As elites
A crescente frequência com que o país fala nas elites, a propósito de nada e a despropósito de tudo, deixa-me um sabor amargo a frustração e um revoltado sentimento de inutilidade. Carregado de dívidas e cheio de desempregados, com os empresários a reclamarem a baixa dos salários, o aumento da produtividade e o encurtamento dos prazos de entrega dos Ferraris, com a banca e os seguros esforçando-se por garantir a carteira e alguns postos de trabalho quando os lucros crescem a menos de 20 por cento ao ano, o país enxameia de elites. As elites surgem espontaneamente, de todos os lados, como os parcómetros nas ruas do Porto e os madeirenses nos comícios do Chão de Lagoa. Assemelham-se ao salalé que surge nos planaltos angolanos após as chuvadas tropicais, de asa caduca e vida efémera. Parecem voluntários participantes em manifestações no Terreiro do Paço, aliciados à conta do passeio, do almoço e do garrafão de tinto.
As elites sabem tudo, estão em todos os lugares, surgem quando o caos as reclama para a pronúncia final sobre as tragédias, têm nessas alturas direito a reverentes tempos de antena, sem uso de cronómetro e sem formulação prévia das questões. São como deuses pequeninos e humanos, que parecem ao nosso alcance, com aspecto de gente e algumas semelhanças com o bispo Edir Macedo, excluindo os fatos de bom corte, as viagens em avião particular e o negócio da Igreja Universal do Reino de Deus. Qualquer jerico, jumento ou mesmo burrico adulto e em vias de extinção, sem sequer passar pela academia para adquirir instrução e modos, se afirma como especialista seja no que for, adquire a condição de famoso e ascende, sem provas e sem concurso, ao estatuto providencial de elite. Desde logo apto para o desempenho de cargos ministeriais, incluindo o ministério da educação e a responsabilidade plena pela bem sucedida colocação de professores e pela manutenção em segredo dos relatórios de todas as auditorias que tiverem sido feitas ou pensadas.
Quanto ao vocábulo é escasso e curto o meu inseparável Dicionário Editora, 6ª. Edição, que refere a flor, o escol, o que há de melhor na sociedade. É óbvio que este permanente auxiliar não vale o preço que, há anos, paguei por ele. Não me converteu em elite de coisa nenhuma, amigos há que me apelidam de flor do capim, não tenho cartão de qualquer escol e, como se sabe, o melhor que há, em qualquer sociedade, são as crianças. Quanto a mim, entretanto, já deixei para trás até mesmo a adolescência. E quanto ao preço fez-se tarde para reclamar e exigir mais e melhor conhecimento da elite que, sem dúvida, se ocupou da sua elaboração.
Mas o conceito de elite alargou-se, a sociedade a que pertencemos passou a ser um jardim de lindas flores, - a propósito, as camélias estão floridas por toda a cidade! - já só temos melhores o que, a curto prazo, levantará problemas ao país por falta de termo de comparação. Qualquer gaja que se ponha nua em pelota e leia mal duas curtas notícias em frente a uma câmara de televisão passa a integrar a elite. Um ajudante de trolha que dê dois pontapés seguidos numa bola, ponha um tubo de gel no cabelo e dirija a um árbitro três c… sem parar, obtém o mesmo estatuto. Qualquer político que tenha nascido algures na capital e que por inspiração divina se veja como presidente da câmara da Figueira da Foz, - sem que me ocorra ninguém em particular - faça construir uns caminhos de tabuinhas que levem à beira-mar e empine dois copos nas docas depois da meia-noite é capa da Caras. E a Caras, como publicação de referência que é, não preenche capas com os desenhos ordinários do Sr. José Vilhena em que figura uma qualquer Odete de trancas à mostra e a apregoar uma virgindade do paleolítico.
Isto leva-me a concluir ter eu tido uma infância feliz, a que nunca faltou comida, calções e sapatos sem buracos nas solas, de permeio com umas boas cargas de porrada e alguns namoros platónicos. E a adolescência trouxe-me o convívio, esporádico e geralmente pago, com a elite, a flor, o escol da sociedade das putas do bairro de S. Pedro. Onde a gente ia todos, muito varonilmente despojados de complexos e cheios de vergonhas e inibições. Porque a Justa era, de longe, o que de melhor havia por aquelas bandas e por aqueles tempos. Pelos quinze anos - que a minha geração foi uma geração serôdia! - iniciava-nos a todos, de seguida se fosse esse o caso, à razão de vinte angolares por cabeça! Mesmo que eu hoje não pertença às elites, que fique bem claro: foram elas que me iniciaram!
As elites sabem tudo, estão em todos os lugares, surgem quando o caos as reclama para a pronúncia final sobre as tragédias, têm nessas alturas direito a reverentes tempos de antena, sem uso de cronómetro e sem formulação prévia das questões. São como deuses pequeninos e humanos, que parecem ao nosso alcance, com aspecto de gente e algumas semelhanças com o bispo Edir Macedo, excluindo os fatos de bom corte, as viagens em avião particular e o negócio da Igreja Universal do Reino de Deus. Qualquer jerico, jumento ou mesmo burrico adulto e em vias de extinção, sem sequer passar pela academia para adquirir instrução e modos, se afirma como especialista seja no que for, adquire a condição de famoso e ascende, sem provas e sem concurso, ao estatuto providencial de elite. Desde logo apto para o desempenho de cargos ministeriais, incluindo o ministério da educação e a responsabilidade plena pela bem sucedida colocação de professores e pela manutenção em segredo dos relatórios de todas as auditorias que tiverem sido feitas ou pensadas.
Quanto ao vocábulo é escasso e curto o meu inseparável Dicionário Editora, 6ª. Edição, que refere a flor, o escol, o que há de melhor na sociedade. É óbvio que este permanente auxiliar não vale o preço que, há anos, paguei por ele. Não me converteu em elite de coisa nenhuma, amigos há que me apelidam de flor do capim, não tenho cartão de qualquer escol e, como se sabe, o melhor que há, em qualquer sociedade, são as crianças. Quanto a mim, entretanto, já deixei para trás até mesmo a adolescência. E quanto ao preço fez-se tarde para reclamar e exigir mais e melhor conhecimento da elite que, sem dúvida, se ocupou da sua elaboração.
Mas o conceito de elite alargou-se, a sociedade a que pertencemos passou a ser um jardim de lindas flores, - a propósito, as camélias estão floridas por toda a cidade! - já só temos melhores o que, a curto prazo, levantará problemas ao país por falta de termo de comparação. Qualquer gaja que se ponha nua em pelota e leia mal duas curtas notícias em frente a uma câmara de televisão passa a integrar a elite. Um ajudante de trolha que dê dois pontapés seguidos numa bola, ponha um tubo de gel no cabelo e dirija a um árbitro três c… sem parar, obtém o mesmo estatuto. Qualquer político que tenha nascido algures na capital e que por inspiração divina se veja como presidente da câmara da Figueira da Foz, - sem que me ocorra ninguém em particular - faça construir uns caminhos de tabuinhas que levem à beira-mar e empine dois copos nas docas depois da meia-noite é capa da Caras. E a Caras, como publicação de referência que é, não preenche capas com os desenhos ordinários do Sr. José Vilhena em que figura uma qualquer Odete de trancas à mostra e a apregoar uma virgindade do paleolítico.
Isto leva-me a concluir ter eu tido uma infância feliz, a que nunca faltou comida, calções e sapatos sem buracos nas solas, de permeio com umas boas cargas de porrada e alguns namoros platónicos. E a adolescência trouxe-me o convívio, esporádico e geralmente pago, com a elite, a flor, o escol da sociedade das putas do bairro de S. Pedro. Onde a gente ia todos, muito varonilmente despojados de complexos e cheios de vergonhas e inibições. Porque a Justa era, de longe, o que de melhor havia por aquelas bandas e por aqueles tempos. Pelos quinze anos - que a minha geração foi uma geração serôdia! - iniciava-nos a todos, de seguida se fosse esse o caso, à razão de vinte angolares por cabeça! Mesmo que eu hoje não pertença às elites, que fique bem claro: foram elas que me iniciaram!
1 Comentários:
Dá para ver o porquê do nome do meu blog?
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