30 de maio de 2023

A nova campanha não é alegre

 

Em Junho de 1871, há 152 anos, escrevia o senhor Eça de Queirós no primitivo prólogo das Farpas:

“O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.”

Passado mais de século e meio é legítimo que a nossa geração se interrogue sobre o que aconteceu nesse espaço de tempo e sobre o actual e democrático estado de coisas. Para começar, desiludido e prematuramente, o senhor Eça de Queirós morreu em Paris, na sua condição de emigrante, sedento de mais civilização e de melhores condições de vida. Tardou e tarda o País em reconhecer-lhe os méritos e honrar-lhe a memória e as suas ossadas aguardam ainda pela entrada em Santa Engrácia, onde a senhora D. Amália e o senhor Eusébio, à espera, vão debicando aperitivos com o copo de gin tónico na mão. O rei D. Carlos e o príncipe herdeiro foram assassinados a uma esquina do Terreiro do Paço e o infante D. Manuel viu-se projectado para a inesperada condição de soberano de uma monarquia obsoleta e caduca. A monarquia caiu com o pequeno estrépito de meia dúzia de tiros e o último rei escafedeu-se para o exílio a partir do esconso porto da Ericeira, depois de uma derradeira noite de insónia nos lúgubres e longos corredores do palácio de Mafra. A bagunça foi suprema e superlativa durante mais de quinze anos e ganhou o nome histórico de primeira república, até que de Coimbra chegasse a São Bento um professor, devoto e virgem que, com denodo, se manteve no coito com o País durante longos anos, sempre proclamando a virgindade e as virtudes da religião e da hóstia. A destempo histórico, o País abriu, rapidamente e em força, frentes de batalha nas diversas colónias de África, de onde passou a receber, para além de alguns cachos de bananas, um punhado de diamantes, uns sacos de café para instituir o vício da bica e jaulas de símios para a aldeia do jardim zoológico. Portugal, vaticinava a música popular, era nosso e ainda haveria de ser grande e colorido.

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