14 de fevereiro de 2020

Mangonheiro não


Nada. Nem que sei falar nada disso. Então não sei que dia de domingo não é dia para fazer mangonha? Mas sei, mangonha não. É dia de acordar cedo, com depressa sempre na cabeça, tomar banho, passar o sabão nas pernas, a pele toda a brilhar parece os sapatos do patrão, aka. Vá lá que foi o menino a me chamar, zé já foste embora. Ainda, e falou mangonheiro! E o banho nem nada, a bicicleta arrumada no sítio dela, à espera, a roupa na corda, nem que lhe engomei. Os sapatos ainda adiantei lhes engraxar junto com os do menino, até ele que me deu. Sábado ou talvez não, tens mais nada com isso, pronto. E agora assim escuro aqui na casa, nem que o sol veio, sei lá se já é hora de fazer o fogo, assar o peixe, pegar o luiko para bater o pirão para o almoço, a fuba até que nem lhe gosto. Paciência. O frio a entrar em baixo do kambriquiti, lá fora a chuva a chover, parece que é de mais, o barulho no chão, o rio a ficar cheio. Se queres a estrada da canata para ir em cacilhas, não vai dar para passar o rio, a água é muita, ir à pesca também não dá. Até que os bagres nem podem ver a minhoca no anzol, sorte deles.

Eh lá, olha lá o sol que começa de sair em cima da mulemba, assim devagarinho, a chuva mais pequena, as laranjas na árvore delas quase para poder lhes tirar. Ainda que deu para engomar a camisa, lhe gosto, tem um bolso para meter o dinheiro e os francesinhos. A senhora que vai me adiantar quanto é, pode ser cem ou cinquenta, vá lá. Tem de ser.  Não posso chegar no canhe sem meia-cinco, dinheiro para uma gasosa, pode ser meio litro de vinho, igual o que o patrão sempre bebe junto com o almoço dele. Aquele que está a sair no puto, o barril todo cheio, tem que fazer um buraco, por uma torneira, carregar com ele em cima do balcão na loja. É bom, já deu para provar, até que a senhora nem sabe, nem o menino que lhe falei, mas passa o frio e a fome tudo. De manhã mais que apetece o meio litro do que o matabicho, até que a fome vai embora logo-logo, a senhora sempre adianta rir, fala que vinho não mata a fome. Pois, ela até que não bebe nada, só água, nem quissângua, como ia saber isso, ora bolas. Quem que lhe aprendeu então?


Vamos lá então, em cima da bicicleta hopper, toma cuidado com os carros, sempre com depressa na velocidade deles, vão te sujar os sapatos e as calças, talvez ainda vais cair, mais pior. Melhor ir a pé, a bicicleta na mão até chegar no alcatrão, ao menos que aí só tem água, só que molha, depois fica seco não suja nada. Passo lá em baixo da linha do comboio, a ponte em cima, para ir no caminho dele, com sorte que até vejo o comboio-mala ou pode ser o kamakowe. Um cheio com as pessoas a espreitar nas janelas, algumas com a cabeça a sair, deve ser para cheirar o cheiro dos eucaliptos. Até que pode ser mesmo o kamakowe, a máquina na frente a lhe puxar, até que pode apitar, grande que não dá para lhe ver todo. Nem que cabe na estação, juro mesmo, como vou saber o que leva lá dentro, todo fechado. Se não é fechado pode ser os paus de madeira, sei lá se vão para onde, deve ser para lhes cortar, fazer as tábuas para construir as casas na cidade. E os fechados? Nossa, se é vinho nem sei quanto barril que cabe lá dentro, ou se é bacalhau, com essa mania dos brancos de comer bacalhau. Não sei para quê, então e o peixe seco, o carapau, pode ser corvina se tens sorte. E precisa bacalhau?

Para ajuda, se necessário:
Aka – interjeição de admiração, espanto.
Luiko – espátula em madeira, usada para misturar a farinha com a água.
Kambriquiti – manta, cobertor.
Canata e Cacilhas – bairros periféricos da cidade do Huambo.
Hopper – marca de bicicletas.
Kamakowe – comboio de mercadorias do Caminho de Ferro de Benguela.
Comboio-mala – comboio de passageiros do Caminho de Ferro de Benguela.



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