A penitência
Penitencio-me: tenho sido injusto com o meu país. Tenho zombado dos seus dirigentes, troçado dos seus propósitos, ignorado o seu contributo decisivo para suster a invasão da Ucrânia. Mesmo sabendo que a ferrugem dos blindados enviados pela nação valente ainda obstrui as estradas de acesso ao porto de Odessa e às águas tranquilas do Mar Negro, impedindo a progressão da infantaria moscovita e a ressurreição do santo José Estaline.
Embora
reconhecendo-lhe o estatuto de república das bananas, não tenho aceitado que as
mesmas se não cultivem, com o mesmo desvelo e a mesma produção, nas terras
frias transmontanas assim como nos socalcos do concelho da Ribeira Brava. Tenho
ironizado com os heróis da sua história, com a determinação do Santo
Condestável e com a épica inspiração de Luiz Vaz de Camões a cantar por mares
nunca dantes navegados.
Duvidei
da capacidade da sua comunicação social, questionei o profissionalismo dos seus
jornalistas, ri-me da sólida sabedoria dos comentadores de ciência política que
dedicam a sua vida à nossa boa formação cívica, a troco de alguns euros e de
algumas aparições em novelas indianas do horário nobre e mesmo fora dele.
Até ontem e, repito, muito injustamente. Porque ontem todos se suplantaram e se redimiram, no sacrifício e nos objectivos. De mochila às costas os jornalistas estagiários acamparam às portas de Belém, de São Bento e do ministério do doutor Galamba. Levaram rações de combate para se alimentarem, não arredaram pé dos seus postos, não tomaram banho, não mudaram de roupa interior. Mantiveram-se, mesmo de cuecas sujas, a bem da nação, sempre em beneficio do seu nobre povo e do subsídio de refeição. Tenho que penitenciar-me, tenho que agradecer-lhes.
Na
azáfama das redacções os especialistas em ciência política esfalfaram-se.
Suaram as estopinhas, federam do sovaco.
Demitiram governantes, atascaram órgãos de soberania, arrolaram
candidatos, emitiram opiniões, remeteram ao frio silencioso do sarcófago a erudição
experiente e avisada do doutor Cavaco.
Até que
à noite surgisse em campo o doutor Costa, como se descesse do castelo, mouraria
abaixo, opondo-se sozinho a tudo e a todos, como o Asterix da Malveira. E mandasse
uma charutada na bola, atirando-a para longe do jogo e para fora do campo. Deixando
os estagiários sem carteira profissional, os mestres do júri sem currículo e os
apanha bolas desnorteados, no meio da bouça, à caça dos gambozinos. O país de
Abril e antes dele segue à sombra dos arbustos, cantando e rindo.
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