17 de novembro de 2004

O tabaco mata

Assinala-se hoje o dia nacional e inútil do não fumador. Com a solene hipocrisia dos actos balofos e o desvairado neoliberalismo daquilo a que chamam a economia de consumo. Gente engravatada irá às televisões pronunciar-se sobre o assunto, dizer palavras que pouca gente entende e que o resto ignora. Haverá discursos, balanços, pontos da situação. O governo chamará a si todos os louros das nenhumas vitórias que não houve. Conselhos e comissões de prevenção e combate ao tabagismo darão sinal de vida, arriscar-se-ão a pôr a ponta do nariz de fora da porta, apesar do tempo seco e do frio agreste. Reclamarão do Estado o aumento dos salários e a troca dos automóveis de serviço.

Os maços de tabaco ostentarão, com orgulho, inscrições que levem a todos as novas dos reis magos: o tabaco mata! O governo continuará a decretar, regularmente, o aumento dos preços. Contribuindo para reduzir o sofrimento de cada compulsivo fumador, reduzindo-lhe a esperança matemática de vida e encurtando-lhe o caminho que vai directo ao cemitério de Agramonte. E arrecadará o imposto que não servirá para nenhum desígnio nacional nem para nenhum fim de utilidade colectiva. Silenciosamente A Tabaqueira aumentará a quantidade de tabaco vendido, melhorará as margens, verá os lucros subir em flecha sem investimento e sem esforço. Congratular-se-á por contribuir para a redução do desemprego: cada fumador morto será um desempregado a menos.

Por mim vou celebrar o dia da forma sublime com que o cidadão comum encara o cumprimento da lei. Invocando o dia 2 de Março de 1993 e os dois cigarros, os últimos, que consumi antes das nove horas da manhã. Depois de, no dia anterior, ter encaminhado para a tesouraria da Tabaqueira o correspondente a nada menos que três maços inteiros, ou sejam, sessenta cigarros. Já fui à procura de um CD com um excerto da Tabacaria dito por João Villaret, que o disse como ninguém conseguiu voltar a fazê-lo até hoje. E vou desgastar-me o resto do dia a ler o poema inteiro, de fio a pavio, como persistente forma de combate e de resistência.

...
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
...


1 Comentários:

Às 3:47 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Acho que não é uma questão de resistência! Tens todo o direito de fumar, de saboreares o teu cigarro... mas como digo num Post no meu blog, a falta de respeito de alguns fumadores obriga a estas medidas, que sinceramente, a mim tb não agradam por serem marginalizantes, mas que são necessárias para defender quem de outra forma não podia apelar se não ao bom senso dos fumadores. Agora tb pode apelar à lei!

Aníbal
http:\\carago.blogs.sapo.pt

 

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