A irreparável partida do Sr José Mourinho

No interior das igrejas - e são muitas em toda a cidade! - o período da quaresma fora antecipado. As imagens estavam cobertas por véus cor de púrpura, o alegre garrido dos enfeites fora suprimido. Os padres celebrantes, sem sacristão que a crise já não permite luxos desses, apresentaram-se para o ofício vestidos a condizer. Sisudos, tristes e de faces macilentas. Foram tão breves na homília como no sermão, às vezes não contiveram lágrimas furtivas de sentimento profundo, em silêncio distribuiram a hóstia a quem desejou comungar. Antes da saída as pessoas beijaram-se e abraçaram-se, mesmo sem se conhecerem, como se fossem todas família. Amanhã, que é outro dia, poderão voltar a ignorar-se livremente,a hostilizar-se e a buzinarem umas atrás das outras nas filas de trânsito, como se fossem doidas.

Tudo, num ápice, acontecera ontem à noite, depois de terminado o jogo em Alvalade. Desarmado mas de mau feitio o Sr José Mourinho disparara contra tudo e contra todos. Até toda a coragem das primeiras figuras oportunistas e inúteis da alta política do país, que se sentara na tribuna, evitara passar-lhe pela frente. O Sr presidente da liga calou a pergunta de saber quantos eram para, insignificante, se encolher disfarçadamente a um canto da sala, quedo e mudo. O árbitro prescindiu do banho, antes que se fizesse tarde, e correu a meter-se no carro com o equipamento e o apito transbordando do saco desportivo. A equipa adversária fechou por dentro, e à chave, o balneário que ocupava e ficou a aguardar, jogando à sueca em grupos de quatro, que do exterior lhe viesse a indicação de que podiam seguir ao encontro das mulheres, dos filhos e das namoradas.
O Sr Mourinho chegava ao fim do seu discurso, com os operadores de câmara tremendo como varas verdes. Vociferendo! Contra os roubos do árbitro, as manhas do adversário e as artimanhas dos seus discípulos. De nada lhe servindo a educação grosseira, a instrução analfabeta e a estupidez da sua cultura. Proclamando: foi tudo uma merda! Vou abandonar o país! Por isso é que a cidade amanheceu o domingo com este sentimento de angústia e esta inevitável dor de perda. Toda a gente o chora e pergunta: ainda não partiu? Quando a resposta for afirmativa as coisas voltam ao normal e a alegria regressa. Pela sombra!
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial