e invocar o seu direito à indignação.
A situação hoje noticiada, mais do que grave, é absolutamente trágica para os autarcas envolvidos e para as suas famílias que veem o seu chefe privado de parte dos seus honestos rendimentos, absolutamente essenciais para garantia da subsistência, para a criação dos netos e para o aumento dos índices de natalidade. Temo que todos, ou a maioria deles, se vejam forçados a encolher-se nas despesas com as comezainas da quadra de Natal e, por via disso, a conformarem-se com bacalhau do tipo económico, couves e batatas oferecidas por algum munícipe mais consciente dos problemas sociais, um vinhito de garrafão já encetado há mais de duas semanas e umas rabanadas feitas com pão duro, regadas ligeiramente com umas gotas de vinho do Porto, já com depósito criado no fundo da garrafa.
Por mais que a dignidade das funções exercidas o aconselhasse, alguns deles dificilmente conseguiram suster a lagrimita furtiva e não impediram que a voz se lhes embargasse como se, em plena fase de campanha eleitoral, visitassem o mercado do Bolhão ou a lota de Matosinhos. Muito teria aprendido com eles o Dr Paulo Portas quando, frequentando mercados, peixarias e quermesses, fez o seu tirocínio para o alto cargo a que entretanto chegou. Mas, honra lhes seja feita, todos se explicaram, sem evasivas, sem reticências, sem subterfúgios. Com o mesmo pragmatismo que nos leva a andarmos, mais de vinte anos passados, a nomear comissões parlamentares de inquérito para investigarem o desastre de Camarate e a concluir que as mesmas não são isentas. Ou a postarmo-nos ao lado da Torre de Belém, mirando atentamente a bruma nevoenta que entra pelo rio acima, esperando que ela nos devolva o nosso adorado el-rei D. Sebastião.
Todos, sem excepção, se puseram à disposição dos jornalistas, propondo-se responder a todas as questões, mesmo às mais embaraçosas. E sabe-se como se embaraçam sozinhos e frequentemente alguns jornalistas a quem atribuem estas tarefas, que nem sabem o que perguntam. Quanto mais o interlocutor saber o que responder-lhes, a não ser que o metro é a décima milionésima parte do comprimento de um quarto do meridiano terrestre. O Sr major Loureiro descartou-se com facilidade, como sempre. Não sabe quanto ganha na Câmara, no Metro sabe que é mal pago porque ganha menos que o Dr. Oliveira Marques, no Boavista limita-se a ser, paternalmente, consultor do respectivo presidente e quanto à Liga de futebol é como sabem, aplicou três jogos de castigo ao Deco por dar a cheirar uma chuteira ao árbitro. Quanto ganha? Ora essa! Isso é assunto particular, não tem nada a ver!
O engenheiro de Vila do Conde foi rápido e sintético. Disse o que ganhava num lado, o que recebia do outro e que estava tudo na declaração do IRS. Havia ainda uma lojeca que nem sabe se dá lucro, é um entretenimento da mulher, portanto desconhece. Baralhou toda a gente que ficou a interrogar-se de esferográfica apontada: terá este tão despachadamente dito tudo?
O Dr Rio manteve a postura, assegurou que os acessos ao estádio do Dragão estarão prontos a tempo do Euro 2004 e minimizou o facto de não ter sido convidado pelo Sr Pinto da Costa para o espectáculo do Sr Luís de Matos. Mas que não se importava, já tinha estado em Nova Iorque e já tinha visto o David Copperfield e, ao pé deste. O Sr Matos é um aprendiz. Ah!, sim, quanto à acumulação de vencimentos, aos costumes disse nada e repetiu continuadamente em resposta a todas as perguntas que lhe formularam: cumpro rigorosamente a lei.
O Sr Narciso Miranda é um homem muito ocupado, com muitas questões, há muitos anos. O seu paradeiro é sempre incerto e consta mesmo que não pernoita duas noites seguidas no mesmo sítio, seguindo os conselhos que em oito dias de férias em Varadero lhe deu o experiente Fidel Castro. Não foi por isso possível contactá-lo e o facto foi agravado pela necessidade que teve de acompanhar ao hospital um familiar em dificuldades. Não se sabia, infelizmente, é de que hospital se tratava. Constrangidos os jornalistas limitaram-se a deixar os seus melhores votos de rápidas melhoras.
Por mim, começo finalmente a perceber porque razão os pilha-galinhas e os ladrões de carteiras são presos e de seguida soltos. São já conhecidos dos tribunais e quando são submetidos a interrogatório são tratados familiarmente, como da casa. Dão-lhe bons conselhos, – à custa dos quais eles não conseguem sobreviver! – fornecem-lhes agasalhos para o frio da noite, uma sopa quente para conforto do estômago. Se calhar, até um café e um cigarrito para a viagem de regresso e mandam-nos em paz com a recomendação de que tenham juízo. Só não percebo é que esses miseráveis, essa escória, esses marginais se abespinhem todos e se ofendam quando a gente lhas chama ladrões!
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