Até sempre tia Odete
A minha tia Odete faz hoje a sua última viagem. Hoje será pó, poeira intergaláctica, estrelinha celestial cintilante no cume do universo. Levará até lá o seu riso sonoro, a sua alegria esfusiante, a sua irreverência congénita. Distribuirá alegria e boa disposição, fará amigos, será rainha. E levará a meu tio o meu agradecido abraço de sobrinho e de afilhado.
Nunca
calhou dizer-lho, mas esta mulher foi a responsável pela mais fascinante
viagem da minha vida. Orgulhoso pela minha quarta classe feita, de contas
certas, ditado sem erros e dedos limpos de tinta. E ainda vaidoso com o meu
relógio Cauny preso ao meu punho esquerdo, quase habilitado a ser o
administrador do concelho.
Embarquei
no Huambo, no comboio Mala, a um sábado de manhã, com quase toda a gente
acumulada na gare, vendo que novidades chegavam do Lobito, da sua cidade e do
seu porto de mar. Até ao Luau, a quase mil quilómetros de distância, com
chegada no domingo ao fim da tarde. Atravessando Angola quase de lés a lés, povoação
atrás de povoação, muito espaçadamente, porque em África tudo é fascinante e
longe.
Atravessar
a reserva da Cameia, com a poeira densa entrando por todos os interstícios, a
savana imensa estendendo-se para ambos ao lados da linha e toda aquela
variedade de animais levantando a cabeça, interrompendo o pasto, livres de
todo, indiferentes à passagem daquela longa minhoca metálica que atravessava a
paisagem, deixando fumo e a estridência do apito.
Foi nessa viagem, atravessando África, para ir ao encontro da minha tia Odete – e do meu tio Quim! – que eu descobri o mundo a que pertencia. Velho e distante, nunca mais saí dele. E é dele que irei partir. Para ir de novo ao seu encontro, tia Odete!
[CM1]iagem
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