Dia de África
Nós estávamos lá, eramos muito pequenos e não sabíamos. Nós não tínhamos África, tínhamos Mundo. O nosso Mundo era aquele, começava à saída da nossa porta, estendia-se capinzais abaixo, esbarrava no caniçal à beira do rio. O capinzal era um restolho surdo sob o sol que subia no horizonte, vergado ao peso dos pássaros que lhes pousavam nas pontas, catuitis, bicos de lacre, até mesmo saconjueles. Passarinhos que nos livros lhes dão outro nome, até que é preciso aprender a ler para conseguir lhes falar.
Se tinha
frio logo de manhã, a gente corria com o arco do barril de vinho, amarrado com
um fio e um pau para lhe fazer andar, assim assim, para cima, para baixo, um
bocado para este lado, um bocado para o outro lado. E pronto, começava de
passar o frio e logo logo a nos chamar, anda lá, é preciso ir na padaria buscar
o pão para o matabicho. Uma moeda de meia cinco a agarrar com força na mão para
não lhe perder, o pão, mesmo mesmo, ainda quente, quantos já não sei, já que me
esqueci. A moeda sempre ainda que tinha troco, não sei se um angolar ou uma
prata, mas tinha.
Terras do fim de mundo, cuchi, cuangar, o rio grande com tanta água, nem casa dos brancos, nem sanzala, nem nada. Só mato, as árvores grandes, os bichos todos na vida deles, depois da loja do kamacapa não tinha mais. Cabra do mato a saltar e a correr, desconsegues de lhe ganhar, os nunce, as palancas. Os leões e os elefantes também tem, ficam no mato pode ser a descansar, nunca que aparecem. Mas depois, à noite, no meio do escuro, bem que a gente fica com medo a lhes ouvir a falar sem lhes poder ver. Os elefantes a gente que até pode ver quando passaram ali, as bissapas todas para baixo, com o peso dos pés deles todos em cima. À hora de almoço, ali logo, mesmo mesmo, fora do rio, os jacarés a dormir ao sol e a gente a encher água no garrafão. Talvez que então isso pode ser África, se calhar pode.
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