O Orçamento
Antigamente, no tempo em que os animais falavam, o orçamento era um recado rabiscado em meia folha de um vulgar caderno escolar, num cursivo miúdo, cerrado e impenetrável, que o Dr Salazar mandava um estafeta levar à Assembleia Nacional, com passagem pelas arcadas do Terreiro do Paço, apenas porque esse era o caminho mais curto. De resto o Dr Salazar, licenciado em direito por Coimbra, doutorado pela Santa Madre Igreja e especialista em finanças domésticas pela Junta do Vimieiro, era parco de palavras, a que sobrepunha a eficácia dos gestos e das atitudes. O país seguia pachorrento à sombra de uma Constituição que o jurava uno e indivisível do Minho a Timor, manifestava-se a favor do chefe sempre que este ordenava e ia transformando o analfalbetismo e a miséria em barras de ouro que acumulavam pó e desgraças nos cofres do Banco de Portugal. O futebol, o fado e as sardinhas de conserva levavam depois a grandeza do condado até aos algarves e às distantes terras de Marrocos.
Depois, com a revolução industrial, a que segundo o licenciado Sócrates ainda assistiremos este século, e até talvez mesmo neste seu primeiro desconchavado mandato, as coisas evoluíram. O Orçamento passou a ser alguma meia dúzia de resmas de papel de primeiras vias, diligentemente dactilografadas durante noites sem sono e sem descanso, acompanhadas de centenas de mapas com números cuja exactidão era garantida pelas mais rigorosas réguas de cálculo da Papelaria Fernandes, passe a propapanda e o reconhecimento que o país, ingrato, lhe deve ainda hoje. Tudo arrumado num sem número de pastas de arquivo, tristes e sombrias nas suas lombadas negras, previdentemente amarradas com resistente fio de nylon e esforçadamente carregadas até à porta da Assembleia da República onde o respectivo presidente aguardava a comitiva, os acordes da fanfarra da Guarda e o desfile garboso dos bombeiros voluntários de uma corporação de província.
Mais recentemente o senhor ministro das finanças, acompanhando por uma comitiva de secretários de estado, chefes de gabinete, assessores, secretárias e auxiliares, passou a incumbir-se da tarefa ele próprio, para exemplo do país, do mundo e dos países de língua oficial portuguesa. Conhecida a debilidade física e sistemática dos ministros das finanças, o Orçamento passou a ser armazenado numa infindável sequência de zeros e uns, que os cientistas acordaram designar por sistema binário, e guardado numa peça minúscula, sem formato normalizado, a que os técnicos chamam gongoricamente "pendisk" e que nem o Sr Cardeal Patriarca saberia exactamente dizer o que é. Mas que as câmaras de televisão a procuravam mais do que ao pródigo colo da Dra Fátima Felgueiras, disso não ficam dúvidas.
Agora, segundo os jornais ditos de referência, o Orçamento reduziu-se ao duelo medieval de aves de capoeira cujo sangue, se derramado, não dá mais do que uma deslavada cabidela, se as normas da sacrossanta União Europeia assim o permitirem. De um lado um arrogante garnizé da cova das beiras, correndo atrás de todas as galinhas da capoeira, como se as fosse galar uma a uma e se de cada ovo pudesse esperar-se um pinto calçudo e um parágrafo do Tratado de Lisboa. Do outro um frango careca, a que vai faltando a plumagem e a explosividade da juventude, mais parecendo uma galinha poedeira que o aviário atirou inexoravelmente para a reforma por ter passado de prazo de validade e já não ser rentável a dúzia de ovos postos. E que, subindo à tribuna e não sendo maometano, se não vira para Meca, mas se vira todo para a Câmara de Gaia!
Depois, com a revolução industrial, a que segundo o licenciado Sócrates ainda assistiremos este século, e até talvez mesmo neste seu primeiro desconchavado mandato, as coisas evoluíram. O Orçamento passou a ser alguma meia dúzia de resmas de papel de primeiras vias, diligentemente dactilografadas durante noites sem sono e sem descanso, acompanhadas de centenas de mapas com números cuja exactidão era garantida pelas mais rigorosas réguas de cálculo da Papelaria Fernandes, passe a propapanda e o reconhecimento que o país, ingrato, lhe deve ainda hoje. Tudo arrumado num sem número de pastas de arquivo, tristes e sombrias nas suas lombadas negras, previdentemente amarradas com resistente fio de nylon e esforçadamente carregadas até à porta da Assembleia da República onde o respectivo presidente aguardava a comitiva, os acordes da fanfarra da Guarda e o desfile garboso dos bombeiros voluntários de uma corporação de província.
Mais recentemente o senhor ministro das finanças, acompanhando por uma comitiva de secretários de estado, chefes de gabinete, assessores, secretárias e auxiliares, passou a incumbir-se da tarefa ele próprio, para exemplo do país, do mundo e dos países de língua oficial portuguesa. Conhecida a debilidade física e sistemática dos ministros das finanças, o Orçamento passou a ser armazenado numa infindável sequência de zeros e uns, que os cientistas acordaram designar por sistema binário, e guardado numa peça minúscula, sem formato normalizado, a que os técnicos chamam gongoricamente "pendisk" e que nem o Sr Cardeal Patriarca saberia exactamente dizer o que é. Mas que as câmaras de televisão a procuravam mais do que ao pródigo colo da Dra Fátima Felgueiras, disso não ficam dúvidas.
Agora, segundo os jornais ditos de referência, o Orçamento reduziu-se ao duelo medieval de aves de capoeira cujo sangue, se derramado, não dá mais do que uma deslavada cabidela, se as normas da sacrossanta União Europeia assim o permitirem. De um lado um arrogante garnizé da cova das beiras, correndo atrás de todas as galinhas da capoeira, como se as fosse galar uma a uma e se de cada ovo pudesse esperar-se um pinto calçudo e um parágrafo do Tratado de Lisboa. Do outro um frango careca, a que vai faltando a plumagem e a explosividade da juventude, mais parecendo uma galinha poedeira que o aviário atirou inexoravelmente para a reforma por ter passado de prazo de validade e já não ser rentável a dúzia de ovos postos. E que, subindo à tribuna e não sendo maometano, se não vira para Meca, mas se vira todo para a Câmara de Gaia!
5 Comentários:
Bom dia..
Sou aluna de um colegio privado do Porto e estou a participar junto com alguns colegas num concurso a nivel nacional lançado pela sapo.
O nosso objectivo é apresentar melhorias criativas para a cidade.
Temos tambem que actualizar um blogue na plataforma sapo..
este é o nosso endereço: http://invicta-criativa.blogs.sapo.pt
gostariamos muito de contar com o seu apoio e divulgaçao!
Quantos mais portuenses unidos mais força teremos!
Contamos poder colocar o link deste blogue no nosso blogue até terça feira.
Bom fim de semana,
Ana Nunes
Luis, pois como já cá faltavam as tuas prosas tão certeiras quão corrosivas!
Sem papas na língua, sem rodeios, o retrato da nossa realidade aqui fica expresso, desconcertante e verdadeiro.
Como me agrada o teu regresso, que espero não seja efémero.
Um abraço
Abraços, de volta em cheio no império do meio.
Coloquei um link para aqui no meu novo blog.
Dá notícias por email por favor.
Abraço
Jorge
Se precisarem de algum emprestimo para esse orçamento, visitem credito online. Encopntram aqui.
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