Um barco pendurado do tecto
Um barco pendurado do tecto
Pela hélice de quatro pás
Com o motor fora de borda
caindo-lhe da popa
E a luz dos candeeiros da
rua
A afogar-se no brilho
molhado do asfalto
Como se houvesse chuva que
tivesse sobrado dos incêndios
Enquanto a tua nudez se
projecta na parede do quarto
Como o silêncio que ainda
resta da madrugada
E se picasso ainda pintasse
a guernica
Sobre uma bandeira da
catalunha
Onde se destacasse o rigor
geométrico da tua silhueta.
Há sempre uma bandeira
mergulhada num tanque de roupa
À espera do sol e da barrela
Como se as águas que correm
nos rios
Lavassem todas as coisas
E tirassem todas as nódoas
que o álcool deixa na ressaca
Para depois poder ser palete
tela pincel esboço
Corpo inteiro beleza obra de
arte
Lugar permanente em galeria
de museu
É com as mãos limpas que
irei acariciar os teus cabelos
Com as unhas cortadas rentes
E o teu pescoço de girafa
esticado para a colheita dos rebentos novos
Nas pontas dos ramos
Como vinho tinto com mais de
quatorze graus de graduação
E um universo de nevoeiro
libertando-se das narinas
Com o barco à deriva e a
âncora solta
Nadando como um peixe
vermelho de águas fundas
As minhas mãos percorrendo a
intimidade das tuas pernas
Como o simples começo da tua
alma
Sob o tecido fresco da manhã
Que te veste de
transparência e de desejo
Procurando o que de mais
secreto tens para guardar
Nos escondidos segredos do
teu corpo inteiro
A posição instintiva de
decúbito dorsal de quem ama
Todo o alvoroço da cama com
as roupas em desalinho
Aguardando pela arrumação
E pelo sol em chamas
atravessando as frinchas da janela
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