Três anos
Três anos, minha mãe! Com a chamada telefónica de uma manhã de domingo cravando-se-me no dorso como um aguilhão, deixando a farpa presa e a ferida sangrando de dor ao longo deste tempo, sem esmorecer. Com a saudade escorrendo-me dos olhos com a lentidão dos minutos que parecem meses, engrossando a cada momento, sem nunca tombar, contra todas as apregoadas leis da gravidade. Não há retorno para esta orfandade solitária em que vivo submerso, sem ânimo e sem esperança para reencontrar o sol da vida a um qualquer canto deste circo povoado de palhaços e de bobos.
Mas prossigo, com a tua mão muito magra e trémula presa entre as minhas. Vou resistir, vou continuar, vou voltar. Pela dor, pela saudade, pela falta que me fazes!
Mas prossigo, com a tua mão muito magra e trémula presa entre as minhas. Vou resistir, vou continuar, vou voltar. Pela dor, pela saudade, pela falta que me fazes!
5 Comentários:
Nunca soube escrever... e tenho profunda convicção de que nunca hei-de saber.
Embora leia, vive e vivencie experiências diversas, sempre acompanhadas de uma pletora de estímulos.
Claro que nem tudo é (ideologicamente) positivo - não fossemos nós («demasiadamente») humanos. Mas também acredito que estímulos mais tristes são os que melhor fazem vibrar os sentimentos mais íntimos (sensíveis?).
É preciso sair do país para se ter (construir?) outra perspectiva. Diferente da que se tem vendo televisão e comentando com os (mesmos) pares. É o que tenho feito de há uns anos a esta parte.
Em relação às minhas integrações e perspectivas bem, dariam um longo e aborrecido comentário; contudo, posso partilhar que, independentemente (?) das articulações das variáveis ideológicas, situacionais e cognitivas de Doise, e talvez como o Amin Maalouf, tenho «com cada ser humano, pertenças em comum mas, que ninguém no mundo partilha todas as minhas pertenças, ou sequer uma grande parte delas» [Les Identités Mertrières].
Embora esteja sempre a aprender; prive e participe em diversas "experiências", ainda não possuo o «pensar habitual deste endogrupo» [JMPais] (eu diria «endogrupos») - nem creio que o pussuirei. Por vezes sinto-me algo perdido nas análises. Como se tudo observasse ao jeito, talvez, do «spectator» de Dewey e da «retroduction» dos, criativos, realistas críticos. Bem, de qualquer forma, seja o que fôr que analise, terá sempre o "meu" anamórfico cunho. A minha "anamórfica visão".
Da minha "anamórfica visão deste mundo (ou mundos)", e mesmo na plena consciência de que não sei escrever, lembrei-me apenas de partilhar aqui uma das pequenas estórias que um dia resolvi colocar no papel:
pequena estória:
O Huguinho tinha 5 anos, vivia com o pai e com a mãe, e não gostava nada de limpar a
casa. Muito menos ao sábado. Mas onde é que já se viu?
Os sábados não podiam ter sido inventados para isso. Mas quem é que se ia lembrar de
limpar uma casa ao sábado? Quando o som do pontapé na bola; das pedaladas; das
corridinhas e das caçadinhas se organiza em sinfonia, enquanto o sol sorri, brilhante, lá
fora?
Ou mesmo dentro de casa. Quer dizer, também há bolas dentro de casa - embora a
mamã não goste. E outros brinquedos, claro. Uma infinitude de possibilidades.
Agora, lembrar de limpar ao sábado, só mesmo de alguém que, com toda a certeza, não
teria mais nada para fazer.
Mamã:
- Huguinho, já arrumaste os brinquedos? Então vem ajudar aqui a mamã na sala
enquanto o pai arruma o escritório.
Huguinho:
- mmmmmmmmrrmmm... ohh mamãããããããã!!... Porque tenho que ser sempre eu
a arrumar os brinquedos?
Mamã:
- Huginho, porque os brinquedos são teus e és tu que brincas com eles! Já
imaginaste se o papá e a mamã não arrumassem os papeis depois do trabalho?
Ou se não limpassem e arrumassem a cozinha depois de cozinharem? E por aí
fora...?
Não, eles não podem ser arrumados agora. Não agora. Nem pensar. Não só o Huguinho
brinca com eles mas também eles brincam com o Huguinho. O Huguinho não os pode
parar agora. Não lhes pode suspender a vida que lhes deu e, simplesmente, arrumá-los.
Não agora que estão todos a meio dum jogo de futebol e, os bonecos preferidos dele –
os power rangers - estão a perder por dois a zero.
Huguinho mete o Sportacus – o seu heroi preferido - no bolso e monta o seu carrinho
electrico, o Newton – sim, monta, porque não o recarregou e agora só com as pernas o
faz mover; e, sim, o Newton. Era para ter sido Kepler mas ficou Newton -, pensa numa
boa desculpa e vai até à sala ter com a mamã.
Huguinho:
- Mamã, desculpa mas não te posso ajudar a arrumar.
Mamã:
- Porquê Huguinho?
Huguinho:
Mamã, escuta bem: o meu mundo é totalmente diferente do teu. Tudo tem vida à
minha volta, mamã. Todos os brinquedos que me deste. E tu nem imaginas como eles
falam e brincam comigo! E como todos eles precisam de mim para poderem brincar.
Assim que mos dás, mamã, eles ganham vida ao toque dos meus desejos. E muitos deles
até já fazem o que lhes mando fazer.
Neste momento, estamos todos a meio dum jogo, mamã, e é muito importante que a
minha equipe ganhe. Estamos a perder por dois a zero. E eles precisam de mim para
ganhar! Eles não brincam sozinhos, mamã!
A mamã sorri perante tão notável explicação e casta convicção e responde:
Mamã:
- Huguinho, meu querido filho, a mamã gosta muito, muito, muito de ti e, como a
casa também não se arruma sozinha, vai propor-te o seguinte: vais buscar o
«capitão» da outra equipe; deixas o Newton no quarto e vens aqui ajudar a
mamã com eles os dois nos bolsos.
Vamos os quatro dar vida a estes panos e vassouras.
Vamos cantar enquanto o fazemos. E quem acabar primeiro ganha.
E depois fazemos a segunda parte no teu quarto.
E vamos fazê-lo sempre, até que estas vassouras e panos trabalhem sozinhas e já
nem precisem de nós. Que dizes?
Bem, o Huguinho não sabe se a mamã consegue dar tanta vida quanto ele mas... é um
desafio. Quanto mais não seja, todas as mamãs gostam muito, muito, muito dos filhos
e... por amor tudo se faz.
Além disso, quem é que quer que a mamã deixe de gostar «muito, muito, muito» e passe
só a gostar «muito, muito»?
O melhor é fazer mesmo.
A mamã vai ver só quem é que dá mais vida.
Huguinho:
- Vamos, Newton, rápido!!!
Reykjavik, 24/05/2008,
Rui Filipe Vieira
Não sei se gostarás mas, o meu atrevimento de escrita deveu-se a Bachelard, quando um dia disse que "a tinta de escrever, por suas forças de alquimia tintura, por sua vida colorante, pode fazer um universo, se apenas encontrar seu sonhador." ["O Direito de Sonhar", pág. 46.]
E eu continuo a sonhar...
Um grande abraço, meu querido Pai.
Rui Vieira
Primeiro, a surpresa! Muito agradável, por inesperada. Quem é contemplado com uma nova parábola e as palavras solidárias de um Filho, tem razões para continuar a sonhar e, mais do que isso, a acreditar! Obrigado Rui. Um grande e apertado abraço do Pai.
Comovente, Luís!
Valeu a pena ficar por cá, para chegar a este post e ser testemunha virtual deste gesto de amor filial...
Um abraço solidário
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