23 de dezembro de 2003

Requerimento ao ministro Bagão Félix

Exmo. Senhor,
Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social
Lisboa

Excelência

ZÉ POVINHO LIXADO DE TODO, de 55 anos de idade, divorciado, residente no bairro social da câmara, bloco sem letra, último andar, traseiras, nascido algures em Portugal, do Minho a Timor e acabando a ser cidadão português do Minho ao Algarve, ao abrigo da autonomia concedida pela democracia da União Europeia, solicita respeitosamente autorização a V. Exa. para expor o seguinte.

Soube que o nosso muito respeitado e patriótico Conselho de Ministros onde V. Exa. tem assento - espero que em poltrona digna e confortável! - com grande sacrifício dos oitenta mil contos de rendimentos anuais que vinha declarando em sede de IRS decidiu hoje, em acto muito nobre e magnânimo, aumentar em dez euros mensais o salário mínimo nacional. Não consigo compreender que o rigor orçamental de S. Exa. a Ministra das Finanças - perseguido para nosso bem e com o qual estamos incondicionalmente de acordo - tenha, em atitude de indescritível benemerência, acedido a tão desmedido dispêndio e só o posso compreender em função da solidariedade da quadra natalícia que atravessamos. A mim não me vai aproveitar grandemente porque estou desempregado, embora não consiga recensear-me nos centros de emprego onde sistematicamente me recusam a inscrição alegando que o livro usado para isso já está cheio. Mas congratulo-me com os felizardos que o vão receber, que passam a poder comprar mais três papo-secos por dia, embora receie pelos lucros e pela sobrevivência das empresas bem como pelos ordenados e pelos automóveis de serviço de que muito justamente beneficiam os seus dedicados e competentes gestores.

Tomei ainda conhecimento de que o patriótico Conselho de Ministros, - a que espero tenha estado também presente o senhor Ministro da Defesa e dos Submarinos - segundo a expressão feliz e sapiente de V. Exa., se não terá decidido por maior aumento para não agravar o desemprego existente, situação que a mim, pessoalmente, me seria de grande prejuízo por globalizar a concorrência com que já muito me debato e com que muito padeço.

Face ao anteriormente exposto venho requerer a V. Exa. se digne reduzir o salário mínimo agora fixado bem como todas as remunerações mínimas constantes dos diversos instrumentos de contratação colectiva do trabalho - enquanto estes não forem revogados e os sindicalistas não forem enviados para cursos de reciclagem na Sibéria - até ao ponto em que os centros de emprego do ministério que V. Exa. tão iluminadamente dirige deixem de ser necessários, reduzindo as despesas do orçamento, para bem do país e satisfação de S. Exa. a ministra das Finanças.

Não sendo esta a melhor forma de o fazer, não posso todavia deixar passar a situação em claro como benfiquista e bom pai de família que sou - como V. Exa. e mais quase seis milhões, fora os emigrantes - desejando as maiores vitórias ao glorioso, tanto mais que foram assegurados os serviços do famoso João Pereira que, finalmente, acordou em prorrogar o seu contrato depois de conhecido o aumento do salário mínimo hoje decidido. Se tiver oportunidade, se acaso se cruzar com ele na tribuna, apresente os meus respeitos ao Sr. ex-presidente do Alverca e garanta-lhe que nada irá por em causa a prosperidade das suas empresas de encher pneus e de assentar tijolo burro.

Mitra, 23 de Dezembro de 2003.

Pede deferimento.

P.S. - Bom Natal para todos e tenham atenção à anedota do Sr. Carlos Cruz sobre o menino Jesus. Vale mais prevenir do que remediar.

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