O despesismo doméstico do doutor Menezes
Não posso andar para aí maltrapilho e, no entanto, um fato custa 150 contos; eu ganho 400 por mês. Estamos a atingir o patamar do ridículo.
Assombro-me de espanto, doutor! Porque, como sempre ouvi dizer, há dias em que se não pode sair de casa e se deve permanecer calado as 24 horas do dia, até que se esgote o último minuto. O doutor não está a atingir o patamar do ridículo, o doutor já lá está de corpo inteiro e de pleno direito. Com joanetes, canelas, meniscos, coxas, vértebras cervicais e todas as cãs prematuras que lhe habitam o couro - salvo seja - cabeludo. E isto não muda, por mais que se troque de óptica e por mais que se altere o prisma por onde o assunto seja analisado.
Primeiro, é óbvio que o doutor se deitou tarde, dormiu mal, acordou com aquela incomodativa enxaqueca, confunde o raciocínio e acaba a dizer disparates como se fossem poemas de Régio ditos por Villaret. É da ressaca e isso, habitualmente, passa desde que se não persista na conduta. Parece-me estar a vê-lo no miradouro das caves Taylor's, em cuja cantina social aproveitará para almoçar, na companhia do engenheiro patrão dos patrões, desfrutando da mais espectacular vista que se pode ter sobre a cidade, do outro lado do rio. E, como eu, ter assombrações. Divisar por artes mágicas deste S. João da folia e do alho porro, o doutor Rio sentado em plena praça do cubo, de fato domingueiro e perna traçada, saboreando um vinho fino seco a fazer boca para o almoço também próximo.
O doutor não pode ou não deve lamentar-se de nada. Nenhuma quadrilha de jagunços importados directamente de uma telenovela brasileira lhe foi encostar aguçados e ameaçadores facões ao abdómen para que se candidatasse ao cargo. E sendo assim, como diz o povo, quem corre por gosto não cansa. O doutor, ao que sei, até é daqueles doutores de verdade, que receita comprimidos, manda fazer análises e radiografias e nos carrega com um dedo mágico exactamente onde nos dói, fazendo-nos doer ainda mais. Não é nenhum doutor da mula ruça, a desenhar anúncios para plantar na sua Avenida da República ou a frequentar a chamada academia de Alcochete, ao serviço de uma qualquer rádio de Gaia, a fazer perguntas ao Fernando Couto sobre o estilo literário de William Shakespear.
Depois o doutor não sabe - desculpe que lho diga assim, cara a cara! - é governar a sua vida e o seu dinheiro. Por um lado porque o doutor não valoriza outras coisas que lhe são garantidas pelos palermas que o elegeram. E, obviamente, pelos parvos que também não tiveram nada a ver com isso. O carrito, a gasolina, o motorista fardado, a verbazita para representação, os telemóveis gratuitos, os almoços na cantina e os cafés no bar da autarquia, somados, se calhar ainda dão para meia dúzia de boxers de algodão e quatro pares de peúgas que cubram a canela. Quanto ao ordenado, receba-o e entregue-o à patroa. Intacto! Porque ela não precisará sequer de assessores licenciados em economia para fazer melhor do que o doutor faz. Quanto à roupita, incluindo o fato, aproveita uma segunda-feira de manhã e leva-o à feira de Espinho. Compra-se muita coisa em conta, alguma até de marca, especialmente nas barracas que se aproximam de Silvalde. No resto, basta estar atento aos bons exemplos. Lembre-se que muito menos ganha o Manuel Damásio, que nem doutor é. E veja com que esforço consegue pagar a prestação da casita, ter os filhos a estudar no colégio e frequentar uma ou outra festita para que o convidam os amigos mais próximos. A que se apresenta sempre de fatito e gravata lavados, carregando uma garrafita de vinho do Porto debaixo do braço, para não parecer mal. E ainda consegue, mesmo assim, embrulhar um Mercedes em celofane vermelho para oferecer de prenda de anos à Margarida. Aquilo sim, aquilo é que é gente de tino! Veja se aprende!
[Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia]
Assombro-me de espanto, doutor! Porque, como sempre ouvi dizer, há dias em que se não pode sair de casa e se deve permanecer calado as 24 horas do dia, até que se esgote o último minuto. O doutor não está a atingir o patamar do ridículo, o doutor já lá está de corpo inteiro e de pleno direito. Com joanetes, canelas, meniscos, coxas, vértebras cervicais e todas as cãs prematuras que lhe habitam o couro - salvo seja - cabeludo. E isto não muda, por mais que se troque de óptica e por mais que se altere o prisma por onde o assunto seja analisado.
Primeiro, é óbvio que o doutor se deitou tarde, dormiu mal, acordou com aquela incomodativa enxaqueca, confunde o raciocínio e acaba a dizer disparates como se fossem poemas de Régio ditos por Villaret. É da ressaca e isso, habitualmente, passa desde que se não persista na conduta. Parece-me estar a vê-lo no miradouro das caves Taylor's, em cuja cantina social aproveitará para almoçar, na companhia do engenheiro patrão dos patrões, desfrutando da mais espectacular vista que se pode ter sobre a cidade, do outro lado do rio. E, como eu, ter assombrações. Divisar por artes mágicas deste S. João da folia e do alho porro, o doutor Rio sentado em plena praça do cubo, de fato domingueiro e perna traçada, saboreando um vinho fino seco a fazer boca para o almoço também próximo.
O doutor não pode ou não deve lamentar-se de nada. Nenhuma quadrilha de jagunços importados directamente de uma telenovela brasileira lhe foi encostar aguçados e ameaçadores facões ao abdómen para que se candidatasse ao cargo. E sendo assim, como diz o povo, quem corre por gosto não cansa. O doutor, ao que sei, até é daqueles doutores de verdade, que receita comprimidos, manda fazer análises e radiografias e nos carrega com um dedo mágico exactamente onde nos dói, fazendo-nos doer ainda mais. Não é nenhum doutor da mula ruça, a desenhar anúncios para plantar na sua Avenida da República ou a frequentar a chamada academia de Alcochete, ao serviço de uma qualquer rádio de Gaia, a fazer perguntas ao Fernando Couto sobre o estilo literário de William Shakespear.
Depois o doutor não sabe - desculpe que lho diga assim, cara a cara! - é governar a sua vida e o seu dinheiro. Por um lado porque o doutor não valoriza outras coisas que lhe são garantidas pelos palermas que o elegeram. E, obviamente, pelos parvos que também não tiveram nada a ver com isso. O carrito, a gasolina, o motorista fardado, a verbazita para representação, os telemóveis gratuitos, os almoços na cantina e os cafés no bar da autarquia, somados, se calhar ainda dão para meia dúzia de boxers de algodão e quatro pares de peúgas que cubram a canela. Quanto ao ordenado, receba-o e entregue-o à patroa. Intacto! Porque ela não precisará sequer de assessores licenciados em economia para fazer melhor do que o doutor faz. Quanto à roupita, incluindo o fato, aproveita uma segunda-feira de manhã e leva-o à feira de Espinho. Compra-se muita coisa em conta, alguma até de marca, especialmente nas barracas que se aproximam de Silvalde. No resto, basta estar atento aos bons exemplos. Lembre-se que muito menos ganha o Manuel Damásio, que nem doutor é. E veja com que esforço consegue pagar a prestação da casita, ter os filhos a estudar no colégio e frequentar uma ou outra festita para que o convidam os amigos mais próximos. A que se apresenta sempre de fatito e gravata lavados, carregando uma garrafita de vinho do Porto debaixo do braço, para não parecer mal. E ainda consegue, mesmo assim, embrulhar um Mercedes em celofane vermelho para oferecer de prenda de anos à Margarida. Aquilo sim, aquilo é que é gente de tino! Veja se aprende!
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