A visão incompleta do Dr Cadilhe
Desde que acabei a catequese e fiz a comunhão solene que tenho em relação aos milagres a mesma esquisita convicção que tenho em relação às bruxas: não acredito neles mas sei que existem. Mas esta manhã, quando na casa de banho e de boca aberta fazia por escovar os caninos, a escova caiu-me e quase mudava de opinião. O Dr Cadilhe pronunciava-se claramente sobre algumas obras de grande dimensão que o país - de pequena dimensão, não vá nenhum de nós continuar a pensar o contrário! - realizou nos últimos tempos, desde a Expo 98, ao Porto capital europeia da cultura e aos dez estádios para o Euro 2004. Classificava todas essas obras, por palavras dele, de burrices e de investimentos ostensivos de interesse duvidoso.
Imaginei a cena, de imediato. Para dizer o que disse, tão objectivamente como se não fosse economista e se nunca tivesse ocupado nenhum lugar político, obviamente, tinha tido uma visão, houvera inspiração divina que o influenciara. Provavelmente nos engarrafamentos de trânsito, no IC 19, sentado no banco de trás do automóvel, em plena hora de ponta enquanto o motorista fardado, de boné convenientemente enfiado na cabeça, tocava continuamente a buzina para evitar dizer palavrões. Teria nessa altura, como um vidente motorizado, visto uma Senhora que flutuava à sua frente, como se viesse da Amadora, que lhe tocara a inspiração e a consciência.
Mas quando me ergui de novo, depois de ter apanhado a escova do chão, rapidamente concluí que afinal a visão do Dr Cadilhe fora apenas parcial. Ou que não fora a Senhora, ela própria, a aparecer-lhe mas tão só, muito provavelmente, um beato, ainda sem antiguidade e sem currículo. Porque é verdade que tenha havido delapidação de recursos num país que, na Europa, só vai à frente no número de casos de sida e na incompetência com que os trata. Mais: os custos previstos foram sempre de tal forma excedidos que melhor teria sido que as obras tivessem sido confiadas à responsabilidade de engenheiros em vez de ladrões. Nenhum desses desvios, como se sabe, foi alguma vez explicado, nem o vai ser. Os chamados gestores que lideraram os projectos enriqueceram. Em vez de serem responsabilizados foram promovidos. Para continuarem a enriquecer.
Mas o Dr Cadilhe não teve a sorte que a varinha de condão o tivesse tocado com um pouquinho mais de força e lhe pudesse avivar a memória até um pouco mais longe. Se assim tivesse acontecido teria certamente acrescentado mais algumas pérolas da coroa à sua lista. Por mim, que vivo no Porto como ele, apenas pelos jornais sei das diárias peregrinações dos habitantes da Curraleira ao Centro Cultural de Belém onde se prostram na praça fronteira, como muçulmanos, agradecendo a melhoria da qualidade de vida que dali lhes tem advindo. Como no Porto já acontece com os habitantes escarranchados pela encosta dos Guindais, que rezam e se mudam de armas e bagagens a abrigar-se sob o cimento armado do estádio do Dragão. E que, de certeza, só interromperão as orações quando de dentro do estádio chegar o urro eufórico e colectivo de um golo do Pauleta.
Imaginei a cena, de imediato. Para dizer o que disse, tão objectivamente como se não fosse economista e se nunca tivesse ocupado nenhum lugar político, obviamente, tinha tido uma visão, houvera inspiração divina que o influenciara. Provavelmente nos engarrafamentos de trânsito, no IC 19, sentado no banco de trás do automóvel, em plena hora de ponta enquanto o motorista fardado, de boné convenientemente enfiado na cabeça, tocava continuamente a buzina para evitar dizer palavrões. Teria nessa altura, como um vidente motorizado, visto uma Senhora que flutuava à sua frente, como se viesse da Amadora, que lhe tocara a inspiração e a consciência.
Mas quando me ergui de novo, depois de ter apanhado a escova do chão, rapidamente concluí que afinal a visão do Dr Cadilhe fora apenas parcial. Ou que não fora a Senhora, ela própria, a aparecer-lhe mas tão só, muito provavelmente, um beato, ainda sem antiguidade e sem currículo. Porque é verdade que tenha havido delapidação de recursos num país que, na Europa, só vai à frente no número de casos de sida e na incompetência com que os trata. Mais: os custos previstos foram sempre de tal forma excedidos que melhor teria sido que as obras tivessem sido confiadas à responsabilidade de engenheiros em vez de ladrões. Nenhum desses desvios, como se sabe, foi alguma vez explicado, nem o vai ser. Os chamados gestores que lideraram os projectos enriqueceram. Em vez de serem responsabilizados foram promovidos. Para continuarem a enriquecer.
Mas o Dr Cadilhe não teve a sorte que a varinha de condão o tivesse tocado com um pouquinho mais de força e lhe pudesse avivar a memória até um pouco mais longe. Se assim tivesse acontecido teria certamente acrescentado mais algumas pérolas da coroa à sua lista. Por mim, que vivo no Porto como ele, apenas pelos jornais sei das diárias peregrinações dos habitantes da Curraleira ao Centro Cultural de Belém onde se prostram na praça fronteira, como muçulmanos, agradecendo a melhoria da qualidade de vida que dali lhes tem advindo. Como no Porto já acontece com os habitantes escarranchados pela encosta dos Guindais, que rezam e se mudam de armas e bagagens a abrigar-se sob o cimento armado do estádio do Dragão. E que, de certeza, só interromperão as orações quando de dentro do estádio chegar o urro eufórico e colectivo de um golo do Pauleta.
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