África
Aprendi os meus passos
Nos caminhos do teu corpo
E as minhas palavras na
liberdade dos teus pássaros
Ganhei a minha sede no
tamanho das tuas anharas
Para depois a afogar no
leito dos teus rios
Adormeci sob a cintilação
das tuas estrelas
Penduradas na comunidade de
um céu quieto
Ganhei distância na
imensidão das tuas savanas
Tirei visgo da mulemba atrás
da casa
Para caçar bicos de lacre
nos segredos do capim
Cavei pau-cesse para fazer
casa para passarinho
Apanhei grilo só para lhe ouvir
cantar
E aprendi tuas músicas no
fim da manhã
Quando a água vermelha da
chuva corria nas valetas
E as quitandeiras subiam do
kussava
Embrulhadas nos seus panos
pintados
Os monas pequenos amarrados
nas costas
Gritando as falas delas
É o gimorango gimorangué
Só meia cinco minha sinhora
Saiu mesmo agora dos lugar
deles
Nem precisa pôr açúcar
É só lavar na água e lhes
comer
Faz favor arranja um bocado
de pão
Para a fome do monaiangue
Nome dele é francisco como o
menino da loja
Que tem lá no kimbo quase
quando chega no kewe
Onde o salalé adianta voar
depois da chuva
E perder as asas dele no
chão todo molhado
Anda compra tudo e vou já
mimbora
Adiantar um bocado de pirão
para os mais maiores
Que ficaram lá nem nada de
comer
E um matete para o mona
Sempre a chorar a fome dele
em cima das minhas costas
É assim a vida dos pretos
O bairro era uma rua de
terra
Que chegava do kussava até
na cidade
Os passeios também de terra
As casas de adobe
Lá dentro o canto para
acender o fogo
Quando o tempo traz a chuva
dele
E o cimento no chão
Às vezes não
Sempre muito de manhã
O senhor pacheco a passar em
cima da motorizada dele
Acordando as pessoas e
espantando as galinhas
O senhor loução carregando
os barris vazios
Em cima do camião fargo
Deve estar mesmo mesmo
Para ir lá longe nas caçadas
dele
Secar a carne e as peles dos
bichos
E voltar sei lá quando
A barba grande
A camisa toda rota
As calças sujas igual com as
botas
A carne pendurada na corda
da roupa
As peles a lhes levarem na
fábrica do mau cheiro
Para saírem uafina para
fazer sapatos
Para o dinheiro dos brancos
A seguir a igreja ainda que
não está pronta
Toda feita do tijolo que
veio no camião
Uma parte mais alta do que
um saparalo
Diz é para por o sino
Para avisar para a missa
como na missão do canhe
E até às vezes eu já vi a
menina do senhor loução
Vai namorar lá dentro
E depois volta para casa
Quando começa de ficar
escuro
Quando cheguei à idade de
sete anos
E fiquei maior do que o
milho antes de ganhar maçaroca
Adiantei vestir meia branca
e calçar sapato
E me levaram na escola
setenta não sei quantos
Onde a dona maria não sei
quê
Me mandou sentar na carteira
Ficar calado
E fazer com devagarinho as
letras do aeiou
Nem lembro mais se tinha um
preto lá dentro
Todos que tínhamos a bata
branca vestida
E os miúdos sem tempo por
causa de ir na padaria
Buscar o pão para o
matabicho
Só mais velho veio o zé
entrar na minha vida
E me ensinar o umbundo que
não aprendi com a lavadeira
Até mesmo aquelas asneiras
todas que não pode falar
Quando a sinhora está ali
para ouvir
E isso tudo eu sabia lá se
era áfrica se era o quê
Era só a nossa vida
Brincando no meio do capim
Eu branco e o zé preto
E os dois sem tempo para ver
nada disso
Ocupados a fazer as gaiolas
para os bicos de lacre
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