11 de março de 2025

O governo atirou-se do precipício abaixo

A Assembleia da República, constituída por 230 deputados em representação dos partidos políticos por que foram eleitos, discutiu esta tarde uma moção de confiança apresentada pelo governo do Dr. Luís Montenegro depois deste, em duas semanas, ter sido confrontado com duas menções de censura que, pelos vistos por comiseração, não colheram.

Em Maio de 1871 o senhor Eça de Queirós, recentemente levado a residir no mais luxuoso condomínio fechado do país, escrevia textualmente:

“A opinião tem pela Câmara dos Deputados um sentimento unânime e unanimemente declarado: o tédio.

Diz-se mal da Câmara por toda a parte. Os jornais mais sérios falam constantemente na sua improdutividade. Aparecem contra ela panfletos satíricos. Ela é geralmente considerada como um sórdido covil de intrigas. Se se pergunta:

- Que houve hoje na Câmara?

- Uma farsa – respondem uns.

- Uma feira – respondem outros.

Os jornais políticos vêm cheios destas fórmulas. “A Câmara deu ontem um espetáculo triste para quem preza os verdadeiros princípios…” “A Câmara está oferecendo a prova da sua falta de independência…” A Câmara salta por cima dos princípios mais rudimentares de administração.”

- O parlamento é uma vergonha. – diz-se nos cafés.

- Vamos aos touros! – exclama-se nas galerias (textual).

- Amanhã há escândalo! – murmura-se na véspera das sessões.

Fazem-se-lhe epigramas, põem-se-lhe alcunhas. Os folhetins escarnecem-na; os jornais de notícias contam com uma singeleza dramática: “Ontem a sessão passou-se em injúrias pessoais.”

A sessão de hoje, aquela onde se discutiu a moção de confiança submetida pelo governo, foi muito mais rasteira e muito mais pré-histórica do que eram as sessões a que, há 154 anos, se referia o rigoroso e justo senhor Eça de Queirós. A Assembleia perdeu completamente a vergonha, cada deputado se julga a última bolacha do pacote e, na sua imbecil ignorância, um modelo único desfilando no certame Moda Lisboa. O senhor primeiro ministro arrastou-se penosamente num discurso falso e irrelevante que não convenceu nem  nem um bêbado nem um defunto.

O governo perdeu literalmente o debate contra toda a gente, à esquerda e à direira, com ou sem extremos, inclusivamente contra quem, apesar de tudo, votou a favor da menção de confiança. O governo não caiu. O governo atirou-se do precipício abaixo!

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