Minha Mãe nasceu há 112 anos
Minha Mãe nasceu na quarta-feira, 18 de Outubro de 1911, faz hoje 112 anos. A república tinha sido implantada há um ano, à heroica semelhança do que sempre tem acontecido no país: por mera casualidade. Meia dúzia de revoltosos partilhavam algures a força de fogo de quatro espingardas e o fumo de uma ponta de charuto e a um deles fugiu o dedo indicador para o gatilho. O estampido desceu a avenida, atravessou a solidez da baixa pombalina, foi morrer no Tejo logo a seguir ao Terreiro do Paço. O estrondo fez explodir o voo doido dos pombos e assustou a sonolenta letargia das tropas reais, que debandaram. Os revoltosos inquiriram-se: que fazemos agora? Acabamos o charuto ou proclamamos a república? O mais sensato orientou: acabamos de fumar que o Relvas (nessa altura ainda o Relvas não militava na JSD nem chegara a ministro) há de anunciar a república.
Sua majestade sereníssima el rei D. Manuel II foi aconselhado a recolher-se a Mafra e a aí pernoitar, enquanto se aprimorava o protocolo da partida para o exílio. Teve uma noite agitada, pelo sono intranquilo e pelo voo dos morcegos, e no dia seguinte foi embarcar à Ericeira, com destino ao estrangeiro. Haveria de voltar ao convívio da real família muito mais tarde, depois de morto, reunindo-se a ela em São Vicente de Fora, superiormente autorizado pelo republicano dos sete costados que foi o doutor Salazar.
E no
dia de nascimento de minha mãe, há 112 anos, reuniu-se em sessão extraordinária
a Câmara dos Deputados sob a presidência do senhor José Tristão Paes de Figueiredo,
que abriu a sessão às 2 horas e 30 minutos da tarde, tendo como secretários os
senhores Baltasar de Almeida Teixeira e Tiago Moreira Salles, com a presença de
121 senhores deputados. Seria fastidioso enumerar presentes e faltosos,
saliente-se apenas que entre os presentes se contavam os senhores Afonso
Augusto da Costa e Amílcar da Silva Ramada Curto e entre os faltosos os
senhores Alexandre Braga e Manuel Alegre sendo que este último, em boa verdade,
eu nunca julguei capaz de tão grande precocidade e não pensaria, à altura,
sequer pelas esconsas ruas da cidade de Argel.
Discutia
a Câmara a criação de tribunais especiais para julgar os conspiradores que,
como se depreende, conspiravam contra os benefícios da república, invocando
alguns que lhes assistia a condição de espoliados pelo usurpador senhor D.
Miguel. Apesar de, por sorte, este os não ter incluído entre os supliciados da
Praça Nova em 1829.
Porque
venho com esta história? Apenas porque a não sabia e, por isso, nunca a contei
a minha Mãe. Apenas para que ela soubesse que, afinal, o dia do seu nascimento
não tinha paralisado nem a república nem o país. Sempre houve, apesar dele,
outras coisas menores, como a sessão da Câmara.
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