14 de fevereiro de 2005

Mais papistas que o Papa

Portugal é o país da polémica estéril, da atitude oportunista, da discussão sem argumentos. E isto, se todos nós fossemos sensatamente lúcidos, já teríamos tido tempo mais do que suficiente para o entendermos, para o evitarmos e para o corrigirmos. Mas não! O país divide-se de forma exacerbada, nunca se tolera o adversário, não se aceita opinião diferente da nossa, a razão está do lado da posição que assumimos. Tudo o resto é heresia, atenta contra a moral, a religião, a família e os valores a que alguns aludem. Sem os especificar, que isso é coisa que não convém por aí além.

Lúcia de Jesus, uma velha freira de quase noventa e oito anos, faleceu ontem em Coimbra na mesma clausura em que viveu as últimas décadas da sua vida. O português comum, aquele que se levanta meio de madrugada, que se apressa para apanhar os transportes, que ansiosamente espera pela hora para picar o ponto e sair do emprego, dificilmente ouviu falar desta religiosa. Identifica-a de imediato se lhe falarem dos pastorinhos de Fátima, aqueles que, nos idos de 1917, foram os privilegiados videntes das diversas aparições de Nossa Senhora na charneca da Cova da Iria.

O país, de uma forma geral, não sabia em que convento estava a religiosa Lúcia, como passava os seus dias, desde quando estava doente. Isso não impediu que o governo que exerce funções com contrato a termo, como qualquer amanuense, tivesse decretado um dia de luto nacional pela morte da senhora. Camões, se fosse vivo, não teria beneficiado de tamanha honra e Pessoa, como se sabe, apenas foi transladado para os Jerónimos quando o poder político entendeu que era maior o merecimento da obra do que o tamanho da cirrose e o consumo de bagaço.

Dois partidos políticos, pressurosamente, suspenderam as actividades da campanha eleitoral por dois dias. Segundo disseram, em sinal de respeito para com a figura desaparecida. Passados os dois dias, desgraçados de nós, voltaremos a ter a demagogia balofa, as nenhumas ideias, os propósitos caciques, até que se fine o período que a lei estabelece. Sintomático é que a propósito de tal suspensão se pronunciem respeitadas figuras da igreja para dizer que a mesma não era necessária. O que é óbvio! Não é por não me benzer quando entro numa igreja ou por me não prostrar de joelhos virado para o altar-mor que manifesto menor respeito pelo templo e pela religião. Isso foi, o que mais ou menos, quiseram dizer alguns bispos.

Não gostou do que ouviu o Sr. Ribeiro e Castro, que acha pouco crentes as figuras religiosas que apelidaram de oportunismo político a suspensão das acções de campanha. E quero crer que, nos momentos que a sua actividade política lhe deixar livre há-de ir, de catecismo empunhado, ensinar os rudimentos da catequese ao bispo resignatário de Setúbal. Porque essa, no fundo, é a sua verdadeira vocação.


P.S. (de post scriptum, mas podia ser outra coisa qualquer) - Um terceiro partido, que nos promete um rumo e uma nova religião em que possamos acreditar, ficou-se pela compungida hesitação entre o ateísmo militante do seu histórico patriarca e a devoção convicta do seu beato oficial. E assim sendo não respondeu sim e não respondeu não. Sensatamente ficou-se pelo "nim". Nos arraiais, feiras e mercados mandou recolher os zés pereiras e desligou os megafones. Debaixo de telha, como se possuísse licença de isqueiro, proclamou o ateísmo e a independência entre a igreja e o poder político. Tudo em pratos limpos!

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