23 de março de 2004

Com tanto remédio o governo ainda acaba com os problemas

Com pompa e circunstância o governo anunciou ontem, pela boca do primeiro-ministro, um conjunto de cem compromissos - vocábulo de conteúdo indefinido e de cumprimento duvidoso - a concluir até 2006, na data da celebração do 10º aniversário do Dia Internacional da Família. Fê-lo no Teatro Nacional D. Maria II que, como se sabe, é o local mais frequentado pelas famílias lisboetas e que apenas é ultrapassado na noite de Santo António pelo Pátio Alfacinha. Não é igualmente frequentado pelas famílias residentes na província, nomeadamente no Douro Litoral, Trás-os-Montes e Beiras, devido ao congestionamento das auto-estradas e ao elevado preço dos bilhetes de comboio.

As cem medidas constituem, obviamente, um extenso manifesto de intenções que, preferencialmente, contempla aquilo a que chama medidas sociais em detrimento de incentivos fiscais. Claro! Antes de mais é preciso assegurar que as medidas, na eventualidade de serem implementadas, não representarão nenhuma quebra na arrecadação de receitas e, se possível, nenhuma subida nas despesas suportadas pelo orçamento. Depois anunciam-se generalidades ambíguas, sem nada de concreto, que possa amanhã vir a comprometer o governo. Quer dizer, sem custos imediatos, a campanha eleitoral para as legislativas de 2006 está em marcha!

Os enunciados chegam a ser caricatos. A reforma parcial e a redução do tempo de trabalho entendem-se como incentivos à promoção da família. No que, naturalmente, são precedidos pelo desemprego, pela pré-reforma, pelo trabalho precário e pelo encerramento irreversível das empresas. Como, a propósito, agora acontece com a Bombardier na Amadora. E como, ao que parece, vai acontecer de seguida e até ao final do ano, com a Delphi na fábrica do Linhó, Sintra.

Trata-se, neste caso, deste governo e da coligação que politicamente lhe serve de muleta. Mas a questão é mais profunda e denuncia a ignorância, o desinteresse e o desrespeito da classe política para com o país real que a emprega e que lhe paga. Os políticos não conhecem o país nem estão interessados em conhecê-lo. Desconhecem os seus problemas e não estão minimamente interessados em conhecê-los. As taxas de natalidade atingiram mínimos nunca sonhados. As populações estão cada vez mais envelhecidas e abandonadas. Não há estruturas onde se possam acolher, não há sistema de saúde que se ocupe de as tratar. O Estado, naturalmente, demarca-se de quaisquer responsabilidades que lhe possam ser imputadas, não vá o diabo tecê-las.

Se em vez de intenções fossem anunciadas medidas concretas, que não se limitassem a ser compromissos vazios, nem sequer seriam necessárias tantas. Se assim fosse, os problemas estariam extintos antes de consumidos todos os remédios.

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