No dia do beijo
Leio nas páginas do jornal
que hoje é o dia do beijo
Por isso o dia começou
diferente de tudo
E o despertar já me chegou
com o ruído de beijos
Quando o telefone tocou o
som era música de beijos
Intercalados com pequenos
espaços de silêncio
E mesmo a tua voz se desfez
em beijos sem tos pedir
No jornal todos os títulos
são desenhados com beijos
E mesmo nos textos não se
vêem outras palavras
A chuva de ontem deu lugar
ao sol franzino de hoje
E as nuvens brancas só
desenham beijos
No fundo azul do céu
Na rua as pessoas não se
abraçam beijam-se
Não conversam beijam-se
Não reclamam beijam-se
Não correm beijam-se
Não discutem beijam-se
Um homem que atravessa a rua
não fuma atira beijos para o ar
No café a chávena tem beijos
desenhados por dentro e por fora
E o próprio café não precisa
de açúcar para saber a beijos
Todas as pessoas que passam
têm marcas de beijos nas roupas
Damos as mãos e quando as
separamos elas só têm marcas de beijos
As floristas não nos
entregam ramos de rosas mas de beijos
Na televisão todos os
programas são de beijos
- alguns até um bocado
ousados de mais! –
Nas igrejas as orações foram
todas substituídas por beijos
E as próprias religiosas têm
beijos estampados nos hábitos
À entrada dos quartéis estão
todos os comandantes
A beijar os soldados que
chegam
As ondas que embatem nos
molhes viram beijos brancos de espuma
E as que vêm morrer à praia
deixam beijos traçados na areia
Os cursos dos rios riscam o
contorno de beijos entre as montanhas
E estas têm beijos
esculpidos nos cumes
Brancos de neve se ainda se
espera pelo tempo do degelo
Para a água cristalina serem
beijos brotando das nascentes
Apesar da velocidade com que
correm todas as coisas
E da rapidez com que nos
chegam as notícias
Ainda não sabemos se a
guerra na Síria passou a ser de beijos
E se no Iraque os jazigos de
petróleo passaram a armazéns
De beijos de todos os
tamanhos e de todos os formatos
Com beijos saindo como
cravos dos canos das espingardas
Atingindo de pão e de ternura
os peitos nus dos adultos
E as bocas inocentes e
famintas das crianças
Hoje todas as fábricas de
armamento passaram a fabricar apenas beijos
As respectivas empresas deixaram
de estar cotadas nas bolsas
E de distribuir dividendos
pelos accionistas
A quem apenas restarão
beijos para promover a igualdade
E construir um planeta só de
beijos
Em todos os oceanos e em
todos os continentes
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