As glórias da Marinha
A marinha, o almirantado e o NRP Mondego têm, nos últimos dias, andado nas bocas do mundo. E nunca se anda nas bocas do mundo por uma boa razão, há sempre uma história.
Já
em Julho de 1871 o senhor Eça de Queirós, um português ilustre acidentalmente
nascido na Póvoa de Varzim, e de quem os jovens estudantes são obrigados a lembrar-se
uma vez por ano, à conta de uma livralhada que deixou escrita e que nada tem a
ver com as telenovelas da noite, proclamava com ar sério: “Mas, meus senhores,
antes de tudo, nós não temos marinha! Singular coisa! Nós só temos marinha pelo
motivo de termos colónias – e justamente as nossas colónias não prosperam
porque não temos marinha. Todavia a nossa marinha, ausente dos mares, sulca
profundamente o orçamento”.
Bem, nós perdemos as colónias vai para cinquenta anos e cada uma delas é hoje um jovem país, dizendo mal do progenitor e visitando-lhe as tabernas para lhe provar o vinho. Mas, apesar disso, mantivemos a marinha para as conservarmos na lembrança e as visitarmos com a elevada intenção de estreitarmos relações. E foi assim que renovamos a frota, que reciclamos os equipamentos e que formamos novas gerações de marinheiros. Fixando objectivos como estes devem ser, realistas e realizáveis.
Começamos
pelas viagens curtas, não nos aventurámos logo a plantar padrões nas costas de
África, a dobrar o Cabo Bojador, a aportar à ilha de Moçambique. Optámos, e
bem, por não ir além do que foi o senhor Gonçalves Zarco e atracar na baía do
Funchal. Desembarcar a tripulação para desentorpecer as pernas, visitar o
mercado dos lavradores, comprar um cacho de bananas, apresentar cumprimentos ao
governo regional, garantir à região a grande solidariedade nacional e prometer-lhe
descontos nas viagens ao continente.
Correu
tudo muito bem. Os marinheiros recuperaram do enjoo da viagem, os vendedores do
mercado aumentaram as vendas, o governo sentiu-se honrado com a visita em traje
de gala e fez a charanga tocar o hino nacional. Foi lindo, a brisa agitou a
bandeira nacional nos mastros, os comandos pronunciaram discursos inflamados,
as senhoras limparam as lágrimas furtivas, o senhor Luiz Vaz de Camões
acomodou-se na sua eterna honra de ser português. O parlamento sentiu-se uma
instituição patriótica e os senhores deputados julgaram-se orgulhosamente úteis
e mal remunerados. Até o inevitável professor de Boliqueime entendeu remeter-se
ao silêncio e guardar para os bisnetos o avisado conselho sobre o rumo para a
felicidade e a fórmula infalível para os ganhos na bolsa de valores.
Com o
entusiasmo entendeu-se por bem exercitar a tripulação, dar traquejo à
embarcação, assegurar a soberania nacional sobre as Selvagens e a numerosa
colónia de cagarras ali residente. Preparou-se a viagem, reabasteceu-se o
navio, consultou-se a tabelas das marés e zarpou-se pela preia-mar. com céu
limpo, mar chão, sem vento, nenhum nevoeiro. Os marujos respiraram de orgulho
patriótico, as máquinas roncaram de esforço, a populaça acumulou-se no cais
agitando bandeirinhas. A alegria estridente do silvo dos apitos da embarcação
chegou a Porto Santo.
Foi tudo,
todavia, navegação de poucas milhas. O navio cansou-se, transpirou, deitou fumo
pelos olhos, imobilizou-se no alto mar. Amuado e sem palavras, recusou-se a prosseguir.
Os oficiais coraram de vergonha, os marujos contiveram o enjoo, o senhor
almirante foi a bordo fazer uma preleção, invocar a honra nacional, o glorioso
Vasco da Gama, as especiarias da Índia. Tudo debalde!
Foi preciso
mandar ir um rebocador, amarrar cabos à proa do Mondego, rebocar este de volta
ao remanso da baía do Funchal. Confortá-lo, prometer-lhe mais bananas, voltar
ao mercado dos lavradores, reanimar a economia agrícola da ilha. Nas Selvagens o
bando das cagarras desmobilizou, cagou literalmente no cais lavado para as
cerimónias, ficou-se com as memórias de uma importante visita anterior que lhes
afagou as penas e o orgulho de pássaros.
Já agora,
porque não se vendem as Selvagens? Ou se lhes não dá a independência?
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