30 de janeiro de 2005

Encruzilhada

Têm razão os poucos que, por aqui passando, me acusam de perseguir uma vertente essencialmente política. Têm ainda mais razão se acharem que não levo a política a sério. Que a refiro com ironia, de forma sarcástica, depreciativamente. Têm razão ainda se entenderem que não alcanço a ironia desejada, falta quase todo o fel ao sarcasmo, não é afinal tão depreciativo o tom em que se enredam os comentários. A intenção confirmo-a, o demérito reconheço-o!

Mas digam-me como se pode levar a sério a política de um país onde um jornalista do bota-abaixo trai aquele que dizia ser o seu melhor amigo, se apodera de um pequeno partido, chega a ministro da defesa e do mar - e não da defesa do mar! - e se faz fotografar em pose de estado, ao lado da bandeira nacional. E que, num quadro de revista à portuguesa, se rodeia de meia dúzia de apardalados seguidores, anuncia a composição do seu governo e, de seguida, parte para a elaboração do programa e para a formalização da candidatura a deputado? Que anuncia a descoberta do século: a competência é útil a Portugal, e deixa de pé dúvidas quanto à China, com um país, dois sistemas e um Stanley Ho?

Como se pode levar a sério a política de um país onde um conhecido marialva - memória de ti haja, José Cardoso Pires! - chega a primeiro-ministro sem saber ler nem escrever, por herança directa de um tio que emigrou para a Flandres, a conhecer trincheiras da primeira guerra e a visitar polders holandeses. Que se rodeia de mil mulheres como se recordasse as histórias das mil e uma noites, sabendo-se que mais lhe sobrará a fama que o arcaboiço para tão árdua tarefa? E reduz a premência do problema nacional a saber-se quem pensa o quê sobre o acasalamento de galos com galos e de galinhas com galinhas. Como se isso pudesse contribuir para a redução do défice e para o crescimento da receita fiscal!

Como se pode levar a sério a política feita por engenheiros, como se calculassem a quadratura do círculo e a curvatura do juro, deixando aos tabeliões o estudo do direito romano e o projecto de pontes e auto-estradas com desníveis para a passagem do TGV a 300 quilómetros por hora a caminho do Fogueteiro. Quando reputados lentes de direito, ainda longe do jubileu e da idade da reforma, com capacidade plena para produzir e cobrar pareceres a que ninguém liga, declaram como desiderato nacional a decisão de ter um rumo e de voltar a acreditar, sem se saber em quê e muito menos porquê?

Como se pode levar a sério a política que persiste na reedificação do muro, insiste em chamar Estalinegrado a S. Petersburgo e continua a acreditar que o único evangelho foi escrito por Karl Marx alguns dois mil anos antes de Cristo. Para mais quando tem dúvidas de que a Coreia não seja uma democracia e de que a Madeira não seja um principado cujo chefe passa os fins de semana em Santana, excepto quando tem a agenda repleta de inaugurações. Nunca ninguém fez tudo certo, ninguém fez tudo errado. Toda a gente sempre aprendeu com os erros, é preciso aceitá-los, ajustar trajectórias. A infalibilidade, segundo dizem, pertence ao Papa e ele próprio se tem penitenciado por erros que anteriores sucessores de Pedro cometeram.

Como se pode levar a sério a política que não usando gravata veste desportivamente La Coste, se confessa completamente ateia e corre à Cova da Iria a acender velas de dois metros a Nossa Senhora de Fátima. Acreditar-se que para ter ideias sobre a vida é preciso ser-se correligionário daquele beirão chamado Morgado que defendia que o acto sexual era para fazer filhos e que, por junto, tinha feito um? E piscar-se o olho mais aos gabinetes da Rua do Arsenal do que às desconfortáveis cadeiras de S. Bento?

1 Comentários:

Às 9:55 da tarde , Blogger mfc disse...

Isto anda muito fraquinho, mas temos agora a oportunidade de mudar esta cangalhada toda.
Façamo-lo!

 

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