3 de março de 2024

A perda

Era Dezembro, pouco antes do solstício de Inverno. Os dias estavam frios e o meu corpo, habituado ao calor tropical, resistia ao desconforto de uma camada de agasalhos que, afinal, me não protegiam dos rigores da época. As mãos arrefeciam-me, os pés gelavam-me, o espírito entristecia-me. Apenas a marcha continuada conseguia disfarçar um pouco aquela sensação que me era única. A marcha e uma conversa que diariamente me fazia viajar para longe, por alguns minutos, para um outro mundo e uma outra esperança que resistia a todos os invernos e a todos os desconfortos. O sonho, como no poema, é que comanda a vida, é que a alimenta, é que a fortalece. Era também o sonho que me dava ânimo, que me devolvia parte do calor que eu, como muitos, tinha deixado a sul do equador naquela mudança imprevista e precipitada para norte.

Nunca fui um optimista mas também nunca me deixei vergar ao temor da catástrofe. Nunca pensei que o mundo me pudesse desabar em cima, de um momento para o outro. E, apesar disso, bastaram alguns segundos para sentir que uma réplica do terramoto me soterrava inteiro, de corpo e alma. De repente todo o futuro se sublimava, sem deixar rasto e sem dar quaisquer hipóteses de reversão. Não ficava espaço para o dia seguinte, não sobravam sequer horas para ainda acabar o que decorria. Ficava eu no meio dos escombros, sem ninguém que me salvasse, sem nada que me valesse. Sem mapas ou bússola que me pudessem orientar. Todo o mundo era, doravante, uma noite escura onde a luz ainda não tinha sido descoberta. O próprio sistema solar desaparecera, não haveria forma de o reinventar ou de o redescobrir.

Não sei nem como nem quando reagi, mas não chorei. O choro não vale a pena se não nos aliviar, se as lágrimas não nos ajudarem a encontrar o caminho que procuramos e a suplantar a dor que nos sufoca. E não havia caminho, deixara de haver todos os caminhos, fosse para onde fosse. Sobrava um desânimo a toda a volta, uma dor que me tolhia, sem nenhuma promessa de dia ao fim da noite. E o tempo frio, com o inverno logo adiante, ao dobrar da primeira esquina, ameaçando sempre e cada vez mais. Não me ficou memória de nada, mas resisti, sem saber como. Os pensamentos dispersos, o raciocínio inútil, o desnorte sem bússola. Como que perdido no outro lado do mundo, em plena floresta amazónica, sem que ao menos por ali houvesse um rio que me arrastasse até ao mar. Onde pudesse içar uma vela que se enchesse de vento e me levasse a encontrar o sol que me guiasse de novo até aos caminhos do sul. Que me devolvesse a orientação.

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