Não tem um dia para falar saudade
Não tem um dia para falar
saudade. Tem só um dia para falar que é dia de domingo, para encontrar com os
amigo, passear um bocado, adiantar beber meio litro de vinho ou quissângua até
que pode ser caxipembe se lá na loja tem para lhe vender. Os outros dias até
que não sei o nome deles, não adianta nada, é sempre sempre para trabalhar, sei
lá se o nome deles se é sábado ou se é o quê.
Mesmo no domingo adianta
sair só depois do almoço, depois de pegar o luíko, bater o pirão, assar o peixe
seco no fogo, deixar os pratos todos lavados, todas as coisas arrumadas no
sítio delas. Depois até pode ser que vou ter a minha sorte, vou conseguir levar
a bicicleta Hopper para ir com ela até na Bomba, tomar bem conta por causa dos
gatuno, conversar, beber um bocado, cuidado com a piela, o menino sempre fala.
Quando saí no vicanjo não
sabia nem português, só mesmo esse umbundo que lhe aprendi nas costas da mãe.
Quanto mais isso de vinho, caxipembe, sapato, saudade, todas essas palavras dos
brancos. Quando saí sei só que a chuva tinha parado de chover, na estrada o
camião chegou ao pé de mim, cheio dos sacos de milho em cima dele, parou um
bocadinho, subi em cima, sentei num saco e fui até à cidade com os olhos
espantados e o medo lá dentro de mim.
Com o menino adiantei
aprender essa língua do puto muito difícil de falar, nem que cabe na cabeça. E
fui-lhe dizendo como a gente fala o nosso umbundu, as asneiras todas primeiro,
ele que quis, até que nem vou dizer aqui outra vez. Ele me disse como fala
galinha porco água frio saudade tudo. Mas isso de saudade é palavra de confusão
não é de comer, a gente não vê como que vai saber aquilo que é? Luíko a gente
pega peixe a gente come vinho a gente bebe.
Saudade é palavra que o
branco fala mas não dá para ver nem para lhe agarrar. Aprendi calça camisa
sapato sabão banho tudo. Saudade ninguém que me diz é isso aí, tu come com a
mão, mete no bolso se quer pode beber ou deitar fora. Diz que fica dentro do
coração vai batendo com ele se ele para a gente pronto, uafa.
Adiantei perceber que
saudade afinal é a mulemba que tinha no vicanjo, quando o sol vem a gente senta
em baixo dela fala as nossas conversas brinca as nossas brincadeiras. Agora que
estou na cidade, visto camisa e calço sapato, vou ter com os amigo, bebo o meu
meio litro ando na Hopper. Mas fico sempre a pensar os amigos do quimbo, o
tamanho assim grande da mulemba, os dias com o sol e nós todos em baixo com as
conversas e os risos. E afinal sei que saudade é mesmo essa mulemba que ficou
no quimbo, com os mais velhos sentados na porta, fumando o cachimbo deles, comendo
as folhas do tabaco cultivado na chitaca. Saudade é a mulemba que ficou lá e
não tem dia para lhe falar. Todos os dias ela está lá, como a Mãe!
1 Comentários:
Achei muita piada à palavra 'chitaca'.
Há meio século que saí do Huambo...
Coloquei Dra Dorinda Agualusa no motor de
busca do Google e acedi a uma postagem
sua de 2014 que inclui uma carta da Dra.
Ainda é viva? Como está?
O seu blogue é interessante, é estranho
não ter comentários. Sabe porquê?
Voltarei para verificar se me respondeu.
Dias felizes.
Saudações blogueiras.
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