3 de maio de 2023

A penitência

Penitencio-me: tenho sido injusto com o meu país. Tenho zombado dos seus dirigentes, troçado dos seus propósitos, ignorado o seu contributo decisivo para suster a invasão da Ucrânia. Mesmo sabendo que a ferrugem dos blindados enviados pela nação valente ainda obstrui as estradas de acesso ao porto de Odessa e às águas tranquilas do Mar Negro, impedindo a progressão da infantaria moscovita e a ressurreição do santo José Estaline.

Embora reconhecendo-lhe o estatuto de república das bananas, não tenho aceitado que as mesmas se não cultivem, com o mesmo desvelo e a mesma produção, nas terras frias transmontanas assim como nos socalcos do concelho da Ribeira Brava. Tenho ironizado com os heróis da sua história, com a determinação do Santo Condestável e com a épica inspiração de Luiz Vaz de Camões a cantar por mares nunca dantes navegados.

Duvidei da capacidade da sua comunicação social, questionei o profissionalismo dos seus jornalistas, ri-me da sólida sabedoria dos comentadores de ciência política que dedicam a sua vida à nossa boa formação cívica, a troco de alguns euros e de algumas aparições em novelas indianas do horário nobre e mesmo fora dele.

Até ontem e, repito, muito injustamente. Porque ontem todos se suplantaram e se redimiram, no sacrifício e nos objectivos. De mochila às costas os jornalistas estagiários acamparam às portas de Belém, de São Bento e do ministério do doutor Galamba. Levaram rações de combate para se alimentarem, não arredaram pé dos seus postos, não tomaram banho, não mudaram de roupa interior. Mantiveram-se, mesmo de cuecas sujas, a bem da nação, sempre em beneficio do seu nobre povo e do subsídio de refeição. Tenho que penitenciar-me, tenho que agradecer-lhes.

Na azáfama das redacções os especialistas em ciência política esfalfaram-se. Suaram as estopinhas, federam do sovaco.  Demitiram governantes, atascaram órgãos de soberania, arrolaram candidatos, emitiram opiniões, remeteram ao frio silencioso do sarcófago a erudição experiente e avisada do doutor Cavaco.

Até que à noite surgisse em campo o doutor Costa, como se descesse do castelo, mouraria abaixo, opondo-se sozinho a tudo e a todos, como o Asterix da Malveira. E mandasse uma charutada na bola, atirando-a para longe do jogo e para fora do campo. Deixando os estagiários sem carteira profissional, os mestres do júri sem currículo e os apanha bolas desnorteados, no meio da bouça, à caça dos gambozinos. O país de Abril e antes dele segue à sombra dos arbustos, cantando e rindo.

 

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