12 de abril de 2024

O girassol do desassossego

Bem, antes de mais é necessário que te arranje um nome. Tenho pensado em muitos com insistência, persistido, acabando depois perdido num cansado desassossego. Faço ainda mais algumas tentativas. Ocorre-me chamar-te girassol. É uma bela flor, altaneira, com uma simplicidade grandiosa e parece-me também um bonito nome. Se seguir o sol nunca te perderei, nunca me faltarás, ter-te-ei sempre por perto. Como flor agrada-me, é de uma beleza consensual, de pétalas alegremente amarelas, de vestes elegantes e discretas, sem a fragrância explosiva da alta perfumaria. Não requer habitação cosmopolita, vive bem em sociedade, cresce espontânea ao ar livre, em terreno que tenha a humidade suficiente para a vida. É alegre mesmo quando solitária e a sua corola é sempre um sorriso largo e aberto, mesmo se se curva numa vénia elegante e delicada. É um símbolo de esperança e um sinal de concórdia, até quando ao fim do dia o sol se põe no horizonte e a noite envolve a última claridade do crepúsculo.

A história é real, impossivelmente real, com pessoas, coisas, ruas e cidades, por dentro e por fora. Com a vida do dia-a-dia, com horários para cumprir, horas para as refeições, tempos para descanso, noites para que as estrelas possam brilhar. E apesar de tudo é um realismo mágico que não dá para entender, que nenhuma razão explica, que nenhum raciocínio justifica. Como se compreende, senão por magia, que sempre tenham estado juntas pessoas tão desconhecidas, nunca vistas, sem nenhuma possibilidade de se poderem ter pensado. E que, apesar de todas as impossibilidades, sempre se entenderam sem o saberem, sem gestos e sem palavras, sem divergências nem desentendimentos. Como caminharam sempre lado a lado, de mão dada, seguindo uma vida comum e única, sem espaço que lhes pertencesse e onde estivessem. Que mais do que juntas sempre foram só uma, como se assim tivessem crescido, com um só sonho e um único destino. A mesma cidade mágica, só existente na fertilidade da imaginação e nos antigos contos de fadas que viviam em castelos isolados no píncaro dos montes.

Cinquenta anos de solidão não dão para contar a história de Garcia Márquez, mas dão para atravessar noites em claro, entrar numa colmeia, procurar pela rainha, não a encontrar. Saltar por sobre as nuvens, abrir oceanos, tentar descobertas, desenhar a rosa dos ventos e continuar sem encontrar norte. Construir caravelas, navegar pela madrugada até à terra fria, enregelar, abrir os olhos no escuro. Sentir o enxame reunido por cima do sonho, escalar promontórios, não saber como comunicar, não haver informação disponível depois da linha quebrada. Acreditar que há uma nova vida em cada manhã, ter esperança apesar do desconsolo. Saber que haverá sempre um momento encantado, enfeitado com fitas e com estrelas tatuadas sobre o coração. Extasiar-se como se tudo fosse ainda ontem, dois olhares e nenhuma palavra, sem distância nem interrupção. Ter o mundo aos pés, agarrá-lo, não deixar que se perca mais.

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