A Sagres - como um regresso a casa
Vencer tranquilamente a barra numa manhã de sol, contemplar as margens calmas, rio acima, desde o Passeio Alegre, os raios de luz sobre o casario de São Pedro da Afurada, os barcos alinhados no cais, esperando pela hora de saída para a faina. Miragaia, o extenso areal que lá falta há muito, os arcos de que o rio é dono e que reclama de volta sempre que lhe chega uma fúria ancestral, a bandeirinha no alto do promontório de granito avisando os incautos viajantes sobre a cidade interdita.
Do
alto da Penaventosa desceram os homens para o rio, a ajuntar tábuas, erguer
mastros, desenhar quilhas, içar velas que enfunassem aos ventos que os levassem
à descoberta para sul. Até Sagres, de onde haveriam de prosseguir para o
desconhecido de outras paragens, chegando a novas terras e novas gentes,
plantando padrões, difundindo crenças, recolhendo usos gentios, na esperança de
chegar à Índia, ao cravinho e à pimenta.
Ufana
vem a Sagres subindo o rio, radiante, vaidosa sob a ponte, de mangas arregaçadas
como quem regressa a casa, num maneio de mulher madura, segura de tudo e da
admiração que suscita no velho casario que se ergue pela encosta. Tolhe-lhe a
marcha o ferro recortado da ponte que parece ter sido erguida para ligar o
mosteiro ao paço de onde o bispo vela pela fé e pela fortuna. Espreguiça-se no
remanso, volteia lentamente, acolhe-se à protecção do cais, repousa. Daqui partiram
as primeiras naus, rumando a sul, para vencer obstáculos, para descobrir
destinos. Está em casa.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial