25 de fevereiro de 2004

As cartas marcadas do baralho do serviço público

O cidadão vulgar, como qualquer de nós, pode questionar-se cada vez com maior frequência, sobre o que é serviço público e sobre que funções de facto, e no interesse da comunidade, o Estado ainda desempenha.

O serviço público é diariamente invocado no caso específico da televisão e dos dois canais que continuam a ser propriedade do Estado. Para benefício do cidadão? De maneira nenhuma! Apenas para benefício ilegítimo do Estado e do poder político que o governa. A televisão de serviço público não é diferente da privada que, aliás, reclama também para si o estatuto de serviço público. Faz por competir com ela, nas dezenas de minutos de publicidade, nas anunciadas 500 horas sobre um campeonato de futebol, na aquisição de concursos que não revestem nenhum interesse cultural e, muitas vezes, nem sequer de simples entretenimento. E na contratação de apresentadores pelos dois palmos de cara, pelo compadrio, pelo favor puro e simples.

Mas outras coisas há que têm beneficiado, legalmente, do estatuto de serviço público. Entre elas, por exemplo, o telefone, que acaba de perder esses estatuto. O Público de hoje insere uma consciente denúncia da situação e sugere que as alterações que os ditos deputados da nação aprovaram, pura e simplesmente são inconstitucionais. Mas, quanto ao sector das comunicações, nada é de estranhar.

A chamada privatização iniciou-se na década de noventa, quando o governo, premeditadamente e de má fé, na intenção clara da negociata futura, cindiu a empresa pública CTT em duas, daí resultando a Telecom Portugal, para vender em lotes. Para facilitar as coisas a quem hoje lá manda - e o Dr Miguel Horta e Costa, tendo sido empregado dos CTT, foi para a PT como empregado do grupo Espírito Santo! - o governo emitiu um decreto e possibilitar, durante cinco anos, a aposentação vantajosa dos empregados vinculados à Caixa Geral de Aposentações. E prorrogou-o, contrariamente ao que fez com dispositivo similar aprovado para abranger os funcionários dos CTT.

A privatização deu os resultados que se conhecem. A empresa é um monopólio poderoso e, como um polvo, foi criando tentáculos sucessivos no campo das telecomunicações móveis, da televisão por cabo e dos acessos à internet. As receitas foram aumentando e o número de empregados reduzido, com a institucionalização do trabalho precário, seja sob a forma de contratos a prazo, seja sob a forma ilegal dos chamados recibos verdes. A qualidade dos serviços decresceu assustadoramente. O atendimento não existe. A prepotência é o lema da empresa. O monopólio consolida-se e a ténue concorrência que, nalguns sectores, chegou a sonhar, protesta e abandona o campo. Para que qualquer luta seja justa é preciso que os contendores, no mínimo, possam dispor de armas idênticas. Não é o caso.

O caso do serviço público telefónico não é um escândalo porque já nenhum de nós acha escândalo seja o que for. Mas é um atentado perfeitamente espartano às populações rurais, envelhecidas, cada vez mais isoladas, mais sozinhas e mais abandonadas do país. Que não têm um sistema de saúde decente, - onde o ministro, apesar disso, manda operar à má fila mesmo os que o não desejam, segundo apregoa! - nem fornecedores alternativos de electricidade e água e que, agora, verão que o telefone é um luxo, embora dele necessitem para contactar com a sede do concelho, a dezenas de quilómetros.

Ser português é cada vez mais um fardo que se carrega, uma vergonha que nos dias passados se escondeu atrás de uma máscara de fabrico chinês. E que hoje, quarta-feira de cinzas, tivemos que retirar. Para a exibirmos em público, como se tudo estivesse bem, como se não soubéssemos de nada.


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