Duas linhas sobre a Palestina
Antes de começar, deixem-me declarar que não compreendo e não aceito a violência como forma de resolução de qualquer diferendo, seja ele qual for. Se a isso entenderem chamar pacifismo, aceito o rótulo sem hesitação e sem reservas, de forma absoluta.
A 7
de Outubro passado o Hamas desencadeou uma operação de terror, de grande
alcance, sobre territórios, pessoas e bens sob domínio de Israel. Matou, feriu,
raptou, destruiu. A operação é obviamente condenável, sem considerandos e sem
condições. Mais do que isso, reserva-se mesmo ao estado agredido o direito à defesa
e à resposta. Embora possa todavia perguntar-se como foi possível planificar e
executar uma acção de tal envergadura, nas barbas e sem conhecimento da
inteligência israelita, considerada das mais capazes e eficientes do mundo.
Alguns
dias depois o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres,
apelou à contenção e afirmou que, apesar de tudo, tal acto de terror não
nascera no vácuo. Não fosse o seu cargo e algum esvaziado prestígio que ainda se
lhe associa e certamente ele teria sido sumariamente executado ao dobrar de uma
esquina em ruinas. Assim Israel teve de limitar-se a exigir a sua demissão, a
recusar vistos a funcionários daquela instituição e, por fim, a remeter-se ao
silêncio sobre o assunto,
Todavia
seria aconselhável que recuássemos um pouco no tempo e colhêssemos alguma
informação sobre a Palestina. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial e
à entrega daquele território ao mandato britânico em 1922, pela Sociedade das
Nações, percussora das Nações Unidas. E, depois disso, ao anúncio britânico, em
1947, de que abandonaria o território e deixaria às Nações Unidas a decisão
sobre o seu futuro. E, ainda, à criação consequente, no mesmo ano, do Comité
Especial das Nações Unidas para a Palestina. Este comité apresentou dois relatórios,
um deles preservando a unidade territorial dotando Jerusalém de um estatuto
especial e outro, que colheu maior número de apoios, defendendo a partilha em
dois estados, um árabe e outro judeu.
É neste contexto que é aprovada, em 29 de Novembro de 1947, a resolução 181 das Nações Unidas, conhecida como Plano de Partição da Palestina, desenhado no abrigo dos gabinetes, sobre a mesa de negociações, ao arrepio das populações residentes e interessadas e que viria a ter os resultados catastróficos que ainda hoje persistem sem fim à vista. No meio de uma guerra não declarada, ainda sob o mandato britânico, a poucas horas do fim deste, em 14 de Maio de 1948, é autoproclamado o estado de Israel e, em consequência, uma grande parte da população palestiniana é expulsa de suas casas e passa ao regime de refugiada.
Em
Dezembro de 1948, em contexto de guerra israelo-árabe, é aprovada nova
resolução, estabelecendo o direito de retorno dos refugiados palestinianos e as
Nações Unidas virão a encarregar-se da supervisão dos diversos acordos do armistício
entre Israel e a Jordânia. Síria, Líbano e Egipto.
Em
1967, no seguimento da chamada guerra dos seis dias, é aprovada a resolução 242
estabelecendo a inadmissibilidade de aquisição de território em resultado da
guerra e estabelecendo a obrigatoriedade da retirada de Israel dos territórios
ocupados, não cumprida até aos dias de hoje, embora estes princípios tenham sido
reforçados em 1973, através da resolução 338.
Em 1977
a Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a ocupação da Palestina por
Israel e o direito do povo palestiniano à autodeterminação, recomenda o dia 29
de Novembro como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano. Em
1988 o Conselho Nacional Palestiniano aprova em Argel a declaração de
independência da Palestina, aceitando implicitamente o estado de Israel e a
partilha do território em dois estados. Em 1993 os acordos de Oslo permitiram
uma breve nesga de esperança que rapidamente se desvaneceu.
Agora,
no seguimento dos acontecimentos de 7 de Outubro, que se devem condenar
frontalmente e sem subterfúgios, deve também reconhecer-se a Israel o direito de
se defender. Devendo contudo entender-se que esse direito não pode compreender rechaçar
o agressor, persegui-lo, invadir-lhe a casa, matar-lhe a família e os vizinhos,
destruir-lhe a habitação e privá-lo dos mais básicos direitos de subsistência e
de dignidade. Ou seja, extinguir-lhe a raça, expurgá-la da superfície do
planeta. Ontem a civilização humana foi afundada de todo nas Nações Unidas, não
a sempre invocada civilização ocidental, mas a civilização em sentido lato,
decorrente de toda a evolução da espécie, desde o australopithecus. Com o seu incompreensível
e inaceitável direito de veto os Estados Unidos da América associaram-se ao
mais evidente crime contra a humanidade: o genocídio do povo palestiniano.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial