18 de novembro de 2004

Dia estragado

Acordo estremunhado, levanto-me a cambalear, esfrego água fria na cara a ver se espevito. O rádio sempre ligado na mesma estação, velho hábito que já deveria ter corrigido. Já não tem interesse, já não vale a pena.

Vou ouvindo uma rapariga desabrida que parece querer impingir dez pensos rápidos a um dos passantes apressados que todas as manhãs fogem a correr para fora das estações de metro. A voz mais estridente do que lamurienta, insiste e reinsiste, não desarma.

Apercebo-me que obtém resposta. Voz masculina igualmente desabrida, ainda mais estridente, a escada rolante que não para a erguer-se do fundo na estação do Parque até à superfície. A água fria desperta-me, começo a perceber as coisas, apuro o ouvido.

A voz parece-me familiar, fecho a torneira, baixo a tampa da sanita a abafar o som da água que corre do autoclismo, aproximo-me do rádio, aguço o sentido. Não me enganei. Afinal a desabrida rapariga não procura vender pensos rápidos tão cedo, mesmo que a vida seja difícil. Está ao serviço da comunicação social e pergunta sobre a extensa novela do contraditório, com enfoque nos episódios da Alta Autoridade para a Comunicação Social e respectivo relatório que afinal parece beliscar o ministro qualquer coisa da silva.

Quem lhe responde, estridente e desabrido, é afinal o nosso super ministro, três em um, de Estado, da Defesa Nacional e do Mar que há, de ir e voltar.
...
Oh não! Não, não, não,não...
Estou num dos dias mais gratificantes como ministro da Defesa.
...
Quero lá saber! Quero lá saber!
Minha senhora: estamos aqui a gerar postos de trabalho, emprego, riqueza nacional, uma indústria a renascer, quero lá saber dessas coisas!
...
Eu vou ver os navios-patrulha, sabe? Minha senhora: estou a tratar de investimentos, tecnologia, postos de trabalho.
...
Eu é que sei o que é que para mim é importante, tá?
...
Boa noite minha senhora. Vamos embora Fernando: mostra-me lá os patrulhas!

Bem, posso continuar com a minha higiene matinal e com o esforço ingrato para despertar. Tranquilizo-me. Confio no futuro como se me fosse sair o euromilhões. A retoma está em marcha. Nem o Eurostat vai ter dígitos que cheguem para registar o crescimento.

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