A irreparável partida do Sr José Mourinho
A manhã levantou-se hoje macia de frio e quieta de vento. Sem folhas caídas de Outono e sem bátegas de chuva, de ontem, a correrem pelas sarjetas. Em casa as pessoas levantaram-se mais tarde, deram o pequeno almoço às crianças e vestiram os fatos domingueiros. Saíram para a missa das onze de aspecto compungido e passo vacilante. Responsáveis e solícitos os contínuos das repartições públicas, em dia de descanso e de louvação, saíram mais cedo. A tempo de passarem pelos locais de trabalho e, cuidadosamente, desceram as bandeiras para apenas meia altura do mastro, em visível sinal de pesar. Nas ruas os polícias, poucos por falta de verba da corporação, circulavam aprumados e erectos, envergando farda de gala. Nos quarteis, nos que ainda se mantêm abertos para defesa da honra nacional e das fronteiras, os soldados de guarda usavam espadas, embora ambaínhadas, e luvas brancas de usar nas guardas de honra ao ministro.
No interior das igrejas - e são muitas em toda a cidade! - o período da quaresma fora antecipado. As imagens estavam cobertas por véus cor de púrpura, o alegre garrido dos enfeites fora suprimido. Os padres celebrantes, sem sacristão que a crise já não permite luxos desses, apresentaram-se para o ofício vestidos a condizer. Sisudos, tristes e de faces macilentas. Foram tão breves na homília como no sermão, às vezes não contiveram lágrimas furtivas de sentimento profundo, em silêncio distribuiram a hóstia a quem desejou comungar. Antes da saída as pessoas beijaram-se e abraçaram-se, mesmo sem se conhecerem, como se fossem todas família. Amanhã, que é outro dia, poderão voltar a ignorar-se livremente,a hostilizar-se e a buzinarem umas atrás das outras nas filas de trânsito, como se fossem doidas.
O Sr Pinto da Costa chegou à igreja de Santo António das Antas - cuja mudança de nome, para S. João das Antas, está pendente do deferimento do bispo - como chega a toda a parte, sentado à frente, no banco direito de um BMW - o Sr Salvador Caetano fica em dívida, pela propaganda! - conduzido pelo seu eterno e fiel braço direito. Usava gravata preta e protegia-se do frio que afinal não fazia vestindo um longo e caro sobretudo que os adeptos o haviam forçado a aceitar como prenda de aniversário. Foi muito cumprimentado à saída, na escadaria de acesso à porta principal, onde quase toda a gente acorreu a rodeá-lo e a dar-lhe conforto para que contivesse as lágrimas e, num esforço sobre-humano, suportasse a dor. Limpando a um imaculado lenço de bolso a maquilhagem das beijoqueiras foi agradecendo, dizendo palavras de circunstância, conformando-se.
Tudo, num ápice, acontecera ontem à noite, depois de terminado o jogo em Alvalade. Desarmado mas de mau feitio o Sr José Mourinho disparara contra tudo e contra todos. Até toda a coragem das primeiras figuras oportunistas e inúteis da alta política do país, que se sentara na tribuna, evitara passar-lhe pela frente. O Sr presidente da liga calou a pergunta de saber quantos eram para, insignificante, se encolher disfarçadamente a um canto da sala, quedo e mudo. O árbitro prescindiu do banho, antes que se fizesse tarde, e correu a meter-se no carro com o equipamento e o apito transbordando do saco desportivo. A equipa adversária fechou por dentro, e à chave, o balneário que ocupava e ficou a aguardar, jogando à sueca em grupos de quatro, que do exterior lhe viesse a indicação de que podiam seguir ao encontro das mulheres, dos filhos e das namoradas.
O Sr Mourinho chegava ao fim do seu discurso, com os operadores de câmara tremendo como varas verdes. Vociferendo! Contra os roubos do árbitro, as manhas do adversário e as artimanhas dos seus discípulos. De nada lhe servindo a educação grosseira, a instrução analfabeta e a estupidez da sua cultura. Proclamando: foi tudo uma merda! Vou abandonar o país! Por isso é que a cidade amanheceu o domingo com este sentimento de angústia e esta inevitável dor de perda. Toda a gente o chora e pergunta: ainda não partiu? Quando a resposta for afirmativa as coisas voltam ao normal e a alegria regressa. Pela sombra!
No interior das igrejas - e são muitas em toda a cidade! - o período da quaresma fora antecipado. As imagens estavam cobertas por véus cor de púrpura, o alegre garrido dos enfeites fora suprimido. Os padres celebrantes, sem sacristão que a crise já não permite luxos desses, apresentaram-se para o ofício vestidos a condizer. Sisudos, tristes e de faces macilentas. Foram tão breves na homília como no sermão, às vezes não contiveram lágrimas furtivas de sentimento profundo, em silêncio distribuiram a hóstia a quem desejou comungar. Antes da saída as pessoas beijaram-se e abraçaram-se, mesmo sem se conhecerem, como se fossem todas família. Amanhã, que é outro dia, poderão voltar a ignorar-se livremente,a hostilizar-se e a buzinarem umas atrás das outras nas filas de trânsito, como se fossem doidas.
O Sr Pinto da Costa chegou à igreja de Santo António das Antas - cuja mudança de nome, para S. João das Antas, está pendente do deferimento do bispo - como chega a toda a parte, sentado à frente, no banco direito de um BMW - o Sr Salvador Caetano fica em dívida, pela propaganda! - conduzido pelo seu eterno e fiel braço direito. Usava gravata preta e protegia-se do frio que afinal não fazia vestindo um longo e caro sobretudo que os adeptos o haviam forçado a aceitar como prenda de aniversário. Foi muito cumprimentado à saída, na escadaria de acesso à porta principal, onde quase toda a gente acorreu a rodeá-lo e a dar-lhe conforto para que contivesse as lágrimas e, num esforço sobre-humano, suportasse a dor. Limpando a um imaculado lenço de bolso a maquilhagem das beijoqueiras foi agradecendo, dizendo palavras de circunstância, conformando-se.
Tudo, num ápice, acontecera ontem à noite, depois de terminado o jogo em Alvalade. Desarmado mas de mau feitio o Sr José Mourinho disparara contra tudo e contra todos. Até toda a coragem das primeiras figuras oportunistas e inúteis da alta política do país, que se sentara na tribuna, evitara passar-lhe pela frente. O Sr presidente da liga calou a pergunta de saber quantos eram para, insignificante, se encolher disfarçadamente a um canto da sala, quedo e mudo. O árbitro prescindiu do banho, antes que se fizesse tarde, e correu a meter-se no carro com o equipamento e o apito transbordando do saco desportivo. A equipa adversária fechou por dentro, e à chave, o balneário que ocupava e ficou a aguardar, jogando à sueca em grupos de quatro, que do exterior lhe viesse a indicação de que podiam seguir ao encontro das mulheres, dos filhos e das namoradas.
O Sr Mourinho chegava ao fim do seu discurso, com os operadores de câmara tremendo como varas verdes. Vociferendo! Contra os roubos do árbitro, as manhas do adversário e as artimanhas dos seus discípulos. De nada lhe servindo a educação grosseira, a instrução analfabeta e a estupidez da sua cultura. Proclamando: foi tudo uma merda! Vou abandonar o país! Por isso é que a cidade amanheceu o domingo com este sentimento de angústia e esta inevitável dor de perda. Toda a gente o chora e pergunta: ainda não partiu? Quando a resposta for afirmativa as coisas voltam ao normal e a alegria regressa. Pela sombra!
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial