Elegia para cães e gatos
De tão egoístas que somos
Nem sequer nos damos conta
De como os animais são mais
do que nossos amigos
E dizemos ter vida de cão
Quando ela é complicada
Para dizermos que o cão é o
melhor amigo do homem
Quando o nosso semelhante
nos trai
Com um brilho no olhar
Um sorriso largo nos lábios
E a mais descarada
desfaçatez no coração
Um pequeno gato
Que brinca com uma rolha
Pendurada por um fio nas
costas de uma cadeira
É um raio de sol
Um rasto de conforto que nos
afaga
Que nos salta para as pernas
E se nos aninha nos joelhos
quando estamos à mesa
Acabando a adormecer e a
ronronar
Como se nos protegesse de tudo
Recordo-me de sempre ter
havido gatos em casa de minha mãe
Gatos rurais de província
Sem os hábitos e os vícios
cosmopolitas
Andando pelos campos sem
medo de nada
Seguindo-me os passos por
todos os caminhos
Como se fossem cachorros
Miando uma vez por outra
Como se falassem comigo
E me avisassem de um buraco
no carreiro
Ficando à espera da minha
resposta
E chegando-se-me às pernas
Quando me ouviam o carinho
de duas palavras
Numa reacção que não vejo
nos meus semelhantes
Os gatos são organizados
Tratam da sua higiene
E prezam a sua independência
Ocupam todos os cantos da
casa
Adoecem e não se manifestam
Sofrem em silêncio
Como se essa fosse a sua
tarefa
Podendo apenas ter um olhar
mais distante e triste
Como se pedissem desculpa
pelo incómodo
Quando adoecem gravemente
Têm o mesmo comportamento
silencioso
E o mesmo olhar triste
De quem se despede de nós e
da vida
Quando os perdemos
chora-mo-los
Como familiares próximos que
sempre nos foram
E deixam-nos a vida vazia
Durante tanto tempo
Que até parece que as horas
se não dobram nos relógios
O último grande problema de
minha mãe
Não foi a orfandade do seu
filho único
- e não é com lamento que o
digo é com orgulho –
Mas a separação e o destino
do joli
Um cachorro rafeiro de
província
De latido esganiçado e modos
melosos
Que ela não sabia a quem
poder confiar
Para que continuasse a ter
comida conforto e carinho
E depois de o conseguir
visitava-mo-lo todas as semanas
Sendo recebidos com tal
alegria
Que o cachorro latia se rebolava
no chão e mijava-se todo
Com o olhar tão terno
Que apenas podia ser
comparado com o de minha mãe
Com a morte da dona deixámos
de aparecer
E o joli definhou
rapidamente
Desinteressou-se da vida
E morreu magro de tristeza
Enterraram-no no meio de um
pinhal próximo
Onde ao menos sempre tem o
vento por cima
Agitando as copas altas dos
pinheiros
E acariciando a caruma que
lhe cobre a sepultura.
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