24 de abril de 2009

26 de Abril

Em vésperas de completar 35 anos de idade o 25 de Abril deveria estar na pujança da vida. Ser adulto, ter-se feito responsável, adquirido uma consciência colectiva e solidária, ser respeitado e lembrado por aquilo que de facto deveria representar. Nada disso acontece, o 25 de Abril agoniza nos estertores da morte e não há perspectivas de regresso do seu profundo estado de coma. O 24 de Abril está mais vivo do que ele, inaugura benfeitorias, celebra Salazar, faz a apologia da xenofobia, insurge-se contra a promoção a coronel de Otelo e manifesta-se nas paredes de forma tranquila e impune.

Como prova disso basta atentar em quem, amanhã, celebra o quê e onde o faz. O país deixou de existir, não tem nem autonomia nem independência. Vendeu-as a troco de dez réis de mel coado que deram para a construção de algumas auto-estradas, para uma série de projectos megalómanos, para o enriquecimento injustificado de uma clique sem escrúpulos e, linearmente, para o roubo. O país não tem sistemas de educação, de saúde, de segurança ou de protecção social. Mais do que isso, não tem nem moral, nem ética, nem vergonha.

O país maltrata os jovens, reservando-lhes apenas a nova oportunidade de obterem um diploma académico sem terem frequentado a escola. De resto não têm nenhuma garantia de frequentar escolas condignas e de serem ensinados por mestres profissionais e responsáveis. A única perspectiva que se lhes oferece é o desemprego, depois de uma licenciatura de 3 anos e de um mestrado de mais 2. E a certeza da dívida incomensurável e criminosa que vão herdar da geração dos seus pais que se foram entretendo com a construção de centros culturais, exposições internacionais, estádios de futebol, comboios de alta velocidade e aeroportos que acolham os muitos aviões que garantam a muito necessária ligação aérea entre Alcochete e o Montijo.

O país ignora e sacrifica os adultos que, teimosamente, ainda acreditam que a democracia em que vivem é uma senhora digna e respeitável que usa meias de vidro e sapatos de verniz. Quando de facto ela se vai mostrando a medo e às escondidas nos portais esconsos das muitas pensões de passe a cujos quartos sobe, por profissão e por necessidade. Em plena luz do dia, sem esperar pelo lusco-fusco do crepúsculo ou aguardar pela protecção da escuridão da noite. Os adultos acordam a perder empregos, afogados em dívidas que não podem pagar, não sabendo que bucha terão para o almoço, ou sequer se a terão.

O país, literalmente, mata os velhos, não assumindo tão pouco a responsabilidade de enterrar os mortos, como fez Sebastião José de Carvalho e Melo. Ao invés disso, deixa-os morrer à míngua, sem dinheiro para as mezinhas para tratamento das doenças que sobrevêm com a idade e sem instituições que os acolham e os dignifiquem. Para um problema sério o país trás consigo, na algibeira das calças, a magreza da esmola em moedas de alguns cêntimos. E a fantochada de apregoar, em época de eleições, que todos os velhos sem dinheiro para a sopa diária, terão agora os medicamentos inteiramente de graça. Podendo doravante morrer por falta de dinheiro para a sopa, mas mais lentamente, porque poderão tratar da gota desde que as empresas do Dr. Cordeiro produzam os medicamentos genéricos necessários.

É preciso que se vire a página do calendário e se chegue ao 26 de Abril. É preciso reabrir os quartéis das Caldas da Rainha e de Santarém, reciclar blindados artesanais e obsoletos, fazer ressuscitar homens que daí partiram sem irem em busca do poder e da fortuna. Do 25 de Abril, de facto, apenas nos resta a memória deles, dos Capitães de Abril.

2 Comentários:

Às 11:42 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

E que boa memória eu tenho!
Sou uma pessoa de boas memórias e as de Abril são... lindas!
Não tenho pressa para chegar a 26, quero saborear devagarinho a boa memória que tenho do 25.
Deixa-me sonhar, Luís! Nem que seja por um dia.
Um abraço amigo da Fátima

 
Às 12:02 da manhã , Blogger Andanç(AS) disse...

NÃO ENTENDO O ANDANÇ(AS)NESTE BLOG...

 

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