Raça de preto, branco, mestiço e pele vermelha
Desde sempre convivi com
pretos, brancos e mestiços. Convivi, vivi, brinquei, chorei, estudei, rebolei
na terra vermelha, chapinhei na água da chuva, quebrei morro de salalé. Em casa,
no quintal, na rua, na escola, no kimbo, na estrada da vida, caminho longo para
são tomé. Brancos, pretos, mestiços – todos, cafusos, mulatos, cabritos e por
aí fora. Tudo ainda antes de aprender as cores.
Depois fui na escola e me
ensinaram as cores. Preto, branco, encarnado, sei lá mais o quê, benfica,
sporting. E ainda as raças humanas, conforme a cor da pele, mesmo depois de lavar
com sabão macaco ou até lifeboy. Sabia lá se havia raças humanas antes das
cores e da colecção de cromos que a gente ia desconseguindo, tão poucas macutas
que sobravam para os candengues daquele tempo, bola de trapos, arco de barril,
fio de amarrar fardo de bacalhau.
Nesse tempo veio a confusão
na minha cabeça, eu não era normal, eu não era branco. Branco mesmo era o muro
da casa, caiado de um branco alvo e limpo, uma cor que nem sei explicar. E o zé
sapalo, a outra metade de mim, não era mesmo preto, era mais um bocado escuro
do que sei lá o quê e mais branco do que o tal de preto. E o senhor aires das
mentiras era menos preto ainda ou mais claro, sei lá. Lhe chamavam de cabrito
mas não tinha quatro patas, não comia capim, não saltava na rua, fumava
francesinhos, sentava numa cadeira.
O zé me xingava de branco e
os dois ríamos com os catuitis em cima da nossa cabeça. Eu lhe chamava de preto
e ele ria para dizer que preto era carvão de fazer churrasco. Mas se lhe
xingava de matumbo ele ficava zangado, às vezes até mesmo mais triste ainda.
Quando a carreira me levou para luanda e
nos separou ficámos só metade, um de cada lado. E quando a senhora, que era a
minha mãe, me contou da morte dele, fiquei calado e chorei sozinho, ficava só eu
com a minha metade.
Desse tempo me lembro do adolfo,
uma da manhã, a gritar pela rua do comércio, ó coimbra anda cá que tu és branco
– não era, nem tinha a cor do muro da casa – olha o guarda nocturno a
perseguir-me porque eu sou preto – não era, era até menos que assim-assim. E dos
convites colectivos do nosso mais velho adelino de benguela, quando a dona
voltava da viagem na catumbela e trazia o dendém para a muamba de domingo e ele
nos falava que almoço era à uma hora. Nunca ele falou que primeiro sentavam os
escuros porque ele era preto - bem, não era preto, era só assim-assim – e só
depois os brancos, como eu, que ainda hoje nem me pareço com o muro do quintal.
Agora nem quero
esferográfica preta, escondo o jornal dentro da camisa, por causa da cor da
tinta. Ainda acabo a ser chamado de racista, melhor mesmo é ficar calado. O
preto, nem sei quem foi que descobriu isso, é a ausência de todas as cores, até
mesmo a ausência dele. Racismo não foi aquele senhor ruivo, dono de um alto
cargo, olhar para mim de alto a baixo, lá para o conde redondo, quando lhe
perguntei onde era a casa de banho e, altivo, seguiu adiante. Então não se via
logo que homem ruivo, em alto cargo, nem sequer mija? Não responder não é racismo
nem segregação, é só diferença social.
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