16 de dezembro de 2019

Vida igual de bagre


A minha vida parece do bagre, sempre no fundo do rio, no meio dos caniços, o esperto na cabeça dele para espreitar as minhocas na ponta do anzol. Se tem sorte adianta lhes comer, deixa o anzol com a água do rio a lhe lavar, vai-se embora no caminho dele. Se desconsegue tem azar, come a minhoca junto com o anzol, tudo na barriga, vai sair pendurado na linha de pesca, o rabo a mexer assim assim como rabo de lagartixa, acaba morto para assar no fogo, conduto de acompanhar pirão de logo à noite.


Até acho que vida de bagre nem tem isso de rir, sempre a mesma coisa lá no fundo do rio, nem sol de lhe poder olhar nem capim para lhe comer, ainda que está bem, bagre não é cabrito. Mas tudo assim sem barulho, nem nenhuma confusão, sempre que deve ser como de noite, sei lá se o bagre tem os amigos dele, sabe umbundu, pode conversar, ir na loja se tem, até beber meio litro quando é dia de domingo à tarde e ninguém trabalha por causa do benfica. Mas acho que não, bagre não sabe falar, no fundo do rio não tem igreja como no Canhê, não tem tempo para descansar, sempre no trabalho dele, daqui para ali daqui para ali, nem ao menos um loengo das quitandeiras.

Se não fosse acabar a lhe assar no fogo todo a arder, até que ser pescado era sorte do bagre. Sair do fundo do rio, tudo cheio de caniços a terra toda molhada de sujar os sapatos, sair fora da água. Ficar parado em cima do capim, o sol a lhe secar daquele banho todo, ir em casa quando fica de noite e as senhoras começam de chamar os meninos delas para ir comer a sopa e deitar na cama por causa da escola amanhã de manhã. Assim não sei se no rio tem cama e se o bagre também fica com o sono dele, a água fria sempre a lhe lavar os olhos. Mas deixa lá, é a vida dele, não adianta falar se não tens com isso.


0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial