14 de outubro de 2004

A perversão das questões

Portugal não adquiriu, em quase novecentos anos de história, o hábito de descobrir os problemas, analizá-los e depois, racionalmente, partir em busca da solução. Portugal é e continua a ser como a táctica que, para o futebol, bastas vezes recomendava José Maria Pedroto: tudo a monte e fé em Deus.

Em Portugal não foi o algoritmo que falhou no circo a que o país assistiu na colocação de professores. Em Portugal, de facto, falham todos os algoritmos de que, na maior parte dos casos, nem sequer se tenta a respectiva construção. As coisas são deixadas ao sabor da improvisação e daquilo a que os poetas medievais chamavam inspiração.

Por um lado legaliza-se a venda de bebidas alcoólicas e carrega-se cada litro de cerveja com impostos. O orçamento fica, portanto, ansioso à espera da cobrança. Depois proíbe-se a venda a menores de 16 anos e obrigam-se estes a socorrerem-se de intermediários se houver quem, ao abrigo da lei, lhes recuse a venda e o consumo. Finalmente divulgam-se as estatísticas a revelar que os jovens, indistintamente do sexo e cada vez mais da idade, bebem em excesso, embebedam-se, recorrem aos serviços de urgência dos hospitais em coma alcoólico.

Por um lado legaliza-se a venda de tabaco, faz-se das respectivas empresas unidades de rentabilidade assegurada, impõe-se a cada cigarro o peso fiscal que, apesar do preço, o consumidor nem sequer imagina. Obriga-se a que cada maço de cigarros ostente dísticos ridículos em letras gordas: o tabaco mata. O orçamento, ávido, fica à espera da cobrança, os hospitais dos doentes, os cangalheiros dos mortos. Em alguns casos os marmoristas hão-de trabalhar campas e gravar lápides, as autarquias vender sete palmos de terra a preços da Avenida dos Aliados. Depois proíbe-se a venda a menores de não sei quantos anos que, mais uma vez, ou se socorrem de intermediários ou, como se diz na gíria dos fumadores, vivem da crava. No caso da venda lhes ser recusada e do comerciante abdicar dos sete por cento de comissão.

Portugal segue feliz e contente, com sete a um à Rússia, incontinentes benefícios do neoliberalismo e da globalização. Desenrascando, contornando, pervertendo!

1 Comentários:

Às 10:18 da tarde , Blogger Anjo élico disse...

esta impossibilidade agrada-me: a da descoberta - se bem que publicitada, e por que não? - de blogs com uma respeitável longevidade. Bem haja Cabo Raso que doravante incluirei nos links do mundo élico.
:)

 

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