No teu 113º. aniversário
Faz hoje 113 anos que nasceste, numa pequena e pobre casa no lugar da Casaria, freguesia do Olival, concelho de Vila Nova de Ourém, distrito de Santarém. Primogénita de seis irmãos que a vida deixaria órfã de pai antes dos dez anos e que te reclamaria para o trabalho ainda tão criança. Percorreste um longo caminho e nunca tivemos esta conversa antes, apenas porque não calhou. Mas connosco nunca é tarde para nada, podemos falar de tudo em qualquer altura, seja onde for.
Quando aos oitenta e nove anos te viste sozinha na vida eu, morando longe, rapidamente compreendi que não seria possível deixar-te a viver como vivias, acantonada no teu cantinho, quieta e calada, apenas para não incomodar. Fomos à procura de um destino, decente, digno, asseado e confortável onde pudesses tranquilamente repousar de uma longa vida de trabalho a que nunca voltaste a cara. Algumas vezes não compreendi nem as lágrimas nos teus olhos, nem a ironia no repentino acordo das tuas respostas. Mas hoje compreendo.
Recordo
aqui e agora, como exemplo, o último grande problema que tiveste para resolver:
o Joli. Era o Joli um pequeno cachorro rafeiro que criaste quase desde que
abriu os olhos e que, confesso, me não recordo de onde te chegou. Tinha o pelo
comprido, de cor castanha, com grandes manchas brancas, e um latido esganiçado
e rouco, de timbre meio efiminado, que te acompanhava os passos e se plantava a
teu lado o tempo todo, à espera de uma festa ou de uma pequena côdea de pão que
te sobrasse. E que acompanhava os meus passeios matinais, saltando à minha
frente como se me abrisse caminho por entre as ervas altas, escorrendo do
orvalho da madrugada.
A
preocupação que tiveste para que tivesse um destino condigno, onde fosse bem alimentado
e não fosse sujeito a maus tratos. Foi confiado aos cuidados da tua sobrinha
Luciana que, todavia, para evitar que ele se perdesse à tua procura o teve de
manter preso na ponta de uma corrente com pouco mais de dois metros. Nunca o
Joli se vira preso na vida, cachorro criado em liberdade, saltando à nossa
frente, soltando aquele latido roufenho, como se nos servisse de guia. E as
visitas que depois, a teu pedido, fazíamos à tua sobrinha, como pretexto para
veres o Joli, lhe fazeres uma singela festa no dorso e lhe dizeres duas
palavras que ele, claramente, entendia. E tenho de recordar como exemplo a incontida
e exuberante alegria do cachorro quando te via e se rebolava pelo chão, em
autêntico extase, mijando-se todo, descontroladamente, esganiçando o seu latido
efiminado e rouco.
No
teu aniversário é-me muito grato salientar, como exemplar, o amor que dedicaste
a um rafeiro e, mais do que isso, a gratidão com que ele sempre te correspondeu.
Nasceste há 113 anos!
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