24 de fevereiro de 2024

A partida

Àquela hora o dia aproximava-se do fim e para lá dos prédios à beira mar o sol ia descendo sobre as águas quietas da baía. As folhas das palmeiras mal buliam à força de uma brisa suave e o tempo seguia o seu curso, indiferente à inquietação que agitava a vida e a cidade. Todas as horas eram de pressa e tudo urgia. Tranquilamente, por reflexo, os raios de um sol amarelo, de fim de tarde, inundavam a frontaria do edifício virado a Sul, onde todas as varandas se apresentavam desertas de gente. Não se via vivalma, como se ninguém tivesse ainda regressado a casa depois do trabalho.

Foi ao crepúsculo, quando já quase se acendiam os candeeiros de iluminação pública que, de longe, a silhueta se desenhou na penumbra, chegando-se ao peitoril virado para o largo onde se arrastava um trânsito caótico. A distância e a pouca luz que sobrava do dia que ia morrendo não permitiam, àquela distância, reconhecer ninguém. Apenas adivinhá-lo pelos contornos do perfil e pela mão acenando ligeiramente para a rua, como se o fizesse indefinidamente para nada e para ninguém. Mas o gesto era, todavia, uma despedida breve na tarde quente e húmida, era um curto adeus que parava o tempo e interrompia a marcha do calendário. Ficando linearmente por saber quando e onde seria o dia seguinte, se o houvesse.

Porque o dia seguinte seria sempre um dia vazio, deixando apenas uma curta memória e um pálido rasto de luz a perder-se num intranquilo e pesado céu cinzento. Não houvera tempo para nada, nem para conversas nem para se darem as mãos, muito menos ainda para se conhecerem. O futuro era, mais do que nunca, uma incógnita por revelar, resguardado pela cortina que era a incerteza do dia-a-dia. Era como o próprio presente, inseguro, fluido e deslizante, como se não houvesse gravidade que pudesse manter o equilíbrio de nada. A um cantinho do coração ficava, todavia, o registo de uma morada e de um contacto. Sem dúvida que seriam necessários, não se sabia quando, embora não se soubesse, de momento, se viriam a ser bastantes para alguma coisa. Mas seriam!

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