Vida igual de bagre
A minha vida parece do
bagre, sempre no fundo do rio, no meio dos caniços, o esperto na cabeça dele
para espreitar as minhocas na ponta do anzol. Se tem sorte adianta lhes comer,
deixa o anzol com a água do rio a lhe lavar, vai-se embora no caminho dele. Se
desconsegue tem azar, come a minhoca junto com o anzol, tudo na barriga, vai
sair pendurado na linha de pesca, o rabo a mexer assim assim como rabo de
lagartixa, acaba morto para assar no fogo, conduto de acompanhar pirão de logo
à noite.
Até acho que vida de bagre nem
tem isso de rir, sempre a mesma coisa lá no fundo do rio, nem sol de lhe poder
olhar nem capim para lhe comer, ainda que está bem, bagre não é cabrito. Mas
tudo assim sem barulho, nem nenhuma confusão, sempre que deve ser como de
noite, sei lá se o bagre tem os amigos dele, sabe umbundu, pode conversar, ir
na loja se tem, até beber meio litro quando é dia de domingo à tarde e ninguém
trabalha por causa do benfica. Mas acho que não, bagre não sabe falar, no fundo
do rio não tem igreja como no Canhê, não tem tempo para descansar, sempre no
trabalho dele, daqui para ali daqui para ali, nem ao menos um loengo das
quitandeiras.
Se não fosse acabar a lhe
assar no fogo todo a arder, até que ser pescado era sorte do bagre. Sair do
fundo do rio, tudo cheio de caniços a terra toda molhada de sujar os sapatos,
sair fora da água. Ficar parado em cima do capim, o sol a lhe secar daquele
banho todo, ir em casa quando fica de noite e as senhoras começam de chamar os
meninos delas para ir comer a sopa e deitar na cama por causa da escola amanhã
de manhã. Assim não sei se no rio tem cama e se o bagre também fica com o sono
dele, a água fria sempre a lhe lavar os olhos. Mas deixa lá, é a vida dele, não
adianta falar se não tens com isso.
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