16 de maio de 2023

A Sagres - como um regresso a casa

Vencer tranquilamente a barra numa manhã de sol, contemplar as margens calmas, rio acima, desde o Passeio Alegre, os raios de luz sobre o casario de São Pedro da Afurada, os barcos alinhados no cais, esperando pela hora de saída para a faina. Miragaia, o extenso areal que lá falta há muito, os arcos de que o rio é dono e que reclama de volta sempre que lhe chega uma fúria ancestral, a bandeirinha no alto do promontório de granito avisando os incautos viajantes sobre a cidade interdita.

Do alto da Penaventosa desceram os homens para o rio, a ajuntar tábuas, erguer mastros, desenhar quilhas, içar velas que enfunassem aos ventos que os levassem à descoberta para sul. Até Sagres, de onde haveriam de prosseguir para o desconhecido de outras paragens, chegando a novas terras e novas gentes, plantando padrões, difundindo crenças, recolhendo usos gentios, na esperança de chegar à Índia, ao cravinho e à pimenta.



Ufana vem a Sagres subindo o rio, radiante, vaidosa sob a ponte, de mangas arregaçadas como quem regressa a casa, num maneio de mulher madura, segura de tudo e da admiração que suscita no velho casario que se ergue pela encosta. Tolhe-lhe a marcha o ferro recortado da ponte que parece ter sido erguida para ligar o mosteiro ao paço de onde o bispo vela pela fé e pela fortuna. Espreguiça-se no remanso, volteia lentamente, acolhe-se à protecção do cais, repousa. Daqui partiram as primeiras naus, rumando a sul, para vencer obstáculos, para descobrir destinos. Está em casa.

 

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