1 de janeiro de 2023

2023

O ano caiu de velho

mudou o calendário da parede da cozinha

e há menos mosquinhas pousadas nos azulejos

ou alimentando-se nas bordas do balde do lixo

e apesar da chuva está a manhã mais limpa

com o céu cinzento carregado de chumbo

e o sol talvez brilhando no outro lado do mundo

com a unicef pedindo donativos

para agasalhar desprotegidas crianças de áfrica

 

Nada mudou

e não se espera que venha a mudar

os cobertores apenas dão conforto ao sono das crianças

mas não lhes alteram as perspectivas de futuro

não lhes removem a ramela dos olhos

não lhes deixam um pão para o pequeno almoço

não lhes abrem um caminho para a escola

sei de tudo isto como se fosse ontem à noite

mesmo que dois mil e vinte e três

já estivesse ao virar da esquina

e os matemáticos tivessem descoberto

que o ano novo não é um número primo

mas dezassete ao quadrado

multiplicado por sete

o que é irrelevante para os direitos das crianças

que não têm código civil

nem a protecção do direito da família

 

No primeiro dia de janeiro

há apelos ao bom senso da humanidade

como se esta estivesse arrumada nas prateleiras dos supermercados

mesmo sabendo que estes estão fechados

e que o bom senso nunca foi preciso

para começar guerra nenhuma

a humanidade nunca precisou de sair de casa

organizar grandes exércitos

fabricar bombas

e atravessar fronteiras

para levantar a mão e fazer um gesto simples

dispensando todas as palavras

 

Ironia para começar

o primeiro de janeiro

é o dia mundial da paz

no curto quintal dos fundos da casa

e as bombas não celebram data nenhuma

nem se calam para abrir a garrafa de espumante

ao som das doze badaladas que mudam o ano

 

O ano começa como o tempo

e o tempo continua de borrasca

vento forte chuva tempestade marítima



 

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