15 de março de 2024

A procura

Depois da catástrofe os destroços que ficam formam o labirinto em que nos perdemos. Não adianta utilizar a primeira saída como se fosse a única, como se ela fosse a que nos leva à libertação e ao rumo certo. É preciso parar, deixar baixar a tensão, esperar que se normalize o ritmo cardíaco, pensar. Usar a razão. Nós somos seres racionais mas não o sabemos e, não o sabendo, não o praticamos. Construir um projecto, fazer um programa que nos ajude a encontrar a saída, que nos leve a dar com o caminho. No meio das ruínas sobram poucas referências, um nome, um local, uma data. Ou pouco mais do que isso, uma inscrição numa pedra ou num resto de parede. Sempre curtos, sempre vagos, sempre poucos. A tecnologia precisa de dados mas não os inventa. Não nos dá as coordenadas do sítio onde mora a fortuna e onde a nossa vida se cruza com a estrela polar.

Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil por acaso, mas o acaso não foi por falta de programa. O programa foi minucioso, desceu ao mínimo detalhe, foi laboriosamente construído. Reuniu muitas e vastas inteligências. Assim também foi a procura da saída do labirinto e o ensaio de navegação no escavado vale do Douro, entre as arribas e os ninhos das águias. A resistência entre os rochedos e a procura da nesga de sol, a descoberta do norte magnético. A certeza de haver fronteira e de estarmos do nosso lado, o rechaçar do invasor estrangeiro, obter certificação para a nossa identidade. Prosseguir o nosso destino histórico, perseguir a felicidade, encontrá-la, hesitar, dar-lhe a mão. Caminhar a seu lado, abraçá-la. Olhá-la nos olhos, ser seu cúmplice e seu amante, habitar o seu mundo e a sua casa.

Do Tejo partimos, ao Tejo havíamos de voltar. À torre de Belém ou a uma qualquer baía da margem sul. Mas mesmo o mais detalhado programa precisa de um bafejo de sorte, de um sopro sobrenatural, de um pequeno trunfo escrito nas estrelas. Que nunca se sabe se chega, ou quando chega, ou como chega. E se chega, quando chega, não se sabe como veio ou de onde veio. Mas sente-se. E é essa certeza, esse pequeno sopro que enfuna as velas ao barco, que aponta a proa ao cais de destino, que muda o curso da história. É ele que nos faz fundear nas praias da Índia, de águas calmas e azuis, de areias finas e douradas. Onde não há espaço para estaleiros. É esse bafo de sorte que nos reconcilia com o destino, que nos leva ao passado, que nos deixa cumpri-lo desde que o perdemos. Como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse mudado. Como se toda a vida estivesse sempre para diante, sem nada se ter perdido. Como se tudo fosse sonho, como se tudo fosse futuro.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial