Os portugueses pelam-se pela estatística
No início da nacionalidade os portugueses, que eram poucos, pelavam-se por perseguir os mouros, atirá-los dos cavalos abaixo, encher-lhes os corpinhos de nódoas negras. Com D. Afonso Henriques à frente, envergando uma armadura adequadaà moda e à estação do ano, destruiam-lhes as searas, invadiam-lhes as cidades, assaltavam-lhes as fortalezas. Lendas há - e não podem ser mais do que lendas! - que dizem que depois, no espólio da refrega, lhes ficavam com as mulheres e com as filhas. Para as converterem. Tudo sempre à cachaporrada!
Mais recentemente o professor Freitas do Amaral, farto do direito e do sistemático insucesso dos alunos cábulas, dedicou-se à literatura. Como poderia ter-se dedicado, como muita gente, à pesca. Escreveu peças de teatro e biografias, entre elas a de D. Afonso Henriques. Aligeirou-lhe, felizmente, o peso da armadura, o ginete do temperamento e a violência da espadeirada. Afinal D. Afonso não fora assim tão bruto como a tradição e a escola nos fizeram acreditar. Estudara em bons colégios do ensino privado, tivera boas amas, - em todas as acepções! - fora assíduo no catecismo, era um diplomata. Negociava sempre, antes de se decidir pela porrada. De uma forma muito mais racional do que aquela que observaram os vietnamitas em relação aos americanos. De facto Ho Chi Min encheu-os primeiro de porrada e só depois disso, cheios de hematomas, com pernas partidas e apoiando-se em canadianas, os sentou a uma mesa, em Paris, para negociar.
As coisas mudaram, para que ficassem mais na mesma. Os portugueses hoje, que são mais do que eram, pelam-se por futebol, por televisão e por estatística. Estas predilecções levaram à falência dos clubes, dos cinemas e do sistema estatístico nacional. Os clubes já estavam falidos, quase ninguém deu por nada, muito menos se preocupou fosse com o que fosse. Metendo a cabeça na areia, como avestruzes de meias altas, os clubes empenharam-se freneticamente na construção de estádios, a fingir de ricos. Os cinemas encerraram, transformaram-se em bingos, encerraram de novo, alguns converteram-se em locais de culto da igreja universal do reino de Deus e do seu bispo Macedo. A estatística que já era complicada, falsa e inútil foi invadida por determinações comunitárias e cada cidadão passou a receber, mensalmente, dois questionários de resposta obrigatória. Com cujo preenchimento perde o equivalente a quatro dias de trabalho, descontando os intervalos para o almoço e para as idas ao café.
Mas o país converteu-se à estatística, adora a estatística, ama a estatística e não consegue fazer nada sem recurso a ela. Os políticos que não sabem a tabuada dos quatro, mesmo os presidentes das juntas de freguesia, não prescindem da estatística. Anotam quantos cigarros fumam por dia, quantos cafés tomam, quantos eleitores evitam nos curtos trajectos que fazem a pé, quantas horas faltam para o fim de semana. Os treinadores de futebol não as dispensam, a não ser o Sr José Mourinho cuja cabeça, dizem, regista e tem memória de tudo. Os outros sabem os jogadores que têm por escalão etário, os minutos que cada um deles jogou, as vezes que foi ao dentista, o número de vezes que teve a ousadia de fazer caretas ao árbitro.
Mas a estatística usa-se como muleta e não serve para nada. Ainda hoje os jornais revelam que os alunos do nono ano de escolaridade tiveram médias negativas a Português e a Matemática. Como se ninguém soubesse, toda a gente abre a boca de espanto e mostra ameaçadores incisivos cavalares. Exploram-se os resultados: as raparigas são menos más a português, os rapazes a matemática. Os ricos têm as melhores notas, os pobres as piores, como a maior parte das coisas na vida. A situação é preocupante, o país pensante engendra soluções sem mais perda de tempo, desenha manifestos de intenções. E vai-se ficar por aí, pelos apelos de mãos à obra e pelas intenções. É o país do mãos à obra e das intenções, mas nunca sai disso. Nem se atira à obra nem se aventura para além das intenções, mesmo que o povo diga que o inferno está cheio delas. E das boas! Para o ano a cena vai repetir-se, com este ministro ou com outro. Vão invocar-se hábitos gregos e desgraças nigerianas, comparar resultados, ver que tudo vai como dantes. Vai repetir-se o espanto e a exibição do corta-palha, com os incisivos menos ameaçadores porque já cederão à cárie e ao mau hálito.
Mais recentemente o professor Freitas do Amaral, farto do direito e do sistemático insucesso dos alunos cábulas, dedicou-se à literatura. Como poderia ter-se dedicado, como muita gente, à pesca. Escreveu peças de teatro e biografias, entre elas a de D. Afonso Henriques. Aligeirou-lhe, felizmente, o peso da armadura, o ginete do temperamento e a violência da espadeirada. Afinal D. Afonso não fora assim tão bruto como a tradição e a escola nos fizeram acreditar. Estudara em bons colégios do ensino privado, tivera boas amas, - em todas as acepções! - fora assíduo no catecismo, era um diplomata. Negociava sempre, antes de se decidir pela porrada. De uma forma muito mais racional do que aquela que observaram os vietnamitas em relação aos americanos. De facto Ho Chi Min encheu-os primeiro de porrada e só depois disso, cheios de hematomas, com pernas partidas e apoiando-se em canadianas, os sentou a uma mesa, em Paris, para negociar.
As coisas mudaram, para que ficassem mais na mesma. Os portugueses hoje, que são mais do que eram, pelam-se por futebol, por televisão e por estatística. Estas predilecções levaram à falência dos clubes, dos cinemas e do sistema estatístico nacional. Os clubes já estavam falidos, quase ninguém deu por nada, muito menos se preocupou fosse com o que fosse. Metendo a cabeça na areia, como avestruzes de meias altas, os clubes empenharam-se freneticamente na construção de estádios, a fingir de ricos. Os cinemas encerraram, transformaram-se em bingos, encerraram de novo, alguns converteram-se em locais de culto da igreja universal do reino de Deus e do seu bispo Macedo. A estatística que já era complicada, falsa e inútil foi invadida por determinações comunitárias e cada cidadão passou a receber, mensalmente, dois questionários de resposta obrigatória. Com cujo preenchimento perde o equivalente a quatro dias de trabalho, descontando os intervalos para o almoço e para as idas ao café.
Mas o país converteu-se à estatística, adora a estatística, ama a estatística e não consegue fazer nada sem recurso a ela. Os políticos que não sabem a tabuada dos quatro, mesmo os presidentes das juntas de freguesia, não prescindem da estatística. Anotam quantos cigarros fumam por dia, quantos cafés tomam, quantos eleitores evitam nos curtos trajectos que fazem a pé, quantas horas faltam para o fim de semana. Os treinadores de futebol não as dispensam, a não ser o Sr José Mourinho cuja cabeça, dizem, regista e tem memória de tudo. Os outros sabem os jogadores que têm por escalão etário, os minutos que cada um deles jogou, as vezes que foi ao dentista, o número de vezes que teve a ousadia de fazer caretas ao árbitro.
Mas a estatística usa-se como muleta e não serve para nada. Ainda hoje os jornais revelam que os alunos do nono ano de escolaridade tiveram médias negativas a Português e a Matemática. Como se ninguém soubesse, toda a gente abre a boca de espanto e mostra ameaçadores incisivos cavalares. Exploram-se os resultados: as raparigas são menos más a português, os rapazes a matemática. Os ricos têm as melhores notas, os pobres as piores, como a maior parte das coisas na vida. A situação é preocupante, o país pensante engendra soluções sem mais perda de tempo, desenha manifestos de intenções. E vai-se ficar por aí, pelos apelos de mãos à obra e pelas intenções. É o país do mãos à obra e das intenções, mas nunca sai disso. Nem se atira à obra nem se aventura para além das intenções, mesmo que o povo diga que o inferno está cheio delas. E das boas! Para o ano a cena vai repetir-se, com este ministro ou com outro. Vão invocar-se hábitos gregos e desgraças nigerianas, comparar resultados, ver que tudo vai como dantes. Vai repetir-se o espanto e a exibição do corta-palha, com os incisivos menos ameaçadores porque já cederão à cárie e ao mau hálito.
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